sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Cabo Verde | Do islamismo político-terrorista

Islamismo por país
Será que os cabo-verdianos recentemente convertidos ao Islão ambicionam adoptar e impor essas reivindicações, ou estarão completamente equivocados?

Arsénio Fermino de Pina* | A Nação | opinião

Já publiquei vários artigos sobre o islamismo, e volto ao assunto ao saber de patrícios que se têm convertido ao Islão nos últimos tempos. Vou acrescentar, esclarecendo, o que já publiquei das minhas investigações, com factos colhidos na obra do professor jubilado do ISEG e membro da Academia Internacional da Cultura Portuguesa, Adelino Torres, “Vozes do Sul no Mundo Global, África, Médio Oriente e Outros Lugares”, Ed. Colibri, que viveu largos anos num país muçulmano da África do Norte.

A visão retrógrada do islamismo político que transpõe o quadro tradicional do século VII, do tempo dos quatro califas (califa significa representante ou sucessor de Maomé) para a vida moderna do século XXI, esconde, subrepticiamente, fins políticos não explícitos, numa primeira fase, e só serão revelados à luz do dia, geralmente sob a forma violenta, aquando da futura tomada do poder, como aconteceu com o chamado “Estado Islâmico” ou Daesh, no Irão com o Ayatola Khomeini após o derrube do Xá, e no Egipto, após o derrube de Mubarak e eleição de um elemento da seita sunita “Irmãos Muçulmanos”, o que levou as forças armadas a retomarem o poder.

No Islão, o “homem ideal”, o que chamam de “Homo islâmico” é o que representa a submissão total a Deus (Allah), aos preceitos sagrados, a uma religiosidade afinal mutilada. No centro do islamismo político, onde o político é manipulado pelo religioso, está o conceito de Jihad (=guerra santa ou, mais correctamente, “guerra legal”). “No catolicismo, durante a Inquisição, ou no protestantismo, o recurso à violência era claramente identificável com uma deriva, ou como uma traição temporal”.

O problema do islamismo político só se resolverá com drásticas reformas internas nesses países, a começar pela retirada do aparelho educativo das mãos dos religiosos e pela restauração da verdadeira democracia e aplicação de reformas económicas profundas. Se os governantes árabes pudessem aplicar algumas das medidas levadas a cabo por Mustapha Kemal, na Turquia, e Burguiba, na Tunísia, verificar-se-ia então que o “fanatismo” no Médio Oriente se desmoronaria como castelos de cartas. Infelizmente é o contrário que se vê, como, por exemplo, um Erdogan na Turquia a desfazer tudo quanto Kemal construiu, a valorizar o islamismo político, o rei, príncipes e banqueiros milionários da Arábia Saudita a financiarem os movimentos terroristas e o ayatola do Irão a bloquear as ações moderadas do presidente da república.

Esmiucemos um pouco os sustentáculos desse islamismo político e do consequente terrorismo.

A corrente radical do islamismo tem reivindicações peculiares mesmo arrepiantes: regresso a uma ordem social definida pela aplicação da Charia (=direito muçulmano clássico, um corpo de regras jurídicas tratando todos os problemas da vida da sociedade, inspirado em grande parte no Levítico – incompatível com os Direitos Humanos); interpretação literal do Corão e da Charia tal como essa leitura era concebida durante os 3 primeiros séculos depois da Hégira (=expatriação de Maomé de Meca para Medina por volta do ano 622), na Arábia da Idade Média até ao século X; pretensão de estender o conceito de Jihad à eventual reconquista e dominação de territórios não islamizados; exclusão da mulher da vida pública e a sua mutilação genital sistemática (excisão do cliptoris para diminuir ou eliminar o prazer sexual, somente justificável no homem); regresso do sistema do califado e ao delírio medieval de conversão forçada; matança de “infiéis” – os que não são muçulmanos – e de “apóstadas”; exaltação da figura de “mártir” numa interpretação indicada num único versículo do Corão sobre o tema, com a caução da maioria dos ulemas (=doutores da lei); aplicação de castigo corporal previsto na Charia; corte da mão dos ladrões, chicoteamento de ”prevaricadores” que desrespeitam os “bons costumes”; apedrejamento até à morte de adúlteras, etc., etc.

Será que os cabo-verdianos recentemente convertidos ao Islão ambicionam adoptar e impor essas reivindicações, ou estarão completamente equivocados?

O conceito de “mártir” está subvertido no islamismo político-terrorista. Mártir é aquele que é morto, assassinado, por defender as suas crenças, as suas ideias, a sua fé, sem se desdizer, não aquele que, utilizando um cinto de explosivos, o acciona no meio da multidão matando os chamados “infiéis”, inocentes e até crentes, ou que mata os tais “infiéis”, e, a seguir, é morto pela polícia. Estes são terroristas, assassinos, que, mesmo segundo o Islão, vão para o Inferno e não para o Paraíso, ao contrário do que dizem os extremistas islâmicos que garantem que, no Paraíso, aguardam os “mártires” setenta virgens. Um teólogo e historiador tunisino, Mohamed Talbi, esclarece que, afinal, não são 70 virgens; houve erro na tradução do termo, pois significa 70 bagos de uvas. O mesmo Talbi avança que se viveu bem durante dois séculos sem Charia (antes de 804), por ser de aparecimento tardio; somente o Corão é que obriga.

O declínio científico dos países do Médio Oriente começou a partir do século XIV, a seguir à expulsão dos árabes (mouros) do Sul da Península Ibérica e da França, às cruzadas, às ofensivas mongóis (sec. XII-XIII), e, finalmente ao desvio das rotas comerciais para o Atlântico com a descoberta do caminho marítimo para a Índia e a descoberta das Américas.

O domínio colonial europeu do Médio Oriente provocou traumas, agravados pela questão palestiniana e israelo-árabe. Todos esses traumas criaram ressentimentos e um sentimento de vingança que favoreceu o predomínio do religioso sobre o temporal desacreditado, com interpretações enviesadas do Corão e da Sunna (=maneiras de agir do Profeta Maomé) como arma contra os chamados “infiéis”. O tunisino Ali Abderrazig (1888-1947), autor de um trabalho importante sobre os fundamentos do poder político do Islão, é taxativo quanto à necessidade de separar o político do religioso, tanto no Corão como em relação ao próprio Profeta. O mesmo Abderrazig escreve que “a maior parte dos profetas que conhecemos eram unicamente mensageiros de Deus” e não reis, como Jesus, filho de Maria, que era enviado de Deus (para os muçulmanos, Jesus era um profeta, como Maomé, sendo este o último profeta) encarregado da predicação cristã. Isso não o impediu de pregar obediência a César e de crer na sua autoridade – “a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”- que corresponde a uma distinção clara entre o poder temporal e o espiritual.

Intelectuais famosos como Averróis, Avicena ou Ibn Khaldun, entre muitos outros, são ainda negligenciados nos países muçulmanos, e raramente se ouve referência ao facto de o mundo ter tido conhecimento dos sábios e civilizações grega e romana graças aos árabes que pagaram a judeus para essa investigação, traduzindo para árabe textos antigos dessas civilizações, numa época em que os árabes eram muito mais evoluídos e racionais do que os europeus.

Houve alguns reformadores árabes obrigados a calar-se para evitar serem mortos, outros mesmo sacrificados, como o sudanês Mohamed Taha, que tentou, com os seus escritos, reformar a Charia; devido a isso foi condenado à morte, recusando ser agraciado se renunciasse às suas ideias liberais. Foi enforcado em 1985, sendo ministro da justiça do Sudão Hassen Turabi, no governo de Noumeiry. Por esse “feito” este foi felicitado pela Universidade Al Ashar, no Egipto, e pela Liga do Mundo Árabe, que tem a sua sede em Meca. Há tantas barbaridades cometidas pelo islamismo político (terrorista) nos nossos dias que me escuso de os enumerar por serem do conhecimento de todo o mundo.

Parece-me óbvio que as actividades dos terroristas islâmicos exigem dinheiro para serem preparadas, levadas a cabo e para pagar aqueles angariadores dos chamados “mártires” – cerca de 20.000 dólares por cabeça, segundo um ex-islamita que abandonou a causa – e aos familiares destes. Grande parte do zakat recolhido (=esmola semelhante ao dízimo recolhido por certas seitas evangélicas), avaliado em cerca de dez mil milhões de dólares anuais, serve igualmente para financiar o projecto político de propaganda do Islão, assegurar a influência ou dominação da Arábia Saudita wahabita sobre o mundo sunita (seita muçulmana que se opõe ao xiismo) e árabo-muçulmano, alimentar financeiramente organizações integristas e/ou terroristas nas mais diversas regiões do mundo, da América ao Sudoeste da China passando pela Europa, África do Norte, Paquistão, Filipinas, Indonésia e África subsaariana.

Um relatório dirigido ao Conselho de Segurança das Nações Unidas inclui uma lista nominal de sete importantes personalidades sauditas que, comprovadamente financiaram a Al Qaeda, constituído por banqueiros, homens de negócio e envolvimento de importantes instituições de caridade sauditas. Noutro relatório oficioso intitulado “O Financiamento do Terrorismo”, publicado em 2002, um ano após o ataque às Torres Gémeas, o “Council on Foreign Relations of New York”, constava que “é tempo de dizer claramente o que as autoridades oficiais recusam dizer até aqui: desde há anos que pessoas e organizações caritativas instaladas na Arábia Saudita têm sido uma fonte de financiamento para o Al Qaeda”. Os 4.000 príncipes que dirigem o Reino Saudita financiam os movimentos islamitas como outrora se compravam indulgências, como, por exemplo, o milionário saudita Youssef Djamil Abdelatif que ofereceu um milhão de dólares ao movimento terrorista argelino FIS, também apoiado pelo Banco Islâmico Internacional, com o nome, em França, de Groupement Islamique de Frnace. Há tanta pouca vergonha e ganância de banqueiros que, há anos, a União de Bancos Suiços e o Crédito Suiço abriram no Próximo Oriente, na Malásia e Filipinas, Islamic Banks, que funcionavam especificamente segundo as regras do direito muçulmano. O mesmo aconteceu com o Citibank que abriu, em 1996, no Bahrein, a sua primeira “agência islâmica”.

É a Arábia Saudita, com a sua seita religiosa Wahabismo (sunita), que surge cada vez mais como o verdadeiro núcleo duro da nebulosa islamita e terrorista.

Mais de 263 organismos foram oficialmente designados como financiadores do terrorismo e foram excluídos do sistema financeiro mundial, embora a confiscação de capitais de origem criminosa pelos EUA se tenha limitado a bloquear 130 milhões de dólares destinados ou pertencendo a terroristas, parecendo não haver grande vontade política de levar às últimas consequências confiscação de capitais e de pôr de quarentena países como a Arábia Saudita, o Qatar e outros, que toleram, financiam e/ou albergam terroristas, tal o poder financeiro desses países e o comprometimento com estes do país que poderia resolver o problema. Esta realidade leva a que este poder mafioso financeiro consiga colocar os seus homens à frente de Estados, os quais se encarregam de bloquear tudo que não lhes convém. Parece, como afirmou Ana Gomes, eurodeputada portuguesa do partido socialista, vice-presidente da comissão especial Paradise Papers, estar “Cada vez mais convencida de que alguns Estados-membros (da EU) não querem consequentemente combater o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo; querem só fingir que o fazem”.

Apresentam-se cenas televisivas revoltantes de terrorismo de Estado na Síria, Líbia, Iraque, Estado Islâmico (Daech), Coreia do Norte, Birmânia e Irão, jamais no Yémen onde a Arábia Saudita, apoiada pelos EUA, bombardeia cidades matando civis, nem dos julgamentos na Arábia Saudita com enforcamentos e apedrejamento de adúlteras até à morte, numa terra onde a mulher é uma coisa e os Direitos Humanos nunca foram respeitados, isso porque houve um acordo especial entre os EUA e a família Saoud para a criação do Estado da Arábia Saudita (com o nome da família Saoud) quando aí descobriram petróleo, garantindo protecção ao Estado desde que o petróleo só pudesse ser vendido em dólares. Recentemente, dois Estados que decidiram vender o seu petróleo noutras moedas, viram-se invadidos, destruídos e liquidados os seus presidentes, Iraque e Líbia, onde agora reina a anarquia e o caos totais.

Sem bloquear os santuários territoriais onde se refugia o terrorismo e os recursos de que dispõe, prevalecendo os oligarcas no poder numa teocracia islâmica que se sobrepõe aos interesses da comunidade internacional, a ameaça terrorista poderá aumentar, deixando antever o pior.

Parede, Setembro de 2018   
                                                          
*Pediatra e sócio honorário da Adeco

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