domingo, 24 de junho de 2018

SUBMARINO REPUBLICANO ANCORADO NA PRISÃO – I

Martinho Júnior | Luanda
  
1- Longe vão os tempos da administração republicana de Ronald Reagan, todavia, desde então, a fermentação do capitalismo neoliberal não deixou de ocorrer, agora com uma outra “maturidade”, temperada por um exercício que já leva três décadas de múltiplas experiências e práticas “laboratoriais”, em “estado de globalização”!

Se antes (desde 11 de Setembro de 1973 no Chile) o deslumbramento se limitava aos iluminados da escola de Chicago, com o “mestre”Milton Friedman à cabeça, as elites intelectuais ao serviço da aristocracia financeira mundial desde 1985 que não se coibiram de se ir reforçando de doutrinas que se complementam numa amálgama que vai sendo aplicada onde quer que seus interesses e conveniências se façam sentir, particularmente quando os “alvos” são ricos de matérias-primas e mão-de-obra barata e não possuam elites garantidamente agenciadas no governo de turno.

Assim vimos desfilar Leo Strauss, Gene Sharp, George Soros, Francis Fukuyama, cada um respondendo aos quesitos filosóficos e práticos indispensáveis ao domínio e seus instrumentos, de que é emanação sempre com alinhamento republicano “in”, como o agora detido Paul Manafort.

2- Se Frank Charles Carlucci em Portugal foi indispensável para a aristocracia financeira mundial instrumentalizar o “Arco de Governação” (ele foi um intermediário entre Henry Kissinger e o general Spínola, no âmbito do Le Cercle – http://moversandshakersofthesmom.blogspot.com/2008/09/frank-c-carlucci-iii.html), graças aos seus privilegiados laços com os fundamentos e a decorrência do golpe do 25 de Novembro de 1975 (os spinolistas sem Spínola), entre eles Mário Soares, Paul Manafort, o submarino republicano de Ronald Reagan, com uma experiência de dez anos antes dessa “essencial conexão”, foi uma das “pontes” para a deriva neoliberal em Portugal e em África, “behind the scenes”.

Nessa deriva, um dos mais consumados alinhamentos foi entre os clãs de Soares e o de Savimbi, cuja “vitalidade” sobreviveu ao fim do “apartheid” não por acaso: aproveitou o que de clandestino foi possível do Exercício Alcora na África do Sul, em Angola e no Zaíre de Mobutu para, entre inspectores da PIDE/DGS “refugiados” em Pretória e agentes saídos do colonialismo, criar os fundamentos do choque neoliberal, no âmbito da Iª Guerra Mundial Africana, ou seja, da “guerra dos diamantes de sangue” que, tão bem se aplicou a partir dos ganhos de Bicesse (31 de Maio de 1991).

Foi para isso que também serviu o general Charles Alan “Pop” Frazier, um dos estrategas do Exercício Alcora e um dos principais membros do Le Cercle na África do Sul (https://www.news24.com/Columnists/GuestColumn/declassified-apartheid-profits-le-cercle-the-phantom-profiteers-20171026).

É evidente que, desalojado o “perigo vermelho” do “Arco de Governação” em Portugal e com as transformações da superestrutura ideológica do estado angolano, a terapia neoliberal tinha todas as condições de ser alimentada depois desse choque, em múltiplos expedientes que se entrelaçaram: desde as parcerias público-privadas, até aos mais íntimos processos de “neo” assimilação.

O submarino republicano Paul Manafort, agora detido por mal parada correlação de forças sócio-políticas entre democratas e republicanos nos Estados Unidos (https://observador.pt/2018/06/15/ex-diretor-da-campanha-de-trump-paul-manafort-preso-enquanto-espera-julgamento/), em função dos resíduos das tensões com base nas campanhas presidenciais de Donad Trump e de“Killary” Clinton, bem pode evocar seus “bons ofícios”, “patrióticos” ofícios de pelo menos quatro décadas, por dentro das mais sensíveis nervuras republicanas, mas não pode escapar de ser uma pedra potencial a sacrificar, ou um trampolim para o sacrifício de outras mais (até para a aristocracia financeira mundial a coisa está difícil e o monstro parece começar a estar a devorar alguns dos seus mais dilectos filhos).

Se a visão protecionista do “excêntrico” republicano Donald Trump é uma anomalia para com um neoliberalismo que promoveu a hegemonia unipolar global a ponto de minar todos os emergentes agora despertos e bem vivos depois da lástima que foi uma travessia de deserto, as correntes que ganharam força ao serviço da aristocracia financeira mundial nas três últimas décadas parecem querer domar os excessos do seu próprio “efeito boomerang” próximas das articulações do poder em concorrência à Casa Branca.

3- A “residência na Terra” para estes fiéis servidores da cor do silêncio do império da hegemonia unipolar, está a ser atravancada e os fiéis servidores até parece que se vão acotovelando face à história e à “justiça”, no rescaldo dos seus tão “bons ofícios”!

À falta de espaço, sinais há que também vai faltando o oxigénio para alguns corredores de fundo, ainda que sejam submarinos, habituados a todo o tipo de escafandros e de meio ignotos, meio escondidos ancoradouros.

Em Portugal, alguns dos vínculos do submarino republicano têm vindo a espaços à tona da informação pública.


…“Os homens de Reagan, the best that money can buy.

Corria o ano de 1985 quando Paul Manafort pôs o pé pela primeira vez em Portugal. Na televisão passava a novela A Sucessora (ainda faltavam dois anos para Roque Santeiro) e nas rádios ouvia-se Dunas, dos GNR, enquanto o país recuperava de um resgate do FMI imposto por um governo de bloco central, liderado por Mário Soares.

O primeiro-ministro finalizaria também nesse mesmo ano a adesão de Portugal à CEE — como os próprios GNR tinham pedido em tempos –, e colocava em marcha a preparação da sua candidatura às presidenciais do ano seguinte, naquela que viria provavelmente a ser a campanha mais apaixonada de que há memória no nosso país.

Mas antes disso, ainda na primavera de 1985, Manafort chegaria a Lisboa com o objetivo de prestar assistência a essa candidatura presidencial de Mário Soares, segundo o relato de Rui Mateus, fundador do PS caído em desgraça.

O próprio Soares confirmaria mais tarde que Manafort, acompanhado do seu sócio Lee Atwater, esteve em São Bento e na sua casa de Nafarros. Mas os relatos dos dois homens diferem quanto ao grau de envolvimento dos consultores norte-americanos, como ambos se lhes referem.

Contactado pelo Observador, o próprio Paul Manafort declinou comentar o tema, através do seu assistente. No entanto, o seu antigo sócio Charles Black não teve problemas em confirmar que Manafort teve de facto uma ligação a Portugal: Fizemos trabalho de consultoria política para o partido do senhor Soares numa das vossas eleições, no passado, confirmou por e-mail o consultor que auxiliou as campanhas dos presidentes Ford, Reagan, Bush pai e Bush filho e que mais recentemente colaborou com John McCain na sua tentativa presidencial.

O Paul é que tratou de todo o trabalho, eu não estive envolvido. Por isso, não sei pormenores.

Mas vamos por partes.

O que dizem os relatos de Rui Mateus e de Mário Soares?

Mateus, fundador do PS e antigo colaborador de Soares, mais conhecido pelo seu envolvimento no caso do Fax de Macau, publicou em 1996 o polémico livro Contos Proibidos, onde colocava Soares em causa em vários episódios.

Nele, Mateus — cujo paradeiro atual é desconhecido –, refere várias vezes o nome de Manafort, frequentemente apelidado de homem do Reagan.

O primeiro episódio que escreve refere-se à chegada de Manafort na tal primavera de 1985, a propósito das eleições presidenciais:

[Soares] Dir-me-ia para falar com o Carlucci sobre a questão falada no Hotel Madison durante a visita oficial aos EUA, quando este lhe sugerira o recurso a apoio técnico de uma empresa especializada em eleições.

Carlucci, com quem aliás mantinha contactos regulares, dir-me-ia que sim, que se lembrava e que me iria pôr em contacto com uns homens do Reagan que eram the best that money can buy.

Lee Atwater telefonar-me-ia poucos dias depois e combinou-se organizar uma visita a Portugal para, em contacto com Soares, discutirem o assunto. 

Lee Atwater e Paul Manafort, dois dos proprietários da empresa de Relações Públicas Black, Manafort, Stone & Kelly chegariam a Lisboa num voo da TWA às 7h30 de domingo, dia 3 de Março. Na parte da tarde eu próprio os iria buscar ao hotel Meridien para depois os levar a uma longa conversa com Mário Soares, na sua casa de Nafarros.

O próprio Mário Soares confirmaria esta parte da história à jornalista Maria João Avillez, dizendo que a indicação dos dois nomes partiu de facto do antigo embaixador norte-americano Frank Carlucci:

É exacto, isso sim, que Carlucci me indicou dois nomes de americanos, com larga experiência nessas matérias, e que ele dizia serem grandes especialistas em impor a imagem dos candidatos…, confirmou o antigo Presidente.”
  
Continua

Martinho Júnior - Luanda, 16 de Junho de 2018

Imagens:
Há 40 anos Paul Manaford “estreou-se” com a administração republicana do Presidente Ford;
Paul Manafort com os Presidentes republicanos Ronald Reagan e George Bush (pai), impulsionando a globalização neoliberal;
Paul Manafort ao serviço da candidatura republicana de Donald Trump;
Acusação contra Paul Manafort;
Twitter de Donald Trump sobre a corrente situação do ancoramento do submarino.

SÃO JOÃO | Para não falar do Sporting

Afonso Camões | Jornal de Notícias | opinião

Ainda não se tinham alinhado as rusgas da Ponte, junto ao rio Este, nem as de Miragaia, sobre o Douro, e já o arraial de São João ia adiantado do outro lado do Mundo, oito fusos e muitas sardinhas à frente, em Macau, onde o mais popular dos nossos santos é também padroeiro e venerado, há 496 anos.

As crónicas daquele junho de 1622 falam em milagre. Estava Portugal sob domínio filipino e a "Cidade do nome de Deus, não há outra mais leal", era a única que nunca se renderia à coroa espanhola. Entre portugueses e chineses, a praça macaense permanecia, à época, parca de gente e de defesa, quando se deu o cerco que se arrastou por há vários dias. Seriam, por junto, uns 15 navios agressores, e desta vez eram holandeses. Em terra, apenas uns 200 homens mostravam competência mínima para se defenderem com armas, e a invasão já começara, com fraca resistência. Foi então que os do Monte da Guia, frades jesuítas, embicaram a canhoeira à frota inimiga e dispararam três bombardas. O milagre foi que uma delas acertou em cheio no navio-paiol, e terá sido tão brutal a explosão que os holandeses retiraram em debandada para não mais voltarem àquelas paragens.

Era a madrugada de 23 para 24 de junho, dia desse santo tão milagreiro quanto cosmopolita e vadio, que é tão do Porto quanto de Braga, Icaraí, Goa, Alcochete, Salvador, Aracaju, Maceió, São João da Madeira, Pernambuco, Olinda, Vila do Conde, Angra do Heroísmo e, desde então, também de Macau. Sim, a Igreja cristianizou uma festa que já antes o era. Viva o São João! Porque há milénios que, por todo o Mundo, o Homem festeja toda a noite o dia mais longo, quando o sol, no seu movimento aparente na esfera celeste, atinge a maior declinação em latitude, medida a partir da linha do equador. São os mistérios da luz e do fogo, do conhecimento - esses sim, motivo da festa.

* Diretor do JN

Foi São João no Porto, para o ano há mais, carago!


São João no Porto, dizem que é a noite mais longa da região nortenha de Portugal. O JN documenta a folia com fotografias espetaculares (vai ter de ir ver). Trazemos aqui umas quantas só para estimular o apetite dos que se interessarem.

Tripeiros e não tripeiros, turistas nacionais e de outras nacionalidades invadem as ruas da cidade do Porto e rumam às margens do rio Douro para ver o fogo de artificio que habitualmente é monumental, como pode ver aqui.


Os bailaricos, a folia, os comes e bebes, nada é razão para temer a ressaca do outro dia. Por esta hora há muitos foliões que estão "doentes", fechados em casa, quietinhos, a consumir àgua com gás, goronsans, aspirinas e olhos de ver pouca claridade. Tadinhos, lá têm de pagar a fatura dos excessos. Mas lá por isso acham mesmo que valeu o "incómodo" da noite mais longa do Porto, os festejos de São João.


São dezenas ou centenas de milhares de pessoas pelas ruas, com os martelinhos a substituir os alhos-porros e a dar com eles nas carolas dos que lhes dá na gana. É tradição que evoluiu para o plástico, coisa macia a destoar do rijo granito da cidade e das gentes do norte de Portugal. Os "bira-bento" é que parecem ter metido folga, ausentando-se do colorido da noite do santo popular adotado na última cidade que o Douro visita na sua correria para a foz.

Adeus. Para o ano há mais, carago!

PG | Fotos em Jornal de Notícias, autoria de Maria João Gala / Global Imagens

Bruno de Carvalho caiu em pé, interesses esconsos e o quarto poder destituíram-no


Bruno de Carvalho deixou de ser presidente do Sporting, foi destituído por votação de sócios na Assembleia Geral realizada ontem (23). Já se ouviu Bruno dizer que houve manipulação de resultados nos votos. Talvez. Nestas coisas de grupos de interesses nunca se sabe quem é detentor da verdade. Que existem grupos de interesses alheios aos do Sporting podemos acreditar. Assim como foi essa uma das vertentes que contribuiu para o derrube de BdC. Além disso existe o quarto poder (jornalismo), que não viu nem ouviu com bons olhos e ouvidos o então polémico presidente do centenário clube dos leões.

Quem quis foi testemunha de excessos dos que se dispuseram a montar cercos a Bruno de Carvalho. Verdade que ele se pôs a jeito com a sua frontalidade, não menos verdade foi que os resultados desportivos do Sporting foram um sucesso em várias modalidades nos cinco anos da presidência do acossado BdC.

Vários interesses pessoais e de grupo evidenciaram-se para derrubar o presidente leonino. Certamente que no futuro próximo teremos oportunidade de perceber exatamente isso. Depois, também a sinceridade e frontalidade de BdC, o seu espírito “guerreiro”, conduziu a pronunciar-se contra quase tudo e todos que o cercavam. Desses cercos também a comunicação social fez parte, o quarto poder. Se há coisa que certos jornalistas não toleram é apontarem os seus defeitos e falhas de profissionalismo, nem diretores, nem chefes de redação de jornais e outros órgãos do meio jornalístico. Muito menos os grupos donos da comunicação social. O quarto poder foi preponderante para desgastar e derrubar o presidente Bruno de Carvalho.

Outro qualquer, sem fibra, ter-se-ia demitido para não embarcar na “guerra” imbecil que lhe moveram, algumas vezes com golpes muito sujos. Mas esse não foi, nem é, o estilo de BdC, nem faz parte da sua personalidade. Foi corajoso, independentemente de ter perdido a “guerra” suja que lhe moveram e para onde ele se deixou arrastar de peito feito e a descoberto. Apesar disso tudo BdC caiu em pé e são outros os que agora se movimentam na lama dos bastidores em guerras sujas que provavelmente nem chegarão a ser perceptíveis à luz do dia.

Seguem-se dois títulos TSF sobre a destituição do presidente do Sporting Clube de Portugal. Vamos ver o que vem a seguir e até que grau de transparência se apresentarão os interesses esconsos dos que querem o Sporting para “mola real” de objetivos que serão alheios ao clube. Do modo como nestes últimos tempos contribuíram para arrastar o SCP na lama vê-se bem o que pretendem. E isso não vai ser bom futuro para o Sporting. (MM | PG)

Cartão vermelho. Bruno de Carvalho "expulso" com 71% dos votos

Os resultados finais foram conhecidos pouco depois da uma da manhã. Bruno de Carvalho não perdeu apenas uma batalha. Perdeu a guerra.

Foram 10 horas de uma das Assembleias Gerais mais concorridas de sempre no Sporting. Os sócios foram chamados a responder a uma pergunta simples: querem ou não destituir o presidente? A resposta foi categórica: mais de 71% dos votos foram pela destituição de Bruno de Carvalho. Pouco mais de 28% contra. A abstenção rondou os 0,5%.

No momento em que Jaime Marta Soares anunciou os resultados, Bruno de Carvalho estava na sala do Altice Arena. Os relatos que chegavam lá de dentro davam conta de que o ainda presidente do Sporting esteve várias horas sentado, sempre rodeado por um grupo de sócios.

Por volta da uma e vinte da manhã, Bruno de Carvalho abandonou o local da Assembleia Geral, num clima de alguma tensão e com um enorme aparato policial. O presidente destituído esteve sempre acompanhado por adeptos que, no caminho, foram insultando os jornalistas que estiveram a acompanhar os trabalhos.

Recorde-se que Bruno de Carvalho garantiu esta semana que, se perdesse esta Assembleia Geral, não regressaria ao Sporting e não voltaria a candidatar-se.

Anselmo Crespo | TSF

O amor acabou: "Hoje deixei de ser para sempre sócio e adepto deste Clube"

Numa mensagem deixada na rede social Facebook, Bruno de Carvalho diz sentir-se vitima de uma golpada e que não vai impugnar os resultados. Mas, adianta, Sporting nunca mais.

Bruno de Carvalho garante que, para ele, basta: acabou. Numa mensagem publicada no Facebook, o ex-presidente do Sporting escreve que já não sente amor pelo Sporting e deixa para sempre de ser sócio e adepto do clube porque se sente enganado, triste e desiludido.

Na mesma linha, anuncia que a carta de suspensão vitalícia de sócio vai seguir esta segunda-feira.

Neste adeus, assegura que não vai voltar às bancadas, não vai volta a vibrar com as vitórias, afinal "o sportingado era eu, pois era um sportinguista enganado", escreve.

Nesta publicação, Bruno de Carvalho escreve também que não há orgulho na obra feita, apesar de ter servido o Sporting o melhor que pode, sente que os cinco anos de dedicação foi tempo que lhe roubaram.

Afirma que não sente qualquer honra por ter estado numa instituição que o faz sair com o rótulo de criminoso e de mandante de ataques terroristas.

Aquele que passa à história como o primeiro presidente destituído do Sporting sublinha que o clube nunca deixou de ser um clube de viscondes, ilustres que considera inúteis mas que mandam realmente em Alvalade.

E avisa os associados: vão ser sempre fantoches dessa elite que defende apenas os próprios interesses.

Bruno de Carvalho deixa ainda palavras de agradecimento pelo carinho recebido e de desculpa aos sportinguistas por não ter tido mais força para expulsar quem não quer bem ao Clube.

Ana Cristina Henriques | TSF

A europa inclina-se para o vigor transcontinental e multipolar asiático


Martinho Júnior | Luanda  

1- Terminou em Qingdao, na República Popular da China, a XVIIIª Cimeira da Organização para a Cooperação de Shanghai, que reforça os parâmetros geoestratégicos do “Road and Belt”, a nova Rota da Seda que unirá a transversal transcontinental entre a costa do Pacífico e a costa atlântica.

A sublinhar essa Cimeira: a Índia e o Paquistão juntaram-se como membros de pleno direito, o que desde logo valoriza as potencialidades da emergência transcontinental a leste e sul, fortalecendo a integração articulada que abrange também e desde logo as questões que se prendem à segurança.

Uma vez mais, são os mais poderosos países asiáticos decisivos na formulação dos primeiros passos dessa geoestratégia, numa articulação multipolar de interesses de toda a ordem que não se esgotam nem a leste nem a sul, mas aguardam que a Europa, a oeste, acorde de vez perante um vigor transcontinental que pode começar a ser incontornável.

Para a Organização para a Cooperação de Shanghai, está já aberta a porta do Irão, que é membro observador!...

A XVIIIª Cimeira ocorreu precisamente ao mesmo tempo que a reunião do “G7”, ora abruptamente terminada com um insofismável isolamento dos Estados Unidos que, perseguindo a retórica do “the americans first”, começam a ficar sós na sua prática protecionista identificada com os instrumentos dum império de hegemonia unipolar que, de tão obsoleto e ridículo que já se manifesta, já não leva a saída alguma como manancial indispensável aos desafios que se colocam em pleno século XXI e isso apesar de sua poderosa (mas relativamente decadente) capacidade militar...

A incoerência dos desajustes “niilistas” que se vão acumulando está de facto a desembocar num isolamento que se reflecte no espectro do petrodólar de papel perante outras “moedas fortes” como o euro e o yuan, respaldadas por reservas de ouro e capazes de pôr em causa as políticas dominantes de valores e preços…

Do lado da hegemonia unipolar os vassalos percebem que o divisionismo acompanha o caos, o terrorismo e a desagregação e o poder militar pode-se tornar num mito de mau agoiro quando a vigilância é tão apertada e ainda que estejam tão amarrados à NATO… do lado do multipolarismo, a busca de consensos motivam os emergentes que conduzem a processos de integração articulada, particularmente nos grandes projectos estruturantes transcontinentais e transoceânicos.

Assim a própria União Europeia assiste a um intestino mosaico que vai desde os “russo-fóbicos” de ultradireita na Ucrânia, na Polónia, ou nas Repúblicas Bálticas, a euro-cépticos nacionalistas que se aproximam da Rússia, a moderados que, se continuam a perfilhar a vassalagem na NATO, também não escondem sua deriva económica e financeira e seus interesses na direcção leste!


2- Um dos primeiros “experimentos”, no sentido dos países da Europa começarem a integrar o vigor dos “belt and road” adoptados desde logo pela Organização para a Cooperação de Shanghai, está a ser o Nord Stream 2 (em reforço do Nord Stream 1, inaugurado a 8 de Novembro de 2011), sujeito a múltiplas pressões e manobras (https://www.nord-stream2.com/project/facts-myths/#nord-stream-operated-at-93-percent-of-delivery-capacity-in-2017).

Os Estados Unidos, por via de dois conhecidos falcões (John McCain e Marco Rubio), ou por outras vias, arrastando vassalos como a Polónia, os países Bálticos e a Ucrânia, têm providenciado o rol dos argumentos contra, sem poderem apresentar alternativa ao nível do projecto russo-alemão: o gaz liquefeito dos Estados Unidos está longe de ser um concorrente competitivo, quer em função de sua natureza, quer em função dos custos de transporte e manuseamento…

Por outro lado, nenhum outro projecto garante melhores medidas de segurança, conforme é aqui reconhecido (https://iakal.wordpress.com/2015/09/13/the-great-advantage-of-the-nord-stream-and-the-jihadists/):

“The Great Advantage of the Russo-German Pipelines and the Jihadists

The Russo-German pipelines i.e. Nord Stream and Nord Stream 2, have an advantage that no other European gas pipeline has. They are very safe. As you can see at the following map, from the 7 choices that Europe has at her disposal when it comes to natural gas pipelines, the Russo-German pipelines are by far the safest ones”…

Com as medidas protecionistas em curso, a hipótese dos Estados Unidos venderem gaz liquefeito à Europa fica ainda mais ténue, até por que a insegurança dos seus meios é incomparável.

É evidente que vários consórcios e operadoras europeias se incorporaram nos dois projectos com múltiplos investimentos e múltiplas tecnologias, inclusive justificados meios de vigilância e protecção, numa lista que vai em crescendo e isso de tal modo que os estados europeus intervenientes, são chamados a providenciar a exequibilidade e a defesa dos dois Nord Stream como uma causa inerente à sobrevivência dos seus interesses a muito longo prazo.

Por essa razão o contencioso da controvérsia entre os Estados Unidos e países europeus como a Alemanha, a França, a Finlândia, a Suécia e a Dinamarca cresceu, com o Nord Stream a tornar-se num precedente que esteve subjacente ao niilismo da reunião do G-7 no Canadá, um niilismo agravado pelos pressupostos das medidas comerciais protecccionistas impostas pela administração de Donald Trump ao próprio Canadá!

Os Estados Unidos já nem com seus vizinhos conseguem articular interesses: a sul, com o México, um muro intransponível a pessoas continua a ser erguido em toda a extensão da fronteira, ao mesmo tempo que medidas contra a migração se vão avolumando…


3- Enquanto o quadro do império da hegemonia unipolar no âmbito do G-7, sob o ponto de vista económico, comercial e financeiro, promove insustentáveis pressões e divisões internas, insuportáveis até pelas cargas acrescidas sobre os sistemas de vassalagem, ainda que aparentemente a NATO se mantenha no mesmo pé de sempre, a integração articulada em consensos que se desenvolve de forma segura com a Organização para a Cooperação de Shanghai, começa por ser incontornável nas iniciativas energéticas russas em direcção ao ocidente, como um factor persuasivo de ordem geoestratégica.

Esse tipo de vínculos além da geoestratégia que percorre de leste a oeste o Mar Báltico (desde Vyborg, na Rússia, a Greifswald, na Alemanha), está em simultâneo a ser desenvolvido a sul com outros componentes que incluem alguns membros da NATO (Mar Negro), pelo que a Turquia começa também a sentir-se, nos seus interesses, mais “confortável” ao começar a acolher as brisas que sopram do leste.

Vários analistas estão em sintonia ao verificarem a depressão do G-7 e a emergência da Organização para a Cooperação de Shanghai, comprovando com a estatística evolutiva das tendências, que se reflecte nas capacidades das moedas, tal como observa a muito atenta Misíon Verdad, da Venezuela (http://misionverdad.com/trama-global/adios-al-dolar-o-la-verdad-detras-del-g7):

“Petróleo, dólares y yuanes: una disputa.

Era 1974. El petrodólar nació mediante un acuerdo realizado por el entonces secretario de Estado gringo, Henry Kissinger, y la monarquía que gobierna Arabia Saudí, con el que pactaron que el dólar fuese la única moneda usada en el comercio del producto más importante del planeta, el petróleo, generando la necesidad de contar con dólares para transar energía, a cambio de "seguridad" frente a los otros poderes regionales como Irán y, en su momento, Irak.

Debido a que el dólar es papel impreso, sin ningún sustento, por la Reserva Federal estadounidense, absorbe el valor de lo que comercian sus compradores. En este caso, las transacciones de petróleo por dólares convierten a la moneda norteamericana en un hegemón difícil de evadir, sobre todo si no existen alternativas nominales de compra.

En ese contexto entra China, que en 2017 decidió lanzar el primer contrato de futuros de petróleo denominado en yuanes, que se dio en marzo de 2018. El gigante asiático es el mayor importador de petróleo del mundo, y la energía será vital para motorizar su gran proyecto comercial de la Iniciativa del Cinturón y la Franja.

Además, los contratos de futuros de petróleo en yuanes son convertibles al oro, mineral que ha servido históricamente como referencia de sustento al valor de las monedas. Sería regresar a un pacto del que Estados Unidos se retiró hace más de 40 años, y del que parece no quiere regresar.

Esta estrategia concibe al yuan como una moneda de referencia, ahora reconocida como de reserva según el Fondo Monetario Internacional, y supone un declive para el petrodólar. Se trata de la apertura de un mercado en el que no se use la divisa estadunidense, por lo que habría menos compradores (como de hecho se registró en abril, en el que bajó el precio de la divisa estadounidense debido a los aranceles impuestos por China a productos fabricados en Estados Unidos), menos confianza en esa divisa, y mayor control de los chinos en el precio de los mercados energéticos.

En definitiva, China disputa a Estados Unidos el mercado financiero en todas sus variantes incentivando el uso del yuan en diferentes instancias comerciales. El petroyuan sería el primer experimento para seguir avanzando en ese sentido. Pero el G7 ni toma en cuenta esta realidad, sino que trata ajustar la suya al resto del planeta”…

A União Europeia bem pode avaliar a similitude e o sincronismo da pressão que os 6 estão a sofrer do +1 (conforme a ocorrência do último G-7), com a pressão sistematizada contra Cuba e a Venezuela no outro lado do Atlântico…


4- A Venezuela Socialista e Bolivariana, apesar das anomalias físico-geográficas que se revelam na distância em relação ao vigor daOrganização para a Cooperação de Shanghai, tem estado em sintonia com a ascensão da emergência multipolar, avaliando como poucos as telúricas tensões na economia e nas finanças globais, até por que uma das componentes da pressão dos Estados Unidos é uma ampla agressão económica que procura influir nos factores sócio-políticos do país, em socorro das “tradicionais” oligarquias agenciadas, que debalde têm esperado o seu turno…

O chanceler venezuelano Jorge Arreaza, revelou esta semana, no seguimento do fecho das reuniões do G-7 e da Organização para a Cooperação de Shanghai (http://www.cubadebate.cu/noticias/2018/06/17/arreaza-estamos-logrando-romper-con-el-bloqueo-descarado-del-imperialismo-norteamericano/#boletin20180617):

“El canciller de Venezuela, Jorge Arreaza, afirmó que el país sudamericano está logrando romper el bloqueo descarado impuesto por Estados Unidos, a través de las alianzas con India, China, Rusia y Turquía.

Nosotros en este momento estamos logrando romper con el bloqueo descarado del imperialismo norteamericano contra Venezuela a través de esos actores (países), dijo Arreaza en una entrevista grabada y transmitida hoy por el canal privado Televen.

Aseguró que las alianzas que sostiene con China, país al que Venezuela otorga petróleo a cambio de financiamiento, se han traducido en viviendas, tecnologías, salud para el pueblo venezolano e infraestructura para los servicios públicos.”

É sintomático o caso da resistência venezuelana à agressão desencadeada pelo império da hegemonia unipolar contra si e contra as organizações progressistas da América Latina como a ALBA, ou a UNASUR, assim como é sintomático o desespero de causa dos Estados Unidos que chegaram ao ponto de providenciar que a Colômbia venha a fazer parte da NATO (pelos vistos já não chega o papel do Comando Sul).

Outro sinal de desespero de causa é a decisão de fazer passar a Nicarágua Sandinista por uma avassaladora crise, do mesmíssimo género do já experimentado pelas Honduras e pela própria Venezuela, no momento em que a sua situação económica vivia uma maior pujança e se está a levar a cabo a construção dum canal alternativo ao do Panamá (https://www.telesurtv.net/bloggers/Nicaragua-en-la-mira-20180426-0003.html)…

A Venezuela além de incorporar uma das maiores reservas de petróleo do globo, detém riquezas naturais e biodiversidade, tendo-se decidido a definir e projectar o Arco do Orinoco (http://www.radiomundial.com.ve/article/150-empresas-de-35-pa%C3%ADses-invertir%C3%A1n-en-el-arco-minero-del-orinoco) que, entre as muitas iniciativas em curso, sustenta em ouro o fortalecimento das reservas do Banco Central.

Em breve o Bolivar será o Bolivar Soberano (https://www.telesurtv.net/news/banco-central-venezuela-cono-monetario-20180608-0002.html) e enquanto tal não acontece, a cripto-moeda Petro permite um outro desafogo em direcção às articulações emergentes, face às sanções e ao bloqueio.

O império da hegemonia unipolar indicia que deixou de ser exequível nos termos em que ele se vem manifestando desde a IIª Guerra Mundial, mas os Estados Unidos estão ainda muito longe de abandonarem de vez o envenenado modelo que a aristocracia financeira mundial tem, à força, feito persistir.

Para os estados, as nações e os povos de todo o mundo, face ao monstro, a palavra de ordem além de resistir, é emergir e emergir de forma a criar integrações articuladas, fortalecendo os mananciais económicos, financeiros, estruturais e de segurança das independências e das soberanias, mas também das regiões e dos continentes: está-se em plena viragem, com todos os desafios, crises e riscos que isso implica, mas das cinzas do caos, do terrorismo, das divisões e da desagregação, apesar da asfixia dos meios de vigilância e das 800 bases militares que o império da hegemonia unipolar disseminou engenhosamente pelo globo, nas próximas décadas, ao virar da esquina histórica, a emergência fará irreversivelmente com que outro mundo seja possível!

Martinho Júnior - Luanda, 19 de Junho de 2018

Imagens:
O G-7 que se tornou no G-6+1;
A XVIIIª Cimeira da Organização para a Cooperação de Shanghai;
As duas telúricas linhas de força que atraem a Europa, ligando o Pacífico ao Atlântico;
Mapa elucidativo do espaço físico-geográfico da Organização para a Cooperação de Shanghai;
Na Venezuela há um projecto anti-imperialista, resistente e soberano, não tão “desgarrado” quanto se possa supor.

Metais sexy: peça que faltava no quebra-cabeça coreano


Pepe Escobar, Asia Times*

Talvez, afinal, nem se trate de condomínios de luxo nas praias norte-coreanas. Tudo sugere que o xis da questão no abraço que o governo Trump oferece a Kim Jong-un tenha tudo a ver com um dos maiores depósitos de terras raras (ing. rare earth elements, REEs) do mundo, a apenas 150km ao norte de Pyongyang que vale, parece, vários bilhões de EUA-dólares.

Todos os implementos da vida movida a tecnologia do século21 dependem das propriedades químicas e físicas de 17 elementos preciosos da Tabela Periódica, conhecidos como (ing.) REEs.

Atualmente, acredita-se que a China controle mais de 95% da produção global de terras raras , com depósitos estimados em 55 milhões de toneladas. A República Popular Democrática da Coreia, por sua vez, tem pelo menos 20 milhões de toneladas.

Elementos classificados como terras raras não são os únicos metais e minerais altamente estratégicos nesse jogo de poder. Os mesmos depósitos são fontes de tungstênio, zircônio, titânio, háfnio, rênio e molibdênio; todos absolutamente críticos não só para incontáveis outras aplicações militares, mas também usados em armas atômicas.

A metalurgia de terras raras também é essencial para os sistemas de armas de EUA, Rússia e China. O sistema THAAD precisa de elementos de terras raras, assim como os sistemas de mísseis de defesa S-400 e S-500 russos.

Não é exagero pensar em A Arte da Negociação aplicada a elementos de terras raras. Se os EUA não pensarem em algum modo de realmente passar a perna na República Popular Democrática da Coreia para abocanhar recursos de terras raras supostos muito abundantes, o vencedor, mais uma vez, pode ser Pequim. E também Moscou, se se considera a parceria estratégica Rússia-China, hoje já explícita, assumida e reconhecida publicamente.

Todo o quebra-cabeça pode estar girando em torno de quem ofereça melhor retorno sobre investimentos; não em propriedade imobiliária, mas em sexy metal, com o governo de Pyongyang potencialmente na iminência de amealhar fortuna imensa.

Pequim conseguirá cobrir uma possível proposta dos norte-americanos? Esse pode ter sido tópico chave na discussão durante o terceiro encontro, há poucas semanas, entre Kim Jong-un e o presidente Xi Jinping, exatamente quando todo o tabuleiro de xadrez geopolítico está posto na balança.

Quem disse que metais não são sexy?

O pesquisador Marc Sills, em artigo intitulado Strategic Materials Crises and Great Power Conflicts [Crise dos materiais estratégicos e conflitos das grandes potências], diz: “Conflito em torno de materiais estratégicos é inevitável. Os dramas se desenrolarão provavelmente em nas ou próximos das minas, ou ao longo das linhas de transporte pelas quais tenham de transitar os materiais, e especialmente nos gargalos estratégicos do mundo que os militares dos EUA deram-se hoje, de modo geral, a tarefa de controlar. Mais uma vez a equação do poder é escrita de modo a incluir o controle da posse e a capacidade para negar a posse a outros.”

Aplica-se, por exemplo, ao quebra-cabeças na Ucrânia. A Rússia carece muitíssimo do titânio, do zircônio e do háfnio ucranianos para seu complexo industrial-militar.

No início desse ano, pesquisadores japoneses descobriram um depósito de 16 milhões de elementos de terras raras (menos do que há nas reservas norte-coreanas) abaixo do leito do Pacífico Ocidental. Mas é pouco provável que altere a proeminência da China – nem potencialmente da RPDC. A chave em todo o processamento de terras raras é conceber e construir uma cadeia lucrativa de produção, como fizeram os chineses. E isso demanda muito tempo.

Artigos detalhados, como China’s Rare Earth Elements Industry [Indústria chinesa de elementos de terras raras], de Cindy Hurst (2010), publicado pelo Institute for the Analysis of Global Security (IAGS), ou Rare Earth in Selected US Defense Applications [Terras raras em aplicações selecionadas na Defesa dos EUA], de James Hedrick, apresentado no 40º Fórum sobre a Geologia de Minérios Industriais em 2004, mapeiam de modo convincente todas essas conexões.

Sills destaca o modo como, contudo, minérios e metais parecem atrair atenções só das publicações de comércio de mineração: “E isso parece explicar em parte o motivo pelo qual a disputa em torno dos REEs na Coreia conseguiu passar despercebido. Metais não são sexy. Mas armas, sim.”

Metais são, sim, muito sexy, com certeza, para o secretário de Estado Mike Pompeo dos EUA. É muito esclarecedor relembrar o modo como Pompeo, então ainda diretor da CIA, disse a uma Comissão do Senado, em maio de 2017 o quanto o controle estrangeiro sobre elementos de terras raras era “preocupação muito concreta.”

Rode a fita adiante até um ano depois, quando Pompeo, assumindo o Departamento de Estado, enfatizou que recuperaria nova “swagger” [aprox., “uma nova ginga/uma nova manha” (?)], na política exterior nos EUA.

E avance a fita outra vez, até há poucas semanas, com a nova ginga/manha de Pompeo já aplicada às reuniões com Kim Jong-un.

Bem distante de viradas na trama ao estilo de Netflix, uma narrativa bastante possível é Pompeo tentar impressionar Kim com a beleza de um acordo bem lindo e doce, negociado com os EUA, para elementos de terras raras. Mas China e Rússia têm de ser contidas e mantidas à distância. Não é difícil prever que Xi compreenderá rapidamente as implicações.

A RPDC – essa mistura única de Turcomenistão e Romênia pós-URSS – pode estar a um passo de ser integrada numa vasta cadeia de suprimento via uma Rota da Seda de Ferro, com a parceria estratégica Rússia-China investindo ao mesmo tempo em ferrovias, oleodutos, gasodutos e portos paralelos às Zonas Econômicas Especiais [ing. special economic zones (SEZs)] norte-coreanas, que vêm aí, ao estilo chinês.

Como revelou o vice-presidente da Gazprom Vitaly Markelov: “O lado sul-coreano pediu à Gazprom” que reponha em andamento um projeto chave – um gasoduto que passa pela Coreia do Norte, um cordão umbilical entre a Coreia do Sul e a terra continental eurasiana.

Desde discussões chaves na Cúpula do Extremo Leste da Rússia em Vladivostok em setembro de 2017, o mapa do caminho está definido para que Coreia do Sul, China e Rússia conectem a RPDC ao processo de integração da Eurásia, desenvolvendo a agricultura e o poder hídrico e – crucialmente importante – a riqueza mineral.

Por mais que talvez o governo Trump esteja chegando atrasado ao jogo, é impensável que Washington desista de uma parte da (metal)ação.

Publicado em Oriente Mídia | Traduzido por Vila Vudu

CHINA | Taiwan pode perder mais “parceiros”, defendem especialistas


Mais países podem cortar relações com Taiwan se a líder da ilha, Tsai Ing-wen, continuar se recusando a reconhecer o princípio de uma só China, defendem especialistas da parte continental da China.

A China e Burkina Faso retomaram as relações diplomáticas no sábado, após o país da África Ocidental cortar as relações com Taiwan na quinta-feira. O número de países com os chamados “laços diplomáticos” com a ilha reduziu para 18.

Burkina Faso é o quarto país a cortar relações com a ilha desde que Tsai, líder do partido pró-independência, o Partido Progressista Democrático, assumiu o cargo em maio de 2016. Trata-se do segundo país a se afastar da ilha neste mês, seguindo a República Dominicana.

Em uma coletiva de imprensa realizada no sábado, o chanceler chinês Wang Yi disse que a retomada dos laços entre a China e Burkina Faso significou um passo em direção ao objetivo de incluir todos os países africanos na grande família de cooperação amistosa sino-africana.

"Apenas um país africano não estabeleceu relações diplomáticas com a China e esperamos sinceramente que este país se junte à família de amizade China-África em breve", disse Wang.

Liu Xiangping, professor de estudos de Taiwan na Universidade de Nanjing, disse que a parte continental da China tem uma influência muito maior em política, economia, cultura e questões militares do que Taiwan, então é razoável que os países adotem a sua postura em relação à ilha.

"A China é agora uma das principais forças para promover o desenvolvimento econômico mundial. Vários países estão dispostos a seguir o caminho do desenvolvimento e a sua vontade de cortar relações com Taiwan se tornou mais forte", disse Liu.

Zhu Songling, professor do Instituto de Estudos de Taiwan da Universidade da União de Beijing, disse que a consistente recusa de Tsai para reconhecer o Consenso de 1992, que incorpora o princípio de uma só China, prejudicou as relações entre os dois lados do estreito de Taiwan e levou Beijing a considerar relações mais estreitas com aqueles que apoiaram a ilha.

Zhu acrescentou que a recusa de aceitar o Consenso de 1992 prejudicou a fundação política comum e o desenvolvimento pacífico das relações entre os dois lados do Estreito.

Liu, da Universidade de Nanjing, indicou que quando o ex-líder de Taiwan, Ma Ying-jeou, estava no poder entre 2008 e 2016, o partido Kuomintang, que governava naquela altura, reconheceu o Consenso de 1992 e manteve relações pacíficas entre os dois lados do Estreito. Durante esse período, a parte continental da China recusou muitos pedidos de outros países para estabelecer laços diplomáticos, disse ele.

Recentemente, a administração de Taiwan dificultou ainda mais a comunicação entre os dois lados após rejeitar a participação de oficiais de alto nível do partido KMT no Fórum através do Estreito em Xiamen, na província de Fujian - uma plataforma não-política destinada a melhorar a interação pessoal, intercâmbios econômicos e integração cultural.

Tais ações prejudicaram ainda mais as relações entre os dois lados do Estreito, e podem empurrar mais "parceiros diplomáticos" da ilha para a parte continental da China, disseram os especialistas. 

Diário do Povo pt| Web editor: Chen Ying, editor

Cerca de 100 treinadores portugueses apostam no 'sonho chinês' para o futebol


Pequim, 23 jun (Lusa) - Nascido em Arganil, distrito de Coimbra, Gonçalo Figueira é treinador de futebol em duas escolas públicas de Pequim, parte de uma vaga de técnicos portugueses que rumou à China, atraídos pelo 'sonho chinês' para a modalidade.

"Como ganhámos o campeonato europeu, a China olha hoje para nós como uma grande potência do futebol", explica Figueira, 31 anos. "Isso valoriza o treinador português", diz.

De acordo com a contagem da agência Lusa, quase 100 treinadores portugueses de futebol vivem hoje no país asiático, desde a província de Jilin, na fronteira com a Coreia do Norte, à ilha tropical de Hainan, no extremo sul do país.

Alguns são contratados por clubes e outros estão integrados no sistema de ensino público, que incluiu em 2015 a modalidade no desporto escolar, parte de um "plano de reforma do futebol" decretado pelo governo, visando elevar a seleção chinesa ao estatuto de grande potência.

País mais populoso do mundo, com quase 1.400 milhões de habitantes - mais do dobro de toda a União Europeia -, a China ocupa o 75.º lugar do 'ranking' da FIFA, atrás de Cabo Verde, Burkina Faso e muitas outras pequenas nações em vias de desenvolvimento. A única participação do país asiático num mundial foi em 2002.

O 'sonho chinês' para o futebol, anunciado pelo presidente Xi Jinping, passa por três etapas: qualificar-se para a fase final do mundial, organizar um mundial e vencê-lo, em meados deste século.

O ensino público assume especial importância na formação de jogadores de futebol na China, onde existem pouco mais de 100 clubes - só no distrito do Porto, por exemplo, há cerca de 450.

Para Chen Tao, responsável pelo departamento de educação física de uma das duas escolas onde Gonçalo Figueira leciona, o "mais importante" agora é "fazer com que os miúdos gostem de futebol".

"No futuro, o plano é dar aos melhores na modalidade acesso privilegiado a escolas de topo", como forma de "motivar" os atletas, revela.

O poder financeiro do país asiático, a segunda maior economia mundial, garante que técnicos portugueses continuarão a rumar ao país.

"A nível monetário sem dúvida que compensa", afirma Figueira, que tem um mestrado em treino desportivo especializado em futebol, pela Faculdade de Motricidade Humana, e chegou a Pequim em abril de 2017.

"Eu não acredito que hajam treinadores a ganhar tanto como eu na II liga [portuguesa]", acrescenta. "E eu trabalho com escolas e eles com equipas profissionais".

Só a academia de futebol do Shandong Luneng, uma das mais prestigiadas da China, que acolhe 300 jovens futebolistas, e inclui 36 campos relvados, escola, restaurantes e hospital, conta com oito portugueses nos quadros. O coordenador técnico é o antigo diretor técnico da Federação Portuguesa de Futebol Francisco Silveira Ramos.

Já na Superliga chinesa competem os treinadores portugueses Paulo Bento (Chongqing Dangdai Lifan), Vítor Pereira (Shanghai SIPG) e Paulo Sousa (Tianjian Quanjian), enquanto no Mundial da Rússia, pela primeira vez, a seleção portuguesa inclui um jogador que compete na China: José Fonte, do Dalian Yifang, titular contra Espanha e Marrocos.

Poucos meses após chegar à capital chinesa, Gonçalo Figueira ganhou o campeonato do distrito de Haidian (norte de Pequim) com uma das suas escolas, numa conquista inédita para aquele estabelecimento de ensino.

"Usámos métodos que os miúdos não estavam habituados e isso notou-se: houve uma evolução clara na tática e posicionamento", descreve.

"Para eles, futebol era ir atrás da bola", conta. "Não tinham noção do que é jogar sem bola, ou correr só o necessário".

JPI // VR

Macau | Visão unilateral de novo manual de história pode limitar pensamento crítico dos alunos


O PONTO FINAL teve acesso aos novos manuais escolares da disciplina de História encomendados pela DSEJ a uma editora estatal e consultou professores e historiadores sobre os conteúdos. Alguns professores receiam que a visão incompleta da história proposta pelos manuais possa limitar o pensamento crítico dos alunos. A este jornal, a Associação de História Educação de Macau apontou um desajustamento dos termos em relação ao vocabulário local. O deputado Sulu Sou sugere uma revisão dos manuais e a historiadora Tereza Sena defende uma contextualização e inclusão de “visões comparativas”.

Cláudia Aranda e Margarida Pun | Ponto Final

Os novos manuais escolares da disciplina de História encomendados pela Direcção dos Serviços de Educação e Juventude (DSEJ) à editora oficial estabelecida em Pequim, People’s Education Press, continuam a suscitar críticas entre professores e historiadores locais. Os especialistas chineses e a historiadora portuguesa contactados pelo PONTO FINAL consideram que os manuais, além de apresentarem uma visão fragmentária e descontextualizada da história relativamente não só à passagem dos portugueses por Macau, mas também à história da China, também falham no ajustamento dos termos ao vocabulário local. A escolha da editora oficial estatal para elaborar os materiais didácticos também é questionada. Este é o primeiro manual escolar que contém referências à história de Macau encomendado pela DSEJ para apoiar as escolas na concretização da reforma curricular.

Os referidos manuais destinam-se a serem usados pelos alunos dos 7º e 10º anos, no próximo ano lectivo de 2018/2019, com início em Setembro, sendo esta uma versão preliminar que foi distribuída por 43 escolas secundárias, em língua veicular chinesa, para que analisem os materiais. Segundo a DSEJ, 18 estabelecimentos do ensino secundário geral (40%) e 21 do ensino secundário complementar (50%) já manifestaram interesse em adoptar a versão experimental dos materiais didácticos no próximo ano lectivo.

Manuais não expõem “o todo”

A polémica foi levantada no início do mês, a 4 de Junho, quando o deputado com mandato suspenso, Sulu Sou, publicou nas redes sociais um comentário referindo-se à omissão na China sobre o massacre de Tiananmen, acontecimento que também não é mencionado nos novos manuais escolares, pelo que o deputado considerava-os “incompletos”. Ao PONTO FINAL, Sulu Sou destacou que os manuais não expõem “o todo”, mas apenas uma parte da história. Outro dos exemplos referidos é a associação da presença dos portugueses em Macau no século XVI a práticas de contrabando, pirataria e corrupção, sem que haja uma contextualização (ver caixa). No entender do deputado, o Governo deveria devolver os manuais à equipa que redigiu os textos, envolver mais historiadores e especialistas para que façam uma revisão e identifiquem as partes em falta, de maneira a oferecer-se aos alunos “uma visão completa” da história.

“Sofrimento dos civis” é esquecido

Um dos professores de ensino secundário consultados pelo PONTO FINAL questionou a opção do Governo da RAEM pela editora estatal, que funciona sob a tutela directa do Ministério da Educação chinês. “Macau é uma região administrativa especial, integrada no sistema ‘Um País, Dois Sistemas’, deve haver opções para os cidadãos de Macau e de Hong Kong escolheram quem é que vai editar o manual”, afirma o antigo director de uma escola chinesa privada local, formado em pedagogia e com mais de 30 anos de carreira, actual funcionário de uma universidade privada, que preferiu não ser identificado com receio de retaliações no momento da renovação do próximo contrato. “A meu ver, um livro de história que é elaborado pela editora oficial tem como objectivos promover a educação patriótica e tentar não escrever algumas partes da história”, destaca, acrescentando que, enquanto professor, está preocupado com a possibilidade da “disciplina de história se tornar numa missão política”, contribuindo para que os estudantes deixem de ter pensamento crítico.
         
O pedagogo prossegue afirmando que os manuais em questão destacam “as conquistas políticas dos imperadores de cada dinastia, mas não escrevem muito sobre o sofrimento dos civis”. Além disso, partes da história moderna e contemporânea, incluídas no manual do 10º ano, foram omitidas, alega o pedagogo. “Tanto a Revolução Cultural, como o Grande Salto em Frente, não são descritos de forma autêntica. A revolução cultural é descrita como um período duro, mas sem indicar o número de mortos. Aliás, o manual não menciona o protesto na Praça Tiananmen”, afirma.

Eterno tabu: o 4 de Junho

Segundo o antigo director de escola, os estabelecimentos de ensino de Macau utilizam normalmente livros elaborados por editoras de Hong Kong, sendo que, entre estas, algumas incluem nos seus conteúdos o 4 de Junho de 1989, dia em que o exército chinês carregou sobre o movimento estudantil pró-democracia iniciado mais de um mês antes. O número exacto de mortos nunca foi revelado oficialmente.

Em Macau, “especialmente as escolas privadas dão liberdade aos professores para adicionar ou reduzir conteúdos históricos. De facto, as escolas patrióticas não ensinam o 4 de Junho, mas as escolas privadas, católicas ou cristãs sim”, adianta o professor, adicionando que, nos últimos anos, muitas “escolas patrióticas” abandonaram os manuais de Hong Kong para passarem a usar livros da China, nomeadamente da Universidade de Jinan.

No entender de um outro professor, que lecciona a disciplina de História, entrevistado pelo PONTO FINAL e que também não quis ser identificado, o novo manual “não corresponde às necessidades de ensino”. Segundo o docente, que lecciona há mais de 10 anos, e que, actualmente, ensina numa escola chinesa localizada na parte norte da cidade, “algumas palavras não são usadas de forma ajustada, o conteúdo é incompleto, os professores têm de complementar muitas matérias para o conteúdo ser global”. O professor entende que “falta incluir no manual as contribuições de historiadores”, de maneira a adicionar pontos de vista diferentes. Na história de Macau, o docente sugere inclusão de “características locais, desenvolvimento da cultura diversificada, as relações com a China e o mundo, porque Macau teve um papel no intercâmbio entre o mundo Oriental e Ocidental por um longo período”, afirma.

Introdução de história de Macau “é um avanço”

Na sua resposta ao PONTO FINAL, a DSEJ explica que em 2017 incumbiu a elaboração dos manuais, à “People’s Education Press”, que é uma “editora profissional e com experiência na elaboração e publicação de materiais didácticos de História”, de compor uma equipa para iniciar o trabalho de elaboração dos materiais didácticos, de acordo com o ‘Quadro da organização curricular da educação regular do regime escolar local’ e as ‘Exigências das competências académicas básicas’”. Em simultâneo, “o grupo de apreciação organizado pela DSEJ e composto por historiadores e pessoal docente de História locais contribuiu com opiniões profissionais em termos de estrutura, estilo, conteúdo, redacção e formatação de texto, entre outros aspectos”. A DSEJ prevê que no ano lectivo de 2019/2020 os materiais didácticos sejam alargados a outros níveis do ensino secundário.

Lam Fat Iam, director executivo do Centro de Estudos das Culturas Sino-Ocidentais do Instituto Politécnico de Macau e presidente da Associação de História Educação de Macau, disse ao PONTO FINAL que a associação a que preside foi solicitada pela DSEJ a colaborar na elaboração dos manuais. Lam Fat Iam entende que “o conteúdo dos manuais cumpre as exigências das competências académicas básicas”, apesar de reconhecer que ainda são reduzidas as referências a Macau. Apesar de tudo, houve um avanço, no entender da associação, que luta desde há anos pela inclusão da história de Macau nos currículos escolares. “No início, quando estabelecemos as exigências, discutimos amplamente a proporção, de maneira a haver um equilíbrio entre história do mundo, história da China e história de Macau. A proporção da história de Macau na organização curricular não é muita, mas houve um grande avanço, porque antigamente não havia história de Macau”, explicou. Segundo o investigador, os manuais abordam sobretudo os “últimos 400 ou 500 anos de história de Macau”.

Para Lam Fat Iam, a opção por uma editora estatal justifica-se porque “Macau não tem uma editora local para redigir manuais escolares, por isso, as escolas usam os manuais de editoras de outras regiões. A DSEJ ou algumas escolas já encomendaram a editoras a elaboração de manuais. Este não é um caso especial”. Na opinião do investigador, a editora à qual foram encomendados os manuais “é a mais profissional na educação na China continental”. No entanto, destaca, “o mais importante é melhorar os manuais através das opiniões de investigadores locais”.

Vocabulário desajustado

Para Cyrus Ao Ieong, vice-presidente da Associação de História Educação de Macau e professor de História na Escola Choi Nong Chi Tai, as expressões utilizadas pela editora estatal de Pequim é a principal preocupação identificada, apesar de considerar que os conteúdos cumprem as exigências das competências académicas básicas. “Algumas palavras não são comuns para os alunos de Macau, por isso, esperamos que alguns termos chineses possam ser alterados”.

O vice-presidente da Associação de História Educação de Macau reconhece dificuldades em convencer a editora estatal a aceitar todas as sugestões da parte de Macau. Por exemplo, na secção que refere à Revolução Cultural, “como os manuais são redigidos pela People’s Education Press, por isso, o número de mortes é mais sensível. O nosso grupo inclui professores de escolas patrióticas, católicas e cristãs, que apresentou algumas opiniões sobre o conteúdo desta parte à editora, mas como a People’s Education Press é uma instituição da China continental, é difícil convencê-la a aceitar as nossas opiniões”.

Associação quer introduzir capítulo “Catolicismo em Macau”

Em relação ao 4 de Junho, “de acordo com as exigências das competências académicas básicas, esta parte não é um conteúdo necessário”, explica Cyrus Ao Ieong. “De facto, não tivemos a ideia de incluir esta parte nos manuais. No entanto, apresentámos as nossas opiniões sobre o papel do catolicismo em Macau, que achámos que é a parte que falta nos manuais”, acrescentou.

Apesar de tudo, ao longo de um ano, “a editora ouviu as nossas opiniões, o conteúdo alterou-se muito, os manuais originais não eram assim, os manuais presentes já se aproximam mais à situação de Macau”, disse.

No 10 de Junho, o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, declarou à imprensa que já havia dado instruções à DSEJ para alargar o painel de consultores, de maneira a incluir historiadores portugueses e ouvir mais opiniões.

A DSEJ informou o PONTO FINAL que, “de momento, antes das escolas começarem a utilizar os novos materiais no ano lectivo de 2018/2019, a DSEJ continuará a recolher e ouvir ainda mais opiniões e sugestões profissionais dos historiadores de Macau e de Portugal para, após compiladas, as submeter à equipa de elaboração para servirem de referência para a versão final experimental dos materiais didácticos”.

É preciso “contextualização com visões comparativas”

Sem querer comentar os manuais, a historiadora Tereza Sena afirmou que, numa perspectiva geral, “independentemente da veracidade de determinados factos históricos, num manual didáctico, e também num trabalho académico, é sempre necessária uma contextualização, com visões contemporâneas, do ponto de vista de uma história chinesa ou de uma história ocidental, o que é completamente diferente de uma classificação de factos, de acordo com uma visão ou outra”. A historiadora referiu que aquela questão já foi ultrapassada pela historiografia moderna nos trabalhos de especialistas de história de Macau como Jin Guo Ping, Tang Kaijian, Wu Zhiliang ou do sinólogo alemão Roderick Ptak, entre muitos outros, “que já adoptam esta perspectiva de contextualização de visões diferentes do mundo, noções essas que devem ser introduzidas num currículo escolar”. A historiadora salienta que num manual “deve haver visões comparativas das problemáticas (…), em vez de perspectivas historiográficas demasiado centradas no seu próprio universo, quando aqui o que está em confronto são encontros entre dois mundos, duas ordens mundiais, dois sistemas civilizacionais, duas maneiras de olhar para a actividade comercial”. Sendo que há “historiadores chineses, e há historiadores não-portugueses a colocar as coisas nestes termos”.

Apagar conteúdos “não é decisão do secretário”

Entretanto, o secretário para os Assuntos Sociais e Cultura anunciou no passado dia 13 de Junho que “a associação dos portugueses a actividades de contrabando e corrupção não será incluída na versão final dos manuais de história”.

Ontem, ao PONTO FINAL, o deputado Sulu Sou disse que leu os manuais e que encontrou algumas partes referentes a Macau envolvendo a presença portuguesa “bastante negativas”, mas que considera desapropriado apagar o que foi escrito. “O secretário Alexis Tam disse que vai eliminar essas partes, mas penso que isso não é adequado, porque o manual escolar é um trabalho profissional, que deve envolver especialistas, académicos, professores de história, pelo que acho que isso não deve ser decidido pelo secretário”, afirmou.

(Alguns dos) Parágrafos da polémica


“Desde o período intermédio do reinado do Imperador Jiajing (1522-1566), na dinastia Ming, o comércio externo desenvolveu-se rapidamente em Macau. As importantes rotas comerciais faziam-se por: Macau – Goa – Lisboa, Macau – Nagasaki e Macau – Manila – México. O comércio exterior de Macau caracterizou-se pela pirataria, e contrabando de ópio e tráfico humano, bem como pelo não pagamento de direitos aduaneiros. Portanto, devido à intervenção portuguesa, o comércio exterior de Macau durante este período esteve sempre associado a violência e a saques”.

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“No início do século 16, os portugueses romperam ao longo da rota recém-aberta na costa sudeste da China. Quando o governo Ming rejeitou contactos oficiais, a Batalha de Tuen Mun e a Batalha de Shancaowan eclodiram entre a China e Portugal. Os portugueses foram derrotados, envolvendo-se em contrabando ilegal e pirataria na costa. Em 1554, os portugueses conseguiram uma autorização para entrar nos portos de Guangzhou e nas proximidades, subornando funcionários de Guangdong, e gradualmente os comerciantes portugueses mudaram-se para Macau. Em 1572, os portugueses começaram a pagar oficialmente uma renda anual ao governo chinês e alugaram Macau como trampolim para actividades missionárias e comerciais na China até 1849, quando o governador de Macau, [Ferreira do] Amaral anunciou o fim do pagamento da renda. Durante esse período, os governos Ming e Qing exerceram efectivamente a sua soberania e governação sobre Macau”.

Nota: tradução livre do chinês para inglês e do inglês para português.

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