quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Isabel dos Santos: "Império" empresarial em Portugal em risco?


À luz da ofensiva de combate à corrupção desencadeada por João Lourenço, é inevitável mexer nos interesses de Isabel dos Santos em Portugal, dizem analistas. Prevê-se redução do poder da empresária angolana em Portugal.

Quando em 2014 Francisco Louçã publicou o livro "Os Donos Angolanos de Portugal", em coautoria com Jorge Costa e João Teixeira Lopes, era muito significativo o poder e a influência do capital angolano. Estavam em foco as relações dos grupos económicos portugueses com o então regime de José Eduardo dos Santos.

Hoje, o economista, que já foi líder do Bloco de Esquerda, considera que a figura de Isabel dos Santos perdeu relevância, não tanto em Portugal, mas certamente em Angola. Tanto por ter sido afastada da administração da Sonangol como pelo facto de a própria família ter, atualmente, um peso económico e político bastante menor.

"Ela tem um investimento significativo em Portugal, tanto no BCP como na EFACEC, entre outros setores, e isso creio que continuará. Qual a estratégia que ela vai seguir no futuro não sabemos e é muito importante que haja alguma definição, mas os empresários portugueses, angolanos, chineses ou norte-americanos têm que cumprir as mesmas regras", disse Francisco Louçã à DW África.

Fim dos "anos de glória"

Passados os anos de glória do investimento angolano em Portugal, o Presidente de Angola, João Lourenço, quer limitar os poderes de Isabel dos Santos, principalmente na petrolífera portuguesa Galp e na EFACEC. 

De acordo com a última edição do semanário português Expresso, João Lourenço tem uma estratégia que visa destroçar financeiramente a "mulher mais rica de África". A questão que os observadores levantam é se Isabel dos Santos conseguirá manter o seu império empresarial em Portugal?  

Para o jornalista angolano Armindo Laureano, a saída da Sonangol foi o ponto de partida para a perda da "ascensão que tinha". "E agora começam a aparecer estes casos da notícia que fala da delimitação do seu poder em Portugal. Porque o Estado angolano começa a agir, nomeadamente nos negócios que tinha com ela a nível da Galp. Até há a notícia de que a Sonangol exige a devolução de 70 milhões de dólares. Isso já foi comunicado e até advogados da Sonangol já contactaram os advogados de Isabel dos Santos para a devolução dos dividendos da Galp", conta o jornalista.

Poderes reduzidos

Armindo Laureano não tem dúvidas que a redução dos poderes da filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos em Portugal começa a ser uma evidência.

"Durante muito tempo, Isabel dos Santos foi vista como a afirmação empresarial angolana no exterior, nomeadamente em Portugal. Era ela que aparecia à frente dos grandes negócios. Creio que, nos próximos anos, os cifrões, os zeros vão começar a diminuir nas contas de Isabel dos Santos", disse.

O jornalista sublinha que não se trata de uma ação pessoal de João Lourenço contra Isabel dos Santos. Trata-se, sim, de uma estratégia do Executivo angolano visando acabar com certos grupos dominantes. "Isabel dos Santos estava à frente de muitos interesses corporativos ou de grupos", esclareceu.

"A própria entrada dela como presidente do Conselho de Administração da Sonangol foi um bocado para proteger certos interesses seus, pessoais e até de grupos. E isso começou-se a ver mesmo a nível daquilo que é a Unitel e depois em relação ao próprio negócio da Galp", acrescentou Armindo Laureano.

Nesta ofensiva contra a corrupção em Angola, é inevitável mexer nos interesses de Isabel dos Santos, afirma João Paulo Batalha, presidente da Associação Cívica Transparência e Integridade Portugal (TIAC).

"Justamente porque os grandes investimentos que Isabel dos Santos fez em Portugal ao longo dos últimos anos foram feitos sob uma suspeita basilar sobre a origem do dinheiro que ela trouxe para Portugal. Portanto, muitos dos investimentos, nomeadamente na Galp, mas, enfim, em todos os outros, foram feitos ou com empréstimos de empresas públicas angolanas ou com capital adquirido através dos negócios de favor que ela fez com o Estado angolano", explica à DW África.

"Por isso, todo o império de Isabel dos Santos, numa lógica de transparência e de combate à corrupção, fica posto em causa, incluindo as ramificações desse império em Portugal", acrescentou João Paulo Batalha.

Portugal vai sentir consequências

O presidente da TIAC reconhece que as medidas que o Presidente João Lourenço têm vindo a tomar para esclarecer a origem da fortuna de Isabel dos Santos também terão implicações em Portugal.

"Deve ser um aviso para as autoridades portuguesas, quer as autoridades judiciais quer as autoridades políticas, para, no momento em que querem inaugurar uma nova fase de boas relações com Angola, fazermos nós próprios, aqui em Portugal essa investigação à origem dos capitais e à lisura dos negócios de Isabel dos Santos para que possamos assistir o Estado angolano numa potencial reversão de capitais de Isabel dos Santos para o Estado angolano. Porque, verdadeiramente, o dinheiro que ela tem trazido para Portugal é dinheiro que pertence ao povo angolano", lembra.

João Paulo Batalha acrescenta que o poder político em Portugal sempre teve "uma relação oportunista" com Angola, privilegiando ligações com a elite angolana, independentemente, de considerações sobre corrupção ou abusos dos Direitos Humanos.

Isabel dos Santos, que terá viajado para Portugal, foi já notificada pela Procuradoria-Geral da República de Angola. 

"Há uma pressão que vem de vários lados", refere Armindo Laureano, para quem o corte do ponto de vista empresarial,  por um lado, e, por outro, a ação por parte da justiça, põem em perigo o futuro do império da "mulher mais rica de África". 

João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle

Moçambique | Crise pode agravar-se se bancos não comprarem dívida


Analista alerta para o facto de o Governo continuar a ter dificuldades em pagar as contas. Financiamento externo não é opção por causa do escândalo das dívidas ocultas.

A crise financeira poderá agravar-se em Moçambique. Segundo  o jornal "@Verdade", os bancos moçambicanos estão a deixar de comprar títulos da dívida do Estado de Moçambique. Esta é uma péssima notícia para o Governo, pois como Moçambique está sem acesso a financiamento externo, devido ao endividamento ilegal na era do Presidente Guebuza, o Estado precisa urgentemente de se financiar através dos bancos comerciais.

Em entrevista à DW África, Adérito Caldeira, diretor-geral adjunto do jornal "@Verdade", parceiro online da DW África, explica que o facto dos bancos nacionais deixarem de confiar no próprio Estado moçambicano, poderá ser um entrave ao financiamento do défice orçamental do Governo.

DW África: Os problemas financeiros atuais do Governo de Moçambique contrastam com o discurso otimista do Executivo de Filipe Nyusi?

Adérito Caldeira (AC): A informação oficial dá ideia que a crise já passou e que a economia está a recuperar, mas, naquilo que é a economia real, principalmente a execução do orçamento de Estado, o Governo continua a ter dificuldades em pagar contas, e sei que o salário do mês de julho ainda não foi pago a todos os funcionários públicos.

DW África: É de prever que haverá mais salários em atraso no setor público nos próximos tempos?

AC: Ninguém sabe muito bem, porque as contas do Governo não são completamente públicas. Eu não tenho memória, nos últimos anos, dos salários públicos terem atrasado...
DW África: Até agora os bancos moçambicanos compravam Títulos do Tesouro moçambicano e ajudavam assim o Governo a financiar-se, mas isso está a alterar-se, correto?

AC: Exato, para este ano, o Orçamento de Estado 2018 tem um défice orçamental de 80 mil milhões de meticais [cerca de 1,2 mil milhões de euros]. É mais ou menos esse montante de Títulos do Tesouro que o Governo pediu autorização para colocar no mercado durante este exercício. Mas, desde maio, o Governo está aparentemente com dificuldades em colocar estes títulos no mercado. O Governo teve dificuldades em colocar Títulos do Tesouro nos últimos dois leilões feitos na Bolsa de Valores. Houve um leilão em maio em que o Governo estava a tentar financiar-se em 1,5 mil milhões de meticais [mais de 22 milhões de euros] e, numa segunda tentativa, acabou por aceitar emitir bilhetes para fazer cerca de 200 milhões de meticais. O mais recente de todos, que foi agora no mês de junho, teve uma procura de 12 milhões, a expetativa do Governo era de mil milhões [de meticais], mas o leilão foi suspenso por falta de procura. Em princípio, devem fazer uma nova tentativa nos próximos dias.

DW África: Havendo falta de financiamento interno, o Governo poderá recorrer ao financiamento de países externos?

AC: Não, formalmente o Governo de Moçambique ainda não se pode financiar no exterior por causa da questão das dívidas ilegais, que já não são ocultas. Há algum financiamento externo que está a entrar, mas é para programas específicos, particularmente no setor da educação, saúde e pouco mais. O Governo não tem muito por onde ir buscar [financiamento] neste momento.

DW África: Os problemas atuais do Governo de Filipe Nyusi são devidos à sua política orçamental ou já são problemas que vêm de trás - possivelmente do tempo de Armando Guebuza?

AC: Já vêm dessa altura, porque foram criados nessa altura. Embora o endividamento público, concretamente, não existisse nesta dimensão no tempo do Presidente Guebuza, muito do endividamento externo começou antes. De grosso modo, durante esta governação do Presidente Nyusi não tem havido grandes infraestruturas públicas a serem iniciadas - inclusivamente, as obras públicas é dos setores que menos orçamento tem tido nos últimos dois anos.

DW África: A sociedade civil e os próprios economistas estão conscientes do problema?

AC: Eles estão a par do problema, até porque tem estado a agravar-se, não é efetivamente novo. Mas tem havido muito pouco debate sobre este assunto. Creio que só esta semana é que, por exemplo, a confederação dos empresários alertou para esta questão do endividamento público do Estado, que está a tirar credibilidade financeira ao setor produtivo. Mas fala-se pouco do assunto - não porque não se sinta, mas fala-se pouco. Arrisco-me a dizer que tenho sido dos poucos que têm regularmente mantido o alerta sobre este assunto.

DW África: E o Governo tem encetado esforços no sentido de controlar as despesas públicas?

AC: Tem havido um esforço de aumentar as receitas, disso não há dúvida. A Autoridade Tributária, a cada período, vai aumentando a coleta, mas é sempre a apertar aos mesmos. Por exemplo, está a acontecer uma campanha grande de cobrança de receitas atrasadas da Segurança Social, porque muitas empresas não têm estado a pagar ao longo dos últimos tempos. Só que grande parte destas empresas que não pagaram a Segurança Social são empresas que têm a receber de obras e serviços que forneceram ao Estado há pelo menos quatro ou cinco anos e que até hoje não receberam. E o Estado afirma estar a fazer o levantamento para arranjar forma de pagar, só que, enquanto esse processo decorre, as empresas têm de sobreviver, e não havendo investimento direto estrangeiro, estando a economia como está, não há muitas opções ao cliente Estado neste momento.

António Cascais | Deutsche Welle

Timor-Leste | Demissão de Xanana Gusmão do governo “abre caminho” a outras demissões


Há indicações de que após a demissão apresentada por Xanana Gusmão no final da semana passada como número 2 do governo liderado pelo primeiro-ministro Taur Matan Ruak, se seguirão outras demissões de elementos “leais” a Xanana.

Segundo fontes locais, o descontentamento está a “crescer” entre os membros de dois dos partidos que integram a coligação que lidera o atual executivo, a Aliança de Mudança para o Progresso (AMP), a saber: o Congresso Nacional de Reconstrução Timorense (CNRT), liderado por Xanana Gusmão e o Kmanek Haburas Unidade Nacional Timor Oan (KUNTO).

Alegadamente está em curso uma guerra de bastidores entre o CNRT aliado ao KHUNTO contra o outro partido que lidera a AMP, o Partido Libertação Popular (PLP), liderado por Taur Matan Ruak, de forma a inviabilizar o atual governo.

No parlamento timorense, o CNRT conta com 21 deputados, o PLP com 8 deputados, e o KHUNTO com 5 deputados.

Refira-se que Xanana Gusmão enviou uma carta ao primeiro-ministro Taur Matan Ruak, no decorrer da semana passada, anunciando a sua demissão, escrevendo que se iria dedicar às negociações do petróleo e gás com as empresas lideradas pelo grupo norte-americano ConocoPhillips, bem como a empresa australiana Woodside.

Xanana acrescentou que: “Eu expresso este sentimento a ti [Taur Matan Ruak] porque estou extremamente preocupado com a tua saúde mental, saúde psicológica e política neste processo turbulento, em que tens de pesar as tuas capacidades à luz de uma constituição que escreveste, dirigiste e interpretas de uma forma invulgar e inacessível para cidadãos comuns como eu.”

e-Global Notícias em Português

Associação de Jornalistas de Macau contra novo crime de falso alarme social


Macau, China, 01 ago (Lusa) - A Associação de Imprensa em Português e Inglês de Macau (AIPIM) manifestou hoje preocupação com o "crime de falso alarme social" proposto na revisão da lei de bases da proteção civil, por "colocar em risco liberdades fundamentais".

Numa carta enviada ao secretário para a Segurança, Wong Sio Chak, a AIPIM dá conta da vulnerabilidade de alguns aspetos propostos na revisão da nova lei, cuja consulta pública termina no próximo dia 11.

O novo diploma, que vem alterar o regime em vigor há mais de 25 anos, prevê o crime de falso alarme social relativo a incidente de proteção civil, punível com pena até três anos de prisão, para quem, "após a declaração do estado de prevenção imediata, emita, propague, ou faça propagar, boatos ou rumores".

Para a associação de jornalistas, a criação de um crime de falso alarme social, "com base em condutas sociais que se querem civicamente prevenir e criminalmente penalizar", pode comprometer "o exercício de direitos, o gozo de liberdades e a segurança das garantias".

"É um caso muito sensível que deve ser levado a cabo com extremo cuidado", adverte a AIPIM, questionando o executivo se não seria "mais adequado" uma "simples alteração ao Código Penal, com uma delimitação muito concreta do âmbito desse novo crime".

Por fim, a associação apela para a preservação da "independência dos jornalistas" e da "independência editorial dos seus responsáveis".

O novo diploma também propõe a criação de uma entidade "independente e de funcionamento permanente, especializada na prevenção e no trabalho de resposta a situações de ameaça e de risco coletivos, bem como de acompanhamento do rescaldo".

A proposta de lei de bases da proteção civil surge na sequência da passagem do tufão Hato, em agosto de 2017, que causou dez mortos, mais de 240 feridos e prejuízos avaliados em 1,3 mil milhões de euros, de acordo com as autoridades.

A consulta pública arrancou no final de junho e termina no dia 11 de agosto.

FST (EJ) // JH

Sulu Sou: “Aprovação da proposta de lei significa que a tradição de eleição está a desaparecer”


Au Kam San, Ng Kuok Cheong, Sulu Sou e José Pereira Coutinho alertaram ontem para a redução das liberdades em Macau, durante a discussão da criação do Instituto para os Assuntos Municipais e revisão da lei que rege o direito à reunião e manifestação. Ambos os diplomas foram aprovados na especialidade, merecendo o amplo apoio dos deputados.

Catarina Vila Nova | Ponto Final

A discussão na especialidade dos diplomas da criação do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM) e da revisão do direito de reunião e manifestação serviram ontem de pretexto para a ala democrata do hemiciclo, a par de José Pereira Coutinho, manifestarem preocupações quanto à restrição dos direitos em Macau. Ambas as propostas de lei foram aprovadas com os votos contra de Au Kam San, Ng Kuok Cheong, Sulu Sou e Coutinho. A maioria dos deputados não considerou que as alterações à lei que rege o direito à reunião e manifestação fossem significativas e, no que diz respeito à não eleição dos membros do futuro IAM, apontaram que o diploma está de acordo com a Lei Básica.

Au Kam San defende ser altura de “corrigir os erros cometidos” e lamenta que o Governo esteja a perder uma oportunidade de melhorar o seu sistema governativo, pedindo “eleições democráticas para o conselho consultivo”. “Segundo a Lei Básica, este órgão tem de dar pareceres ao Governo, mas sem a base democrática como é que consegue dar resposta às necessidades da população?”, questionou. Na declaração de voto, Au Kam San e Ng Kuok Cheong acusaram o Executivo de querer criar um órgão sem poder político “porque tem medo de responder perante os residentes”. “Trata-se do Governo não querer fiscalização da nossa população”, atiraram os pró-democratas.

Na sua declaração de voto, Coutinho e Sulu Sou começaram por pedir desculpa “aos cidadãos que defendem a democracia”. “A aprovação da proposta de lei significa que a tradição de eleição está a desaparecer. O Governo está a distorcer as normas da Lei Básica retirando a todos os cidadãos o direito de eleição dos membros do conselho consultivo. Devemos ter o direito de optar por um caminho mais democrático mas os grupos de interesse estão a impedir isto”, afirmou Sulu Sou, numa intervenção gritada de pé, antes de atirar com os papéis para cima da mesa e abandonar o hemiciclo. Durante a discussão na especialidade, Sulu Sou defendeu que a proposta de lei representa um retrocesso face ao período da Administração portuguesa, por Macau ter “uma história municipal com mais de 400 anos”.

“ESTAMOS MAIS DEMOCRÁTICOS QUE OUTRORA”

As declarações de Sulu Sou mereceram a desaprovação de Vong Hin Fai e Ip Sio Kai. “Estou triste que um dos nossos colegas não conheça bem a nossa história política porque, durante a colonização, a democracia municipal era só para os portugueses. Os chineses não podiam participar”, relembrou Vong Hin Fai. Ip Sio Kai disse inclusive estar “um bocadinho furioso com as palavras do deputado Sulu Sou”. “Com tanta democracia não consigo aceitar isto. Não se pode transmitir estas informações aos nossos jovens”, afirmou o deputado. Já Iau Teng Pio declarou que “estamos mais democráticos que outrora”, rejeitando a ideia de que a proposta representa um retrocesso democrático.

Agnes Lam insistiu na necessidade da introdução do mecanismo de auto-recomendação para o conselho consultivo do IAM, porque, defendeu a deputada, “segundo a experiência do passado, o Governo nem sempre honrou a promessa”. “O Governo disse que ia ponderar um mecanismo de auto-recomendação mas, sem nada escrito, não sabemos o que vai o Governo fazer”, alertou. De Sónia Chan a deputada conseguiu a garantia de que, antes dos membros serem designados pelo Chefe do Executivo, será feita uma comunicação para os interessados poderem auto-recomendar-se para o cargo.

Apesar de ter sublinhado o “alto grau de autonomia” da RAEM, a secretária para a Administração e Justiça defendeu que “o fundamento utilizado para realizar eleições já deixou de existir de acordo com a Lei Básica, porque os poderes das câmaras municipais passaram para o IACM”. Em resposta aos pedidos de eleição dos membros do conselho consultivo, a governante considerou que seria contraditório que o futuro IAM respondesse perante o eleitores e não perante o Governo, e que tal entraria em violação das leis de Macau e da Lei Básica. “Não são palavras nossas. São afirmações proferidas pelo vice-chefe do Gabinete [de Ligação] do Governo Central em Macau”, afirmou Sónia Chan.

“ISTO É UMA LIÇÃO PARA RESPEITAR OS TRABALHOS DOS MEMBROS DESTE HEMICICLO”

Na discussão da revisão da lei que rege o direito de reunião e manifestação, Sulu Sou sugeriu que a função agora transmitida ao Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP) de receber os respectivos pedidos seja da responsabilidade do Chefe do Executivo. “Este poder não deve ser atribuído à polícia. Entendemos que este poder deve ser atribuído ao Chefe do Executivo”, afirmou o pró-democrata, pedindo o adiamento da votação do diploma para que este pudesse ser novamente analisado em sede de comissão.

Ainda que tenha submetido o pedido de Sulu Sou à votação do plenário – que acabou por ser chumbado – Ho Iat Seng entendeu que o mesmo devia ter sido endereçado ao próprio Chefe do Executivo. O presidente da AL acusou o deputado de “desrespeitar o trabalho da comissão” que analisou o diploma, pedindo-lhe que lesse o Regimento da Assembleia Legislativa. “Respeito que você tem este direito, mas não podemos votar porque nem sabemos qual o conteúdo deste pedido. Isto é uma lição para respeitar os trabalhos dos membros deste hemiciclo. Aquando da suspensão do seu mandato também lhe demos o seu vencimento mensal”, atirou Ho Iat Seng.

Sobre a transferência de funções, Cheung Lap Kwan disse não ver diferença entre os pedidos serem apresentados ao IACM ou ao CPSP, notando que “são raros os avisos de reunião e manifestação”. “Estamos perante uma questão de simplificação. Porque é que querem complicar as formalidades?”, questionou o deputado. Ma Chi Seng defendeu que as alterações “não têm a ver com as normas substanciais do direito de manifestação e reunião”, tratando-se “apenas de transferência de atribuições”. Ella Lei defendeu que os “os direitos continuarão a ser garantidos”, não existindo “qualquer alargamento ou restrição de poderes”.

“SE ÉS RESPONSÁVEL PERANTE A POPULAÇÃO, ÉS TAMBÉM RESPONSÁVEL PERANTE O GOVERNO”

Antes da sessão plenária de ontem, a Associação Novo Macau entregou na Assembleia Legislativa um pedido endereçado a todos os deputados para chumbarem a proposta de criação do Instituto para os Assuntos Municipais (IAM). Segundo explicou Wong Kin Long, membro da direcção da Novo Macau, a principal plataforma pró-democracia da cidade pretende que os membros do conselho consultivo do futuro IAM sejam eleitos pela população. “A Lei Básica diz que [o órgão municipal] é não-político, mas isto não significa que não possa ser eleito”, defendeu o pró-democrata.

Wong Kin Long considera ser “ridículo” o argumento do Governo de que o IAM deve responder perante o Executivo e não perante a população. “Se és responsável perante a população és também responsável perante o Governo, porque o próprio Governo deve ser responsável perante a população”, considerou. Outra razão apontada pela Novo Macau prende-se com o “mau funcionamento” dos conselhos nomeados pelo Chefe do Executivo. “Não funcionam adequadamente porque [os seus membros] são nomeados e não têm que se responsabilizar perante as pessoas”.

Foto: Eduardo Martins / Arquivo

Portugal | Somos todos precários


Paula Ferreira | Jornal de Notícias | opinião

O direito à greve está consagrado na lei laboral. Fazer greve é, cada vez mais, um ato de coragem. Como o prova, sem qualquer subterfúgio, o mail enviado pela Ryanair aos funcionários que paralisaram nos últimos dias 25 e 26 de julho. Além de perderem os prémios de produtividade relativos a esse mês, a empresa deixa claro que eventuais promoções na carreira desses trabalhadores estão postas de parte. Essas benesses não são, obviamente, para quem se atreve a fazer greve.

Nada que outras empresas não pratiquem, apenas se escusam a avisar de forma tão transparente os trabalhadores. Este é apenas um episódio que vem mostrar, de forma inequívoca, quão débil é a situação de quem trabalha, precário ou não. Afinal, hoje em dia, bem vistas a coisas, somos todos precários, "redundantes".

Havia dúvidas? Se as havia, o inquérito do Instituto Nacional de Estatística, divulgado na segunda-feira pelo JN, dissipa-as. Os patrões - quase metade dos inquiridos, mais precisamente 47 por cento - consideram que despedir trabalhadores continua a ser fácil. Os obstáculos aos despedimentos, afirmam, são muito reduzidos, ou até inexistentes.

Michael O" Larry, da Ryanair, sabe o que faz quando envia um mail aos grevistas a alertá-los do risco de não serem promovidos ou verem rejeitados pedidos de transferência. Se quiser, ele sabe, com grande facilidade substitui os grevistas por outros, de preferência mais dóceis.

A troika já não anda por Portugal e, aparentemente, no poder há um Governo de Esquerda. Todavia, pouco ou nada mudou na legislação do trabalho, o setor que levou o mais rude golpe no período de crise que vivemos. Bem pode António Costa, primeiro-ministro, vangloriar-se da taxa de desemprego ter descido. É verdade, não à custa da melhoria da vida das pessoas. Estamos num tempo em que o importante é ter emprego, já não importa que emprego e em que condições. Salazar, o poderoso presidente do Conselho, no Estado Novo, considerava a greve "um crime". Ainda não recuamos tanto, mas é preciso ficar atento.

* Editora-executiva-adjunta

Portugal | Uma Defesa sem defesa


A propósito do caso de Tancos (e não só), não é só o poder político mas também a estrutura superior do Exército que não ficam bem na fotografia.

AbrilAbril | editorial

As audições de ontem na Assembleia da República sobre o caso de Tancos, em particular a do general chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), revelam bem a trapalhada em que se envolveram responsáveis políticos e militares quando, deliberadamente, se expuseram mediaticamente para mostrar serviço, em vez de assumirem responsabilidades, serem determinados na resistência a pressões diversas e na defesa das instituições e do Estado.

Cada vez mais se percebe a inconveniência da conferência de imprensa do CEME, anunciando aquilo que, segundo explicou ontem, afinal não queria anunciar porque o Exército não tomou posse formal do material roubado. Só não se entende porque sabe então o Exército que apareceu «uma caixa» a mais…

Outra questão que se levanta tem a ver com a própria capacidade de gestão e de direcção do Exército ao longo dos últimos anos. Quando o CEME afirmou ontem que já se sabia que Tancos não reunia condições, há questões que merecem resposta: o Exército só deu conta disso depois do desaparecimento do material? Se estavam previstos investimentos no reforço da segurança de Tancos até ao desaparecimento do material, isso significa que se não tivesse acontecido o que aconteceu o erário público iria suportar gastos nuns paióis que, afinal, não reuniam as condições necessárias? E não há responsáveis?

O CDS-PP, por exemplo, vem agora pedir a demissão do CEME esquecendo que também tem grandes responsabilidades, a par do seu anterior parceiro de governação, na actual situação.

A Defesa e, em particular, a instituição militar andam demasiado na «boca do mundo» mediático. Lembramos: a demissão abrupta do vice-almirante Rocha Carrilho, que interpôs uma providência cautelar e posteriormente voltou a assumir reponsabilidades inerentes ao seu posto; a polémica pública que envolveu a atabalhoada nomeação para funções no Estado-Maior General das Forças Armadas, na perspectiva de uma promoção a tenente-general que não chegou a acontecer, do general recém-nomeado assessor militar do primeiro-ministro; a polémica que hoje envolve promoções a oficial-general na Marinha e que já chegou aos tribunais. Isto, sem falar na oportunidade de algumas das condecorações impostas na passada segunda-feira pelo Presidente da República e Comandante Supremo das Forças. Falamos da condecoração de um general cuja presidência do Instituto de Acção Social das Forças Armadas (IASFA) tem suscitado polémica ou da condecoração do vice-CEME, no momento em que o CEME está debaixo de fogo, nomeadamente devido ao caso de Tancos.

Por fim, voltando às audições de ontem, dá que pensar no emaranhado daquilo que é o Sistema de Segurança Interna, e não só, quando a sua secretária-geral ou o então secretário-geral do Sistema de Informações da República souberam do desaparecimento das armas em Tancos pela comunicação social. Palavras para quê!

Foto: Armando Babani / EPA

Mais de meio milhão sem médico de família, mesmo após contratações

Mesmo que os 195 lugares postos a concurso esta terça-feira sejam preenchidos, vão continuar a existir mais de 550 mil utentes sem médico de família, a maioria na região de Lisboa e Vale do Tejo

Estes são os números por trás dos dados divulgados hoje pela Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo ao jornal Público, que afirma que «mais de 350 mil pessoas podem passar a ter médico de família».

Há mais de 500 médicos de família em falta, quase 400 dos quais na região da capital. Em concurso foram colocados hoje 195 lugares para todo o País, que terão uma lista de 1800 utentes cada, um número insuficiente para fazer face às necessidades.

A atribuição de médico e enfermeiro de família para todos os utentes é um compromisso do Governo do PS, constando do seu programa e das posições conjuntas assinadas com o BE, o PCP e o PEV.

No entanto, o número de utentes sem médico de família estagnou depois de, no primeiro ano da legislatura, ter sido reduzido em cerca de 300 mil. Em Abril deste ano continuava a ser quase 700 mil, numa altura em que o Governo tem pouco mais de um ano de mandato pela frente.

Mesmo que os 195 lugares sejam plenamente preenchidos, continua a faltar mais de 300 médicos de família, o que significa que mais de 550 mil utentes vão continuar nessa situação.

A região de Lisboa e Vale do Tejo, também por ser a mais populosa, é aquela onde há mais carências, representando quase 80% do total.

EUA | Quem lucra com as crianças separadas


Capitalismo e barbárie: Washington oferece contratos multimilionários para que corporações envolvidas em guerras ganhem com o aprisionamento infantil. Prática remete a história oculta do regime nazista

Marianna Braghini | Outras Palavras

Encarcerar crianças imigrantes, em atentado aos direitos humanos, pode ser também fonte de lucros? No mês passado o site norte-americano The Daily Beast publicou reportagem denunciando algumas das empresas que ganham muito, com a nova política de imigração do governo Trump. Como se sabe, elas vêm sendo sistematicamente separadas de seus pais e abrigadas em instalações provisórias do Estado. Conforme os relatos e imagens dos jornais, pode-se dizer, no mínimo, que se trata de condições inadequadas para crianças em situação de vulnerabilidade. Mas as revelações de agora fazem lembrar episódios mais dramáticos: o papel de grandes empresas alemãs (como a Volkswagen e a Krupp) e mesmo norte-americanas (Ford e General Motors) no apoio industrial e tecnológico ao regime nazista – e a seus campos de concentração.

Escrito por Betsy Woodruff, repórter de assuntos da política do portal, e Spence Ackerman, (integrante do grupo que ganhou o Prêmio Pulitzer, pelas revelações de Edward Snowden), o artigo revela os contratos milionários proporcionados pela detenção de crianças imigrantes (ou refugiadas). Acrescentou que as empresas contratadas para executar os diversos serviços não raro já estiveram envolvidas em escândalos de corrupção.

Os famosos contractors, como são chamados os agentes de companhias de segurança ou militar privadas, não são novidade no âmbito da política de guerra dos EUA. Largamente utilizadas em conflitos armados internacionais, ganharam maior notoriedade na guerra contra Iraque e Afeganistão nos anos 2000, e continuam prosperando graças as agências do governo norte americano, seja em matéria de “defesa” nacional ou segurança interna, como mostra a reportagem do The Daily Beast.

Os jornalistas apontam: a nefasta política de separar crianças imigrantes ou refugiadas de suas famílias é muito lucrativa para o setor de segurança privada. Sua investigação mostra como empresas vem anunciando uma série de vagas envolvendo trabalhos de supervisão de procedimentos nos abrigos, transporte de jovens e crianças desacompanhadas, coordenação de programas de apoio e etc. Uma das corporações, na qual se foca o texto – a MVM Inc – já possui contratos com o governo que a colocam em prontidão para corresponder às demandas criadas com a nova política de imigração.

Seu envolvimento é repleto de irregularidades. Em 2008 a empresa chegou a perder um contrato com a própria CIA, em serviços no Iraque, por não fornecer o total de guardas de segurança para o qual foi paga. Além disso, foi denunciada por orientar seus funcionários a fazer a busca e porte de armamentos e explosivos não autorizados. Recentemente, em 2017, foi processada, ao obrigar um de seus funcionários, um muçulmano praticante, a raspar a barba – após o mesmo ter reportado um supervisor por assédio.

Procurado para responder a algumas perguntas dos jornalistas, o diretor da divisão de segurança nacional e segurança pública da MVM, Joe Arabit, toma as acusações contra a companhia de forma leviana. Repete jargões do mundo corporativo como ”A MVM se orgulha de ser uma companhia inclusiva que cria um ambiente de trabalho receptivo e diverso” e que procura o tipo de funcionário que “ama o desafio de encontrar soluções criativas para questões dinâmicas e complexas”. A companhia já ganhou 43 milhões de dólares desde setembro de 2017. Um dos contratos prevê o serviço de assistência em operações dos abrigos de emergência para crianças desacompanhadas até setembro de 2022. Sugere que a política de separação das crianças pode se prolongar por todo o governo Trump e mesmo depois. Vale lembrar que ataques frontais dos EUA aos direitos humanos – o campo de torturas de Guantánamo, por exemplo, surgiram em governos conservadores (no caso George W. Bush), mas foram mantidos por seus sucessores “democratas” (Barack Obama).

Outra gigante da segurança privada já vem movimentando o setor com anúncios de vagas, a General Dynamics é a terceira companhia que mais lucra em contratos com o Estado norte-americano. Somente em 2017, foram concedidos 15 bilhões de dólares para a prestação de serviços. E não fica atrás no quesito corrupção: deve US$ 280,3 milhões em multas por desvios de comportamento.

O advogado Matthew Kolken, que costuma representar as crianças separadas de seus pais, expressa bem a preocupação do envolvimento das companhias na situação: “Estou presumindo que nas suas declarações de missão, um dos componentes centrais não é o cuidado com crianças refugiadas(…) é inacreditável que este tipo de indústria seja seriamente considerada para o cuidado com as crianças. Ela não tem o que é preciso para realizar a tarefa. Você gostaria que seu filho fosse colocado nas mãos desta indústria? Eu sei que eu não.”

Segundo a reportagem, como relatado pelo The New York Times, já há 100 abrigos da agência responsável – o Escritório de Reassentamento de Refugiados em – em pelo menos 17 estados. Mais de 11 mil crianças estão sendo mantidas separadas de suas famílias.

A busca de lucros produziu em outras épocas históricas tragédias humanitárias ainda mais graves. Em outubro de 2016, a revista Superintessante resgatou uma história há muito conhecida – mas frequentemente ocultada. O regime de Adolf Hitler recebeu, ao longo de todo o seu percurso, o apoio interesseiro de grandes corporações alemãs, suíças e norte-americanas. Os novos fatos indicam que os tempos mudaram, mas a lógica central do capitalismo continua cega e cúmplice dos grandes crimes contra a humanidade.

Fotos: 1 - Campo de detenção infantil em Nogales, estado do Arizona, EUA. Aprisionadas, dezenas de crianças dormem em celas coletivas e precárias; 2 - Hitler entusiasma-se com o protótipo do Fusca. Durante a II Guerra, Volkswagen passaria a fabricar material militar, empregando, como escravos, internos em campos de concentração nazistas

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