terça-feira, 7 de agosto de 2018

Mais uma alegada tentativa de subversão em São Tomé


Três espanhóis e dois são-tomenses são ouvidos esta terça-feira por um juiz de instrução criminal por alegado envolvimento em atos de subversão da ordem constitucional. Um dos detidos é o antigo ministro da Juventude.

Os cinco foram presentes na segunda-feira (06.08) ao tribunal de Primeira Instância para serem ouvidos pelo juiz, o que não aconteceu, ficando a audição marcada para terça-feira.

As identidades dos três cidadãos espanhóis não foram divulgadas, mas sabe-se que os dois são-tomenses são Albertino Fernandes, antigo ministro da Juventude e Desporto do governo do ex-primeiro-ministro Gabriel Costa, e o segundo integrou o extinto Batalhão Búfalo sul-africano. 

Batalhão Búfalo era a designação por que era conhecido o ex-Batalhão 33 do exército da África do Sul, formado por mercenários e que durante o regime do apartheid lutou em Angola ao lado das forças armadas invasoras sul-africanas contra as tropas governamentais angolanas.

Esses elementos, segundo a mesma fonte, foram detidos no sábado à noite (04.08) por agentes da Polícia Judiciaria (PJ) "depois de penetrarem no recinto do Morro da Trindade (residência do chefe de Estado) onde pretendiam, "atentar contra o Presidente da República" Evaristo Carvalho. 

A Presidência da República ainda não se pronunciou sobre o assunto e o governo também ainda não fez nenhuma declaração oficial.

"Comédia para divertir os são-tomenses?"

O Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe - Partido Social Democrata (MLSTP-PSD), principal partido da oposição, disse estar "a seguir com muita atenção" o que classifica como "episódio". "Esperamos que não seja mais uma comédia para divertir os são-tomenses", disse à Lusa a vice-presidente, Elsa Pinto.

Esta é a segunda tentativa de subversão da ordem constitucional em menos de dois meses em São Tomé e Príncipe. Em 21 junho, o governo anunciou que tinha detido um deputado do MLSTP-PSD e um sargento da Forças Armadas por "tentativa de subversão da ordem constitucional".

"As forças de defesa e segurança do estado desmantelaram uma tentativa de subversão da ordem constitucional através do assassinato premeditado do primeiro-ministro e chefe do governo, Patrice Trovoada e orientaram a detenção de dos principais protagonistas", disse em comunicado o ministro Arlindo Ramos.

Segundo o governante, os dois detidos são Gaudêncio Costa, antigo ministro da Agricultura e deputado do principal partido da oposição e Ajax Managem, sargento das Forças Armadas. Arlindo Ramos sublinhou na altura que os "elementos recolhidos" revelavam, "para além da premeditação, uma forte determinação na execução dos seus desígnios, cumplicidade nacionais e estrangeiras".

Os dois implicados foram postos em liberdade sob termo de identidade e residência, pelo juiz de instrução criminal Francisco Silva, que alegou falta de provas para manter os dois acusados sob prisão preventiva.

Agência Lusa | em Deutsche Welle

Na foto: Palácio Presidencial em São Tomé

Guiné-Bissau | Cidadãos na diáspora confiantes na mudança após eleições


Guineenses em Portugal acreditam que as legislativas terão lugar na data prevista, 18 de novembro. Mas o líder do Movimento Guineense para o Desenvolvimento diz que não estão reunidas condições para cumprir o prazo.

"Acho que vai ser diferente. Com a ajuda da comunidade internacional, espero que sim". Celeste Sanca Sanhá vive há 13 anos em Portugal, muito por causa das crises políticas na Guiné-Bissau. Olha para as eleições legislativas marcadas para 18 de novembro na sua terra natal com uma "expectativa de mudança, para que os guineenses abram os olhos, para saberem diferenciar as coisas".

"Já fomos muitos enganados e eu acho que desta vez vai mudar muita coisa", diz Celeste, que não é a única a acreditar que, apesar das dificuldades no processo eleitoral, a votação terá lugar na data prevista.

Mama Embaló, há 30 anos em Portugal, também está confiante quanto à realização das eleições a 18 de novembro: "Espero que seja assim mesmo, porque o nosso Presidente e o primeiro-ministro já deram esse aviso, de forma vincada, de que as eleições vão ser mesmo no dia 18 de novembro. E eu penso que é a única data para os guineenses irem às urnas".

Mama Embaló espera também mudança. Acredita que o país viverá dias melhores, longe dos tempos de crise política. Nesta votação, acrescenta, os políticos devem dar provas de maturidade e honestidade em benefício do povo guineense e  "o povo deve saber fazer uma boa escolha".

"Não vamos apostar naqueles que já têm mãos sujas. Espero que as eleições sejam bem feitas e transparentes", diz Mama Embaló.

Baba Kanuté, que foi cantor da lendária Orquestra Super Mama Djombo, está igualmente expectante, mas vê o cenário eleitoral com prudência. "Marcaram essa data, ela é bem-vinda para nós, porque, se não houver eleições na Guiné-Bissau nessa altura, será uma confusão outra vez", considera.

Ainda assim, admite ter algum receio, já que "pode aparecer outra surpresa que ninguém espera”. "Ninguém deseja isso para nós”, sublinha. "Seja quem for que ganhe democraticamente, o povo vai seguir com ele, porque a Guiné-Bissau sofreu muito. Não queremos sofrer mais".

Camila Dabó, há cerca de 17 anos em Portugal, espera por eleições modernas e que não volte a acontecer o que aconteceu no passado na Guiné-Bissau: "Que seja diferente e que esses novos partidos saibam ouvir os jovens também. Não é só dizer que os jovens são o futuro e não ouvi-los".

Visão mais pessimista

A maior preocupação dos guineenses deveria ser a de saber se a Guiné-Bissau está, de facto, em condições de realizar as eleições legislativas marcadas para 18 de novembro deste ano. Foi o que defendeu Umaro Djau, líder da nova formação política Movimento Guineense para o Desenvolvimento (MGD), na sua curta passagem por Lisboa, esta semana. O jornalista que trabalha para a cadeia de televisão norte-americana CNN reuniu-se na sexta-feira (03.08), na Damaia, Reboleira, com um grupo de guineenses na diáspora.

Há garantias de apoio financeiro por parte da comunidade internacional, nomeadamente da União Europeia e da CEDEAO, para a realização de eleições, reconhece Umaro Djau. Ainda assim, diz o líder do MGD, não estão reunidas as condições para que seja cumprido o prazo. "As autoridades nacionais, nomeadamente a Comissão Nacional de Eleições e o Gabinete de Apoio às Eleições, estão a fazer tudo para que as eleições sejam realizadas na data marcada", sublinha. No entanto, acrescenta, "para que isto aconteça, é preciso que, de facto, haja um recenseamento".

O país, diz Umaro Djau, está agora "a discutir que forma de recenseamento poderá haver: um recenseamento de raiz ou um recenseamento seletivo". Por isso, afirma, "a questão de apoios [financeiros] não se coloca agora".

"A questão essencial é o timing, se há, de facto, tempo suficiente para que todos estes parâmetros e prazos sejam cumpridos legalmente e para que as eleições tenham lugar na data marcada de 18 de novembro", conclui.

Djau considera que a diáspora está sempre pronta para participar e abraçar o novo processo eleitoral na Guiné-Bissau, "até porque", acrescenta, "está mais preparada pelo acesso à educação, às novas tecnologias e à informação e sua partilha através das redes sociais".

O líder do movimento esteve recentemente em contacto com a população na Guiné-Bissau e percebeu que os guineenses já abriram os olhos. "Agora, mais do que nunca, estão atentos ao desenrolar da situação política e económica do país". Os exemplos dos últimos 44 anos, alerta, demonstram um falhanço total na governação e na liderança do país. Por isso, acredita "que os guineenses estão mais mobilizados e mais conscientes sobre os caminhos a seguir no próximo processo eleitoral".

João Carlos (Lisboa) | Deutsche Welle

Na foto: Celeste Sanhá, imigrante guineense em Portugal, tem grandes expectativas para as legislativas de novembro

Cabo Verde | Sobre a Carreira Diplomática


O clientelismo tem feito escola no MNEC onde, para além dos muitos políticos que são nomeados Embaixadores, tem-se feito a triagem interna para beneficiar amigos

Alcídia Paixão Melo Araújo | A Nação | opinião

O Decreto-lei 119/85 aprovou  o primeiro  Estatuto da Carreira Diplomática, tendo conferido aos  técnicos de nível superior do Ministério a possibilidade de nela integrarem e definido  regras de progressão e ocupação de cargos, num quadro de incompatibilidades e garantias gerador de legítimas expectativas.

Várias revisões do Estatuto sucederam-se ao longo dos anos, a última, datada de 2015,  reafirmando, assim como as demais,  a  importância do equilíbrio na gestão da carreira.

Naturalmente, a função diplomática é independe de um ou outro  Partido e pauta-se pelos superiores interesses do Estado de Cabo Verde. Cabe ao diplomata  executar as diretivas do Governo.

As chefias das Missões são postos para os quais se qualificam os diplomatas,  devendo ser estatutariamente confiadas primeiramente aos Embaixadores de carreira ou  Ministros plenipotenciários, por ordem hierárquica claramente determinada.

Contudo, ao longo dos anos tem-se deparado com medidas  governamentais que contrariam a filosofia e os princípios da referida carreira, assim como os direitos dos seus quadros.

Os ingressos, muitas vezes pelo topo, e as nomeações extraordinárias, também pelo topo,  ditados sobretudo por razões de clientela partidária,  diminuem drasticamente  o número de vagas existentes e geram injustiças por vezes inimagináveis.

O clientelismo tem feito escola no MNEC onde, para além dos  muitos políticos que são nomeados Embaixadores,  tem-se feito a triagem interna para beneficiar  amigos, parentes, simpatizantes ou militantes, próximos do Governo ou dos Partidos, o mesmo  acontecendo nas tranferências para o exterior.

Nesse  andar, hostes extraordinárias privilegiadas garantem o que lhes apetece, podendo mover-se a gosto, mudar de um posto para outro ou dar-se ao luxo de permanecer no exterior por tempo indeterminado, com todas as vantagens profissionais e materiais  daí advenientes.

Enquanto isso, outros  diplomatas são bloqueados nos serviços centrais durante dezenas  de anos, coartados nos seus direitos e  oportunidades, como no caso vertente, em que a signatária foi dos primeiros quadros a integrar a carreira diplomática, regressou aos Serviços Centrais desde 1999, de Moscovo, onde foi Encarregada de Negócios, sendo actualmente Embaixadora de  carreira, impedida de ocupar um posto correspondente no exterior há cerca de vinte anos.

No Ministério dos Negócios Estrangeiros e Comunidades existem  situações  anacrónicas e maquiavélicas de abusiva discriminação, completamente fora daquilo que deve ser  um Estado de direito.

Com a mudança de Governo em 2016, esperava-se que o princípio basilar do respeito ao direito à justiça fosse reposto e implementado. Lamentavelmente, é impossível deixar de constatar que a realidade não mudou e essa insustentável situação  continua  a prevalecer no seio da carreira diplomática.

Praia, 25 de Julho de 2018

Cabo Verde | Carnaval de Verão: Tudo pronto para desfile da noite de hoje


São Vicente | Internacionalização é a meta

Mindelo, 07 Ago (Inforpress) – A edição 2018 do Carnaval de Verão, na noite de hoje, no Mindelo, é o culminar de um ciclo de acções de formação que envolveu os cinco grupos oficiais de São Vicente e uma equipa de 42 brasileiros.

Ao longo de oito dias, a formação dos carnavalescos mindelense, este ano, envolveu duas oficinas novas, plumagem, para confeccionar fantasias, e esculturas em papel machê para carros alegóricos.

Isto, além dos já ministrados, como bateria, mestre-sala, porta-bandeira, enredo e passista, entre outros.

Todos, formandos e formadores, em conjunto, segundo a vereadora Solange Neves, vão desfilar, a partir das 20:30, pelas artérias da baixa da cidade do Mindelo, num percurso idêntico ao do Carnaval de Fevereiro, com a diferença de o desfile de hoje culminar na Rua de Lisboa, num palco montado em frente ao Palácio do Povo.

É ali que, segundo a mesma fonte, à vez, cada um dos cinco grupos mindelense – Samba Tropical, Vindos do Oriente, Monte Sossego, Cruzeiros do Norte e Flores do Mindelo – fará a sua apresentação com as músicas do Carnaval 2018 e exibição de porta-bandeira e rainha de bateria.

Isto depois do desfile, este ano ao som de dois temas musicais, mais um em relação ao ano passado, sendo um do brasileiro Dudu Nobre e outro do grupo Samba Tropical (Txon Sagród), que serão interpretados, à vez, ao longo do percurso Praça Dom Luís, Rua de Lisboa, Avenida Baltazar Lopes da Silva, Praça Nova, Avenida 05 de Julho, Rua de Lisboa.

“Correu bem ano passado e este ano trabalhamos muito bem e esperamos ter um desfile melhor”, lançou Solange Neves, para quem a parceria Carnaval do Mindelo/Dudu Nobre e Equipa visa ajudar na “organização, promoção e internacionalização” do Carnaval de São Vicente, “com mais qualidade”.

Aliás, no mês de Julho, aquando do anúncio dos workshop que culminaram esta segunda-feira, no Mindelo, e na senda dos “óptimos resultados” de 2017, Wellington Batista, porta-voz da equipa de Dudu Nobre, sublinhava o empenho em “fortificar” o Carnaval no meio do ano, trabalhando no período de férias na Europa, para permitir que europeus venham passar as férias em Cabo Verde.

Esses mesmos europeus que, juntamente com brasileiros, assinalou a mesma fonte, vão ser o público para o “trabalho de marketing” com fotografias e vídeos para divulgar o Carnaval de Verão, que pretende atrair mais turistas para a ilha.

Nesse sentido, conforme Wellington Batista, pretende-se criar ainda um ‘site’ sobre o evento que fará “a ponte” entre as agências de viagens, companhias aéreas e outras promotoras no estrangeiro.

AA/CP | Inforpress

Novo foco de tensão? Bombardeiros dos EUA aparecem sobre mar da China Oriental


De acordo com um recente comunicado militar do Comando Indo-Pacífico dos EUA, no início de agosto bombardeiros B-52 da Força Aérea dos EUA sobrevoaram o mar da China Oriental, nas proximidades do Japão, como parte de uma missão conjunta de treinamento com a Marinha dos EUA.

Dois bombardeiros B-52 Stratofortress da Força Aérea e dois aviões P-8 Poseidon da Marinha realizaram voos na região, no dia 1º de agosto, para melhorar a "integração das forças armadas", informou o Departamento de Relações Públicas da Força Aérea dos EUA no dia 3 de agosto.

Desde 2004, o Comando Indo-Pacífico dos EUA (USINDOPACOM), conduziu o chamado programa de "Continuous Bomber Presence" (CBP), afirma o comunicado.

De acordo com o USINDOPACOM, os exercícios foram realizados dentro do espaço determinado pelas leis internacionais, um espaço considerado "vital para os princípios que são a base do sistema operacional global baseado em regras".

Os voos podem ter prosseguido por mais de um dia, enquanto imagens da Força Aérea datadas de 2 de agosto mostram que um B-52 foi reabastecido.

De acordo com anúncios do governo dos EUA disponíveis publicamente, uma aeronave B-52 voou para o mar da China Oriental, depois de decolar da Base da Força Aérea de Barksdale, no Louisiana. Depois de conduzir uma missão de treinamento de rotina, os aviões aterrissaram na Base Aérea de Andersen, Guam, um território dos EUA na Micronésia.

Em junho, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Hua Chunying, não pareceu apreciar a presença de bombardeiros americanos no mar do Sul da China. "Correr livremente é arriscado", disse ela aos repórteres.

"A China não terá medo de nenhum navio ou aeronave militar e tomaremos todas as medidas necessárias para defender a soberania e a estabilidade do país, para proteger a paz e a estabilidade do mar do Sul da China", disse a porta-voz.

Os EUA criticaram repetidamente Pequim por militarizar as áreas disputadas do mar do Sul da China com a construção de infraestruturas militares em arquipélagos também reivindicados por várias outras nações. Em junho, após outra incursão de um B-52 na região, Hua disse a repórteres durante um briefing: "Espero que os EUA deixem claro se estão considerando enviar armas estratégicas ofensivas como bombardeiros B-52 ao mar do Sul da China para militarizar […] Se você costuma ter alguém chegando à sua porta fortemente armado, você não deveria fortalecer suas capacidades de segurança e defesa?"

O mito de uma “OTAN árabe”


Recebendo o Príncipe-herdeiro saudita na Casa Branca, a 20 de Março, o Presidente Trump exibiu um quadro mostrando as encomendas de armas sauditas aos Estados Unidos. Ele precisou que essas somas astronómicas estavam à altura dos recursos de Riade.

Segundo a Reuters, o Pentágono prepara uma cimeira, a 12 e 13 de Outubro próximos, para criar a Middle East Strategic Alliance (MESA) - (Aliança Estratégica do Oriente Médio) [1]. Tratar-se-ia de uma aliança de Estados do Golfo em torno da Arábia Saudita, mais a Jordânia e o Egipto.

Esta iniciativa é apresentada como a vontade de Washington subcontratar militarmente uma pressão militar contra o Irão.

No entanto, ela enfrenta vários obstáculos: 

- Em primeiro lugar, exclui de facto o Catar (devido ao seu conflito com a Arábia Saudita e os Emirados; conflito alimentado pelos Estados Unidos) e Omã (o mediador da região). Simultaneamente a esta iniciativa, o Pentágono teria que expandir a sua base no Catar. 

- Será difícil fazer estes Estados agir como parceiros iguais, já que a Arábia Saudita jamais aceitou considerar os seus pequenos vizinhos como tais. 

- Mesmo que todos os Estados solicitados não deixem de participar, desde que Washington providencie treino e material, menos prosseguirão em caso de conflito, como se tem visto no Iémene.

A região mudou muito desde a Guerra Fria e o Pacto de Bagdade. À época, esta organização militar anti-soviética era liderada pelo Reino Unido apoiando-se no Irão (Irã-br).

Mais a sério, a criação desta aliança permitiria aos Estados Unidos prosseguir as suas vendas de armas na região, sem ter que aí desencadear uma nova guerra.

A termo, esta aliança poderia ser utilizada para fazer pressão não apenas sobre o Irão, mas também sobre a Turquia.

Voltaire.net.org | Tradução Alva

Terra corre o risco de virar "estufa" mesmo com redução de emissões


Ainda que o Acordo de Paris seja implementado com sucesso, temperatura global pode aumentar até cinco graus, alertam cientistas. Cenário tornaria partes do mundo inabitáveis e inundaria cidades como Veneza e Nova York.

Mesmo que a humanidade reduza as emissões de gases de efeito estufa em linha com o Acordo de Paris sobre o clima, o mundo ainda corre o risco de entrar em estado de "estufa", alertou um grupo internacional de cientistas climáticos em estudo divulgado nesta segunda-feira (06/08).

Segundo a pesquisa, publicada na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences(PNAS), a temperatura média da Terra pode chegar, nesse cenário, a entre 4 ou 5 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais, em vez de 1,5 a 2 graus previstos no pacto firmado por quase 200 países.

"As emissões humanas de gases de efeito estufa não são o único fator determinante da temperatura na Terra", explicou Will Steffen, principal autor do estudo, que contou com pesquisadores da Alemanha, Austrália, Dinamarca e Suécia.

Segundo Steffen, a pesquisa sugere que "o aquecimento global de 2 graus Celsius causado pelo homem pode desencadear outros processos no sistema da Terra, frequentemente chamados de 'feedbacks', que podem levar a um aquecimento ainda maior – mesmo se pararmos de emitir gases de efeito estufa".

Os cientistas chamam esse cenário climático de "Terra estufa". Além do aumento da temperatura, o nível do mar subiria de 10 a 60 metros, inundando inúmeras ilhas e cidades costeiras, como Veneza, Nova York, Tóquio e Sydney. Segundo o estudo, esses grandes centros populacionais teriam que ser abandonados.

Durante a pesquisa, os cientistas analisaram o sistema climático de um mundo 2 graus mais quente por meio de vários modelos. Com isso, descobriram que o aquecimento registrado até agora e os aumentos de temperatura nas próximas décadas podem transformar algumas das forças naturais da Terra, que atualmente protegem a humanidade, em inimigos.

Todos os anos, por exemplo, as florestas, os oceanos e o solo do planeta absorvem cerca de 4,5 bilhões de toneladas de carbono. Esses gases, porém, se forem liberados na atmosfera, aumentarão as temperaturas.

Enquanto o mundo vive uma tendência de aquecimento, esses sumidouros de carbono podem se tornar fontes desse gás e piorar significativamente os problemas da mudança climática, alertam os pesquisadores.

Portanto – seja o permafrost, que hoje abriga milhões de toneladas de gases de efeito estufa, ou a floresta amazônica – o medo é que, quanto mais a Terra se aproxima dos 2 graus Celsius de aquecimento acima dos níveis pré-industriais, maiores são as chances de esses aliados liberarem mais carbono do que atualmente absorvem.

"Esses elementos podem potencialmente agir como um efeito dominó. Quando um é empurrado, ele empurra a Terra para outro. Pode ser muito difícil ou até mesmo impossível impedir que toda a fileira de dominós desabe", afirmou Johan Rockström, que também participou da pesquisa.

"O planeta então se aqueceria a um ritmo acelerado – mesmo que os humanos parassem completamente de produzir gases de efeito estufa. Locais na Terra se tornarão inabitáveis se a 'Terra estufa' se tornar realidade", alertou Rockström.

Acordo de Paris é inútil?

Em 2016, 197 países assinaram o chamado Acordo de Paris, comprometendo-se a limitar o aumento da temperatura global a 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais e a se esforçar para mantê-lo abaixo de 1,5 grau.

Para Joachim Schellnhuber, co-autor do estudo, não está claro se a meta será suficiente para evitar uma catástrofe climática. "Ainda não sabemos se o sistema climático pode ser 'estacionado' com segurança em 2 graus", afirmou.

Isso não significa que o pacto climático seja inútil e deva ser abandonado – como fez o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em junho de 2017, quando anunciou a saída do segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo do acordo.

"A implementação completa do Acordo de Paris, ao seguir um caminho de rápida descarbonização através da transformação socioeconômica, minimiza o risco de desencadear essa mudança climática que se amplifica por si própria", disse à DW Jonathan Donges, que também participou do estudo.

O cientista enfatizou que cumprir as metas de Paris – ou melhor, visar metas ainda mais ambiciosas – continua sendo a "melhor estratégia que se conhece" para evitar um estado climático de estufa na Terra. Mas muito mais do que isso precisa ser feito, alertam os pesquisadores.

A humanidade precisa proteger o ecossistema como um todo, criar sumidouros de carbono mais naturais, parar o desmatamento, consumir menos, controlar o crescimento populacional, investir em tecnologias que extraem gás carbônico da atmosfera, entre outras medidas. Para Donges, evitar uma catástrofe climática exigirá também "valores sociais transformados".

"Mensagem positiva"

Apesar das conclusões desanimadoras, a cientista Katherine Richardson, da Universidade de Copenhage, afirmou que a pesquisa não está tentando apresentar um cenário apocalíptico sem esperanças.

"Acredito que nosso estudo traz uma incrível mensagem positiva", afirmou ela à DW, acrescentando que uma ação real contra as mudanças climáticas exige uma maior conscientização sobre seus possíveis efeitos.

"O que estamos fazendo de fato é entender melhor nosso papel no sistema da Terra e agir adequadamente", disse Richardson. "Estaríamos ferrados se não reconhecêssemos o fato de que não estamos fazendo o suficiente."

EK/dw/afp/rtr/ots | Deutsche Welle

Inteligência alemã alerta para radicalização de crianças


Chefe alemão de inteligência chama de "alarmante" a radicalização de crianças muçulmanas, após relatório apontar que jovens estão sendo doutrinados cada vez mais cedo. Conservadores querem vigilância antes dos 14 anos.

Crianças que crescem em famílias muçulmanas fundamentalistas na Alemanha representam uma "ameaça potencial considerável", afirmou nesta segunda-feira (06/08) o presidente do Departamento de Proteção à Constituição da Alemanha (BfV, na sigla em alemão), Hans-Georg Maassen.

Um novo relatório do BfV, divulgado por jornais do grupo de mídia Funke, alertou haver sinais de que a "radicalização de menores e jovens adultos" está se tornando mais comum e ocorrendo cada vez mais rápido e mais cedo.

As crianças em algumas dessas famílias são "educadas desde o nascimento com uma visão de mundo extremista que legitima a violência contra outros e deprecia aqueles que não fazem parte de seu grupo", segundo as conclusões do serviço de inteligência alemão.

Os especialistas acreditam que, na Alemanha, haja um "número de três dígitos" de famílias islâmicas radicalizadas com várias centenas de crianças.

O relatório do BfV aponta ainda que a ameaça parte não só de famílias que viajaram para zonas em guerra no Oriente Médio, mas também daquelas que permanecem na Alemanha.

Em entrevista ao Funke, Maassen advertiu que o que ele descreveu como socialização jihadista das crianças em curso no país é "alarmante" e pode representar um desafio significativo para as autoridades nos próximos anos.

As conclusões do BfV levaram políticos da União Democrata Cristã (CDU), partido da chanceler federal alemã, Angela Merkel, a pressionarem por uma nova redução da idade mínima para a vigilância de crianças – em 2016, o limite caiu de 16 para 14 anos.

"Não se trata de criminalizar menores de 14 anos, mas de evitar ameaças significativas ao nosso país, como o terrorismo islâmico, que também tem crianças como alvo", afirmou o deputado Patrick Sensburg, da CDU, ao grupo Funke.

Stephan Mayer, um porta-voz da União Social Cristã (CSU), partido irmão da CSU, defendeu que tal medida seria para proteger as crianças afetadas, afirmando que pessoas muito jovens viajaram para regiões em crise na Síria e no Iraque para se juntar ao jihadismo.

Legendas como A Esquerda e o Partido Verde se disseram contrários a permitir a vigilância de menores de 14 anos, medida que também foi condenada por entidades de direitos humanos.

A organização humanitária alemã Humanist Union (HU) disse ser irracional considerar crianças uma ameaça à ordem constitucional democrática, uma vez que "suas ideias e opiniões ainda não estão totalmente desenvolvidas e estão sujeitas a mudanças".

"Colocar crianças sob vigilância é, portanto, uma violação maciça de seus direitos fundamentais", afirmou Martin Kutscha, membro do conselho da HU, à DW.

No ano passado, o chefe da BfV já havia expressado preocupação com potenciais repatriados, especialmente com menores de idade que partiram com seus pais para as zonas de combate.

"Vemos o perigo de que os filhos de jihadistas retornem das regiões de combate para a Alemanha, socializados no islã e doutrinados nesse sentido", advertira Maassen em meados de novembro. "Assim, uma nova geração de jihadistas também poderia crescer aqui."

De acordo com o BfV, mais de 950 radicais islâmicos partiram da Alemanha para a Síria e o Iraque até o final do ano passado. Um quinto deles seriam mulheres, e 5% menores de idade, informou o órgão, acrescentando que por volta de um terço desses radicalizados já teria retornado ao país.

Em dezembro passado, o serviço secreto doméstico alemão calculou haver na Alemanha um total de 1.870 radicais islâmicos violentos.

EK/afp/dpa/dw

Os conceitos que nos faltam – Boaventura


Direitos Humanos, Democracia, Paz e Progresso terão se transformado em biombos para ocultar um mundo cada vez mais desigual, violento e alienado? Mas como superá-los?

Boaventura de Sousa Santos | Outras Palavras | Imagem: Linda Ramsay, Homem, Lua, Binóculos

Os seres humanos, ao contrário dos pássaros, voam com raízes. Parte das raízes estão nos conceitos que herdamos para analisar ou avaliar o mundo em que vivemos. Sem eles, o mundo pareceria caótico, uma incógnita perigosa, uma ameaça desconhecida, uma jornada insondável.

Os conceitos nunca retratam exactamente as nossas vivências, até porque estas são muito mais diversas e mutantes que as que servem de base aos conceitos dominantes. Estes são, afinal, os conceitos que servem os interesses dos grupos social, política, econômica e culturalmente dominantes, ainda que matizados pelas modificações que lhes vão sendo introduzidas pelos grupos sociais que resistem à dominação. Estes últimos nem sempre recorrem exclusivamente a esses conceitos. Muitas vezes dispõem de outros que lhes são mais próximos e verdadeiros, mas reservam-nos para consumo interno. No entanto, no mundo de hoje, sulcado por tantos contactos, interações e conflitos, não podem deixar de tomar em conta os conceitos dominantes, sob o risco de verem as suas lutas ainda mais invisibilizadas ou mais cruelmente reprimidas. Por exemplo, os povos indígenas e os camponeses não dispõem do conceito de meio ambiente, porque este reflete uma cultura (e uma economia) que não é a deles. Só uma cultura que separa em termos absolutos a sociedade da natureza, de modo a pôr esta à disposição incondicional daquela, precisa de tal conceito para dar conta das consequências potencialmente nefastas (para a sociedade) que de tal separação podem resultar. Em suma, só uma cultura (e uma economia) que tende a destruir o meio ambiente precisa do conceito de meio ambiente.

Em verdade, ser dominado ou subalterno significa antes de tudo não poder definir a realidade em termos próprios, com base em conceitos que reflitam os seus verdadeiros interesses e aspirações. Os conceitos, tal como as regras do jogo, nunca são neutros e existem para consolidar os sistemas de poder, sejam estes velhos ou novos. Há, no entanto, períodos em que os conceitos dominantes parecem particularmente insatisfatórios ou imprecisos. São-lhes atribuídos com igual convicção ou razoabilidade significados tão opostos, que, de tão ricos de conteúdo, mais parecem conceitos vazios. Este não seria um problema de maior se as sociedades pudessem facilmente substituir esses conceitos por outros mais esclarecedores ou condizentes com as novas realidades. A verdade é que os conceitos dominantes têm prazos de validade insondáveis, quer porque os grupos dominantes têm interesse em mantê-los para disfarçar ou legitimar melhor a sua dominação, quer porque os grupos sociais dominados ou subalternos não podem correr o risco de deitar fora o bebê com a água do banho. Sobretudo quando estão a perder, o medo mais paralisante é perder tudo. Penso que vivemos um período com estas características. Paira sobre ele uma contingência que não é resultado de nenhum empate entre forças antagônicas, longe disso. Mais parece uma pausa à beira do abismo e a olhar para trás.

Os grupos dominantes nunca sentiram tanto poder nem nunca tiveram tão pouco medo dos grupos dominados. A sua arrogância e ostentação não têm limites. No entanto, têm um medo abissal do que ainda não controlam, uma apetência desmedida por aquilo que ainda não possuem, um desejo incontido de prevenirem todos os riscos e terem apólices contra todos eles. No fundo, suspeitam serem menos definitivamente vencedores da história quanto pretendem, serem senhores de um mundo que se pode virar contra eles a qualquer momento e de forma caótica. Esta fragilidade perversa, que os corrói por dentro, fá-los temer pela sua segurança como nunca, imaginam obsessivamente novos inimigos, e sentem terror ao pensar que, depois de tanto inimigo vencido, são eles, afinal, o inimigo que falta vencer.

Por sua vez, os grupos dominados nunca se sentiram tão derrotados quanto hoje, as exclusões abissais de que são vítimas parecem mais permanentes do que nunca, as suas reivindicações e lutas mais moderadas e defensivas são silenciadas, trivializadas pela política do espectáculo e pelo espectáculo da política, quando não envolvem riscos potencialmente fatais. E, no entanto, não perdem o sentido fundo da dignidade que lhes permite saber que estão a ser tratados indignamente e imerecidamente. Que melhores dias terão de vir. Não se resignam, porque desistir pode ser-lhes fatal. Apenas sentem que as armas de luta não estão calibradas ou não são renovadas há muito; sentem-se isolados, injustiçados, carentes de aliados competentes e de solidariedade eficaz. Lutam com os conceitos e as armas que têm mas, no fundo, não confiam nem nuns nem noutras. Suspeitam que enquanto não tiverem confiança para criar outros conceitos e inventar outras lutas correrão sempre o risco de serem inimigos de si mesmos.

Tal como tudo o resto, os conceitos estão à beira do abismo e olham para trás. Menciono, a título de exemplo, um deles: direitos humanos.

Nos últimos cinquenta anos os direitos humanos transformaram-se na linguagem privilegiada da luta por uma sociedade melhor, mais justa, menos desigual e excludente, mais pacífica. Tratados e convenções internacionais existentes sobre os direitos humanos foram sendo fortalecidos por novos compromissos no plano das relações internacionais e do direito constitucional, ao mesmo tempo que o elenco dos direitos se foi ampliando de modo a abranger injustiças ou discriminações anteriormente menos visíveis (direitos dos povos indígenas e afro-descendentes, mulheres, LGBTI; e direitos ambientais, culturais, etc.). Movimentos sociais e organizações não-governamentais foram-se multiplicando ao ritmo das mobilizações de base e dos incentivos de instituições multilaterais. Em pouco tempo, a linguagem dos direitos humanos passou a ser a linguagem hegemônica da dignidade, uma linguagem consensual, eventualmente criticável por não ser suficientemente ampla, mas nunca impugnável por algum defeito de origem.

Claro que se foi denunciando a distância entre as declarações e as práticas e a duplicidade de critérios na identificação das violações e nas reações contra elas, mas nada disso abalou a hegemonia da nova literacia da convivência humana. Cinquenta anos depois, qual é o balanço desta vitória? Vivemos hoje numa sociedade mais justa, mais pacífica? Longe disso, a polarização social entre ricos e pobres nunca foi tão grande, guerras novas, novíssimas, regulares, irregulares, civis, internacionais continuaram a ser travadas, com orçamentos militares imunes à austeridade, e a novidade é que morrem nelas cada vez menos soldados e cada vez mais populações civis inocentes: homens, mulheres e, sobretudo, crianças. Em consequência delas, do neoliberalismo global e dos desastres ambientais, nunca como hoje tanta gente foi forçada a deslocar-se das regiões ou dos países onde nasceu, nunca como hoje foi tão grave a crise humanitária. Mais trágico ainda é o facto de muitas das atrocidades cometidas e atentados contra o bem-estar das comunidades e dos povos terem sido perpetrados em nome dos direitos humanos.

Claro que houve conquistas em muitas lutas, e muitos ativistas de direitos humanos pagaram com a vida o preço da sua entrega generosa. Acaso eu não me considerei e considero um ativista de direitos humanos? Acaso não escrevi livros sobre as concepções contra-hegemônicas e interculturais de direitos humanos? Apesar disso, e perante uma realidade cruel que só não salta aos olhos dos hipócritas, não será tempo de repensar tudo de novo? Afinal, a vitória dos direitos humanos foi uma vitória de quê e de quem? Foi a derrota de quê e de quem? Terá sido coincidência que a hegemonia dos direitos humanos se acentuou com a derrota histórica do socialismo simbolizada na queda do Muro de Berlim? Se todos concordam com a bondade dos direitos humanos, ganham igualmente com tal consenso tanto os grupos dominantes como os grupos dominados? Não terão sido os direitos humanos uma armadilha para centrar as lutas em temas setoriais, deixando intacta (ou até agravando) a dominação capitalista, colonialista e patriarcal? Não se terá intensificado a linha abissal que separa os humanos dos sub-humanos, sejam eles negros, mulheres, indígenas, muçulmanos, refugiados, imigrantes indocumentados? Se a causa da dignidade humana, nobre em si mesma, foi armadilhada pelos direitos humanos, não será tempo de desarmar a armadilha e olhar para o futuro para além da repetição do presente?

Estas são perguntas fortes, perguntas que desestabilizam algumas das nossas crenças mais enraizadas e das práticas que sinalizam o modo mais exigentemente ético de sermos contemporâneos do nosso tempo. São perguntas fortes para as quais apenas temos respostas fracas. E o mais trágico é que, com algumas diferenças, o que acontece com os direitos humanos acontece com outros conceitos igualmente consensuais. Por exemplo, democracia, paz, soberania, multilateralismo, primado do direito, progresso. Todos estes conceitos sofrem o mesmo processo de erosão, a mesma facilidade com que se deixam confundir com práticas que os contradizem, a mesma fragilidade perante inimigos que os sequestram, cooptam e transformam em instrumentos dóceis das formas mais arbitrárias e repugnantes de dominação social. Tanta desumanidade e chauvinismo em nome da defesa dos direitos humanos, tanto autoritarismo, desigualdade e discriminação transformados em normal exercício da democracia, tanta violência e apologia bélica para garantir a paz, tanta pilhagem colonialista dos recursos naturais, humanos e financeiros dos países dependentes com o respeito protocolar da soberania, tanta imposição unilateral e chantagem em nome do novo multilateralismo, tanta fraude e abuso de poder sob a capa do respeito das instituições e do cumprimento da lei, tanta destruição arbitrária da natureza e da convivência social como preço inevitável do progresso!

Nada disto tem de ser inevitavelmente assim e para sempre. A mãe de toda esta confusão, induzida por quem beneficia dela, de toda esta contingência disfarçada de fatalismo, de toda esta paragem vertiginosa à beira do abismo reside na erosão bem urdida, nos últimos cinquenta anos, da distinção entre ser de esquerda e ser de direita, uma erosão levada a cabo com a cumplicidade de quem mais seria prejudicado por ela. Foi por via dessa erosão que desapareceram do nosso vocabulário político as lutas anti-capitalistas, anti-colonialistas, anti-fascistas, anti-imperialistas. Concebeu-se como passado superado o que afinal era o presente mais do que nunca determinado a ser futuro. Nisto consistiu estar no abismo a olhar para trás, confiante que o passado do futuro nada tem a ver com o futuro do passado. Esta a maior monstruosidade do tempo presente.

Portugal | O abandono de Santana Lopes


Ana Alexandra Gonçalves* | opinião

O que dizer quando parte da mediocridade salta fora do barco? O resto da mediocridade fica mais pobre ou mais rica sem essa parcela de mediocridade que a abandonou? Estas questões retóricas servem para se pensar a saída de Santana Lopes do PSD. Sim, ele por ali ainda andava, apesar de andar a ameaçar a criação de um outro partido liberal há muito tempo, há demasiado tempo.

Assim, o ex-candidato à liderança do PSD, em carta, crítica a aproximação do PSD ao PS e deixa-se de ameaças, saltando fora do partido.

Este abandono terá provavelmente como consequência a tal criação de um novo partido liberal que, segundo algumas sondagens, conta com menos 2 por cento das intenções de voto dos eleitores.

Santana Lopes é um resistente: resiste às derrotas, resiste à mudança dos tempos, mas não resiste à tentação de criar um partido que tenha o seu rosto, apenas o seu rosto.

Em resumo, a notícia não surpreende nem constituí sequer motivo de preocupação na perspectiva da actual liderança do PSD. Ele anda por aí – isso já todos sabemos. Ele é um animador desta silly season – isso ficámos agora a saber.

*Ana Alexandra Gonçalves | Triunfo da Razão

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Fogo “come” região de Monchique. Jornais “comem” os artigos definidos. Podem?


Não se entendeu ainda se a moda que vimos na comunicação social de “comer” os artigos definidos, por exemplo, vai pegar. Que ela (a moda) está a alastrar é um facto e constata-se aqui e ali. Pode não ser o caso do Curto que vem mais em baixo. Mas está a acontecer.

O melhor é lembrar que o português é uma língua riquíssima que estão a estragar. Primeiro com o pernicioso Acordo Ortográfico e agora com mais esta. Reparem bem porque de vez em quando damos por falta dos artigos definidos nas notícias e não achamos nada que corresponda a umas “gralhas” mas sim a opção dos que escrevem as notícias, parece que de categoria profissional de jornalistas. É que esses jornais e revistas dos grandes grupos económicos andam a fazer disso e não são uns pobres blogues (como o PG e outros que são pura carolice). Têm responsabilidades em diversos aspetos. Também no modo como escrevem o português. Ponto.

Em cima foi só um aparte. O tema é o fogo em Monchique. Depois de “estar quase “acabado” eis que regressa. Depois de tanta luta de mais de um milhar de contendores nas diversas frentes, eis que o fogo reacende. E hoje há muito vento, para piorar tudo. Baixaram as temperaturas mas o vento trama tudo. Todo o esforço dos bombeiros foi gorado e já há algumas horas que tudo voltou ao mesmo. Também os moradores na região estão com os coração repletos de negritude e de medos. Já se registaram alguns feridos, só um mesmo com gravidade, mas a maior ferida neste momento é a frustração de terem visto o fogo dominado e quase extinto numa vasta região e agora voltou tudo ao mesmo. Monchique está novamente ameaçada por aquele gigante em chamas. Chamas que estão muito perto das ruas e das casas…

Não se pode, neste caso, dizer o costumeiro “seja o que os deuses quiserem”. Não. Porque nada garante que esses estejam pelos ajustes de não queimar tudo em redor da zona habitacional. O que há a fazer é lutar, lutar sempre, como em tudo. Viu-se hoje que a luta anterior foi inglória mas nada mais há a fazer de recomendável para além de lutar contra o fogo. Que a força e o ânimo esteja com os soldados da paz, os militares e outros que apoiam aquela luta e se aplicam a proteger os habitantes da região, reconduzindo-os para lugares seguros, assim como os turistas que ainda por lá restam.

Força, homens e mulheres tão sacrificados. Força. Muito obrigado. (MM | PG)

Bom dia este é o seu Expresso Curto

Na primeira prova de fogo mostrámos a nossa impotência

Rui Gustavo | Expresso

Primeiro foi o calor extremo, agora é o vento forte: o incêndio de Monchique continua incontrolável pelo quinto dia consecutivo. Ontem, a meio da tarde, chegou a estar perto de ser declarado extinto, mas durante a noite e a madrugada entrou no perímetro urbano de Monchique, obrigando à evacuação de centenas de pessoas em várias aldeias. Hoje de manhã a situação é dramática e apesar de descida acentuada da temperatura, o vento forte é agora o inimigo. Já arderam 20 mil hectares de floresta, há casas destruídas e 29 pessoas ficaram feridas. As chamas ameaçaram o quartel dos bombeiros e o convento de Nossa Senhora do Desterro. Mais de mil homens combatem as chamas, alguns em condições muito precárias, como o Expresso Diário denunciou ontem, noticiando o facto de haver bombeiros que combatem o fogo a dormir no chão .

O mais impressionante ou chocante de tudo isto é que estava, literalmente, escrito nas estrelas: antes do verão um estudo universitário identificava a zona de Monchique como aquela onde era mais provável que ocorressem grandes incêndios. Ainda em choque com as tragédias de Pedrógão e do Pinhal Interior - morreram mais de cem pessoas há menos de um ano, não podemos esquecer - o Governo anunciou um esforço nunca visto para prevenir e combater os incêndios. Nunca se limpou tanta mata e vegetação; os meios, ainda que insuficientes, também nunca terão sido tantos e, no entanto, à primeira prova de fogo continuamos a mostrar a nossa impotência.

É verdade que os fogos, como o vento e o calor, são inevitáveis. Mas há muito trabalho por fazer, a especialização das equipas e a profissionalização dos bombeiros, defendida pelas equipas de trabalho que analisaram os grandes fogos do ano passado ainda está por realizar e ainda não foi encontrada uma forma de interiorizar que o combate aos fogos se faz durante o ano todo. A associação de bombeiros profissionais vai pedir uma audiência ao ministro Eduardo Cabrita para tentar perceber porque é que cinco dias ainda não foram suficientes para extinguir o fogo. E o verão ainda está a meio.

O fogo está nas primeiras páginas de todos os jornais de hoje que ajudam a perceber o que ainda está mal. O Público noticia: "Plano de gestão para Monchique parado há sete meses". Um projeto estruturante para Perna Negra, precisamente onde o fogo começou, está na gaveta à espera de aprovação perante a incompreensão da Associação de Produtores Florestais. Estavam previstos caminhos e pontos de água para combater os fogos. Parece simples. O Correio da Manhã publica uma foto impressionante das chamas a cercar Monchique e o JN, mais pessimista, descreve um "Inferno sem fim à vista". No I, um problema: "173 chamadas sem resposta" para o 112, no domingo. De acordo com este jornal, amanhã, quinta e sexta "meio país será atendido por apenas três pessoas".É um ponto fraco. No DN, a rendição: "Fizemos tudo o que devíamos e perdemos tudo na mesma". No Expresso Diário, o fim: "Não ficou nada para contar a história".

No dia 7 de agosto de 1794 realizou-se em Lisboa o último auto-de-fé da inquisição. As chamas eram então alegóricas, pintadas em barris onde os condenados à morte eram sufocados com um garrote. O último condenado escapou à morte, tendo sido condenado a uma pena de prisão por ter insultado a igreja. As chamas reais não são tão misericordiosas.

OUTRAS NOTÍCIAS

O presidente americano Donald Trump admitiu que o filho, Trump Jr, se encontrou há dois anos com uma advogada russa ligada ao Kremlin para obter informações sobre a então adversária na corrida à Casa Branca, Hilary Clinton. Antes tinha dito que o encontro se destinava a discutir a adoção de órfãos russos. A realidade é menos fofa.

Os Estados vão voltar a impor sanções ao Irão, medida já aplaudida por Israel que elogiou a coragem de Trump.

Prossegue o verão, ou melhor,o ano quente do Sporting: Bruno de Carvalho entrega hoje a lista de candidatura à presidência do clube. A lista é encabeçada por um testa de ferro assumido,Erik Kurgy, que já disse que entregará o poder a Bruno de Carvalho caso a lista vença as eleições. O presidente da Assembleia Geral, Jaime Marta Soares, foi obrigado pelo tribunal a receber a lista, mas já avisou que receber é uma coisa e aceitar é outra. Bruno de Carvalho está suspenso de sócio, mas mesmo assim não desiste de voltar à presidência do clube.

Na Indonésia, um novo tremor de terra já matou 98 pessoas e obrigou à evacuação de milhares de turistas. Há vinte portugueses que saíram da ilha de Gili, mas ainda estão em Lombok. A previsão de um tsunami provocou o pânico mas mostrou-se exagerada.

Amanhã é dia de São Receber para cerca de um milhão e meio de pensionistas. O aumento extraordinário das pensões prometido pelo Governo vai ser cumprido mas, pelas contas feitas pela Sónia M. Lourenço, só vai chegar a um máximo de cinco euros brutos para um escasso número de pessoas. A maioria dos aumentos ficará abaixo desta quantia.

O Benfica joga hoje com o Fenerbahçe Spor Kulubulu o acesso ao playoff de acesso à Liga dos Campeões. O jogo é às oito (uma inovação da Liga para esta temporada) e julgo que será a primeira vez que a Benfica TV transmite um jogo da Champions. O acesso à fase de grupos vale, por si só, 15,2 milhões de euros. Cada vitória valerá 2,7 milhões e o empate 900 mil euros. A derrota ainda não é premiada. O Benfica, que na última época fez uma campanha trágica na Liga dos Campeões, não vai poder contar com o goleador Jonas, o melhor jogador das últimas épocas que estará lesionado e emocionalmente pouco disponível depois de um convite milionário do Al-Hilal treinado por Jorge Jesus, antigo campeão pelo Benfica.Os turcos são uma boa equipa, como explica o Tiago Teixeira.

A notícia não é de hoje, mas é bizarra demais para a ignorar: Steven Seagal, ator americano especializado em filmes de ação (porrada talvez seja a palavra que melhor descreve o enredo das fitas protagonizadas por este astro ) foi nomeado pelo Governo russo como representante diplomático para a área humanitária. O ator, que é neto de russos, é admirador do presidente Vladimir Putin e tem nacionalidade russo. Este episódio comprova a visão política dos extintos Gato Fedorento que em plena era Troika sugeriram que a solução para a crise passaria por contratar a estrela de “Força em Alerta 2” para dar uma coça ao então primeiro ministro Passos Coelho e ao vice, Paulo Portas.

Começa hoje a 22ª edição do Meo Sudoeste. Pela Zambujeira do Mar já passaram bandas como os Portishead, PJ Harvey, Sonic Youth, Blur ou Suede. Agora é outra coisa.

FRASES

"Um amigo meu disse-me que há uma desorganização total"
Fernando Curto, da Associação de Bombeiros profissionais, sobre o combate ao fogo de Monchique

"Estou em contacto permanente"
António Costa, primeiro-ministro de férias e ligado ao twitter, sobre o combate ao fogo

"Portugal aprendeu com Pedrógão"
Marcelo Rebelo de Sousa, otimista

"Foi legal e não sabia de nada"
Donald Trump, no twitter, sobre o encontro do filho com uma advogada russa

O QUE EU ANDO A LER

Espião na primeira pessoa
Sam Shepard

O último livro do dramaturgo e ator americano começou por ser escrito à mão porque Shepard, afetado pela esclerose lateral amiotrófica, já não tinha forças para escrever à máquina, como sempre fazia. Foi depois ditado para um gravador e por fim foi ditado às duas irmãs de Sam Shepard que se encarregaram de o publicar. A versão final ainda seria revista pela cantora Patti Smith, amiga e ex-namorada do escritor que ganhou um pulitzer em 1979 com a peça “Buried Child” e foi nomeado para um Óscar da Academia pelo filme “Os Eleitos” . O livro é uma espécie de auto biografia ficcional feita através de postais poéticos que prenunciam a morte. Shepard observa um velho num alpendre que, depois percebe, é ele mesmo. Não é o melhor livro do americano mas nem todos temos a hipótese de escrever o próprio epitáfio. “O que é isso que faz alguém deixar-se afundar, que faz alguém sentir que não vai vencer, que nunca vai superar alguma coisa? Não sei o que é. Monotonia. A mesma coisa.”

Monstress
Marjorie Liu e Sana Takeda

Banda desenhada de uma dupla feminina (uma raridade) é um festival gráfico e uma história terrível e bela que mistura fantasia, extra terrestres, escravidão e canibalismo. Ainda assim é recomendável para jovens entre os 13 e os 99 anos. Em Portugal foram publicados dois volumes da série que ganhou o prémio Esiner (uma espécie de óscares da Banda Desenhada) para a melhor série e o melhor argumento, sendo a primeira vez que uma mulher ganha este último. Cada vez mais isto vai deixando de ser notícia.

A Gaivota, de Anton Tchekhov
Michael Mayer

É mais o que ando a ver: filme americano baseado numa das peças essenciais do mestre russo, é, para além de um agora raro exercício de inteligência, uma oportunidade para duas atrizes de primeira água: Annette Bening, no papel da diva Irina e Elisabeth Moss, a atriz de “Handmaid’s Tale, que interpreta a desorientada Masha. Filme raro sobre a tragédia de amar sem esperança.

Por hoje é tudo. O combate ao fogo e outras notícias vão estar no Expresso e no Expresso diário. O calor abrandou, está frio lá fora e já temos mais uma razão para nos queixarmos.

Portugal | A Direita a marchar torto


Paulo Baldaia* | Jornal de Notícias | opinião

A saída de Santana Lopes do PSD para criar um novo partido e a intempestiva entrevista de Pedro Duarte preocupam mais a direita que não gosta de Rui Rio do que os sociais-democratas que apoiam o ex-autarca do Porto.

Pudera! O partido "popular" de Santana rouba mais espaço ao putativo "tea party" dos colunistas do "Observador" do que ao PSD. E uma eventual liderança do ex-diretor de campanha de Marcelo implica o Palácio de Belém a um nível que basta a António Costa vencer com minoria para mandar totalmente na agenda política do país. O líder socialista agradece tanta atenção. Todos acusam Rio de estar demasiado colado a Costa, mas todos trabalham a favor das expectativas do PS.

Chega a ser ternurenta a forma como tanta gente tenta impedir Rio de chegar às Legislativas. Não há, nem houve em nenhum momento da Legislatura, uma sondagem que permita dizer com o mínimo de honestidade que é possível o PS perder o poder mas, ainda assim, exigem a Rio que ganhe as eleições. O que eles querem é voltar a fazer a lista de deputados para os quatro anos seguintes.

Os que lá estão no Parlamento, e que gostavam de repetir o lugar, não se entusiasmaram nem com o partido de Santana nem com a disponibilidade do ex-líder da Jota para avançar. Uma disponibilidade que só é efetiva se alguém limpar a mata por onde é preciso fazer o caminho. Por agora, não há quem faça o trabalho, está tudo a banhos.

A Direita, que se afirma orgulhosamente de Direita mas quer os votos da social-democracia para tomar o poder, já fez saber que está zangada com Marcelo por estar muito colado a Costa e não gosta de Rio por estar muito colado a Costa. É uma Direita que vale a pena ir lendo no "Observador". São órfãos de pai desconhecido. O que mais os chateia é o facto de não aparecer ninguém com carisma para cavalgar aquele projeto jornalístico/político.

Já não lhes chega um pequeno partido como da última vez em que tiveram um projeto jornalístico. Havia Portas e estiveram no Governo com Durão, Santana e Passos. Mas no "Observador" não há nenhum Paulo Portas. Nem sequer um Manuel Monteiro para fazer de lebre.

*Jornalista

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