Ainda que o Acordo de Paris seja
implementado com sucesso, temperatura global pode aumentar até cinco graus,
alertam cientistas. Cenário tornaria partes do mundo inabitáveis e inundaria cidades
como Veneza e Nova York.
Mesmo que a humanidade reduza as
emissões de gases de efeito estufa em linha com o Acordo de Paris sobre o
clima, o mundo ainda corre o risco de entrar em estado de "estufa",
alertou um grupo internacional de cientistas climáticos em estudo divulgado
nesta segunda-feira (06/08).
Segundo a pesquisa, publicada na
revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences(PNAS),
a temperatura média da Terra pode chegar, nesse cenário, a entre 4 ou 5 graus
Celsius acima dos níveis pré-industriais, em vez de 1,5 a 2 graus previstos no
pacto firmado por quase 200 países.
"As emissões humanas de
gases de efeito estufa não são o único fator determinante da temperatura na
Terra", explicou Will Steffen, principal autor do estudo, que contou com
pesquisadores da Alemanha, Austrália, Dinamarca e Suécia.
Segundo Steffen, a pesquisa sugere
que "o aquecimento global de 2 graus Celsius causado pelo
homem pode desencadear outros processos no sistema da Terra,
frequentemente chamados de 'feedbacks', que podem levar a um aquecimento ainda
maior – mesmo se pararmos de emitir gases de efeito estufa".
Os cientistas chamam esse cenário
climático de "Terra estufa". Além do aumento da temperatura, o nível
do mar subiria de 10 a 60 metros, inundando inúmeras ilhas e cidades costeiras,
como Veneza, Nova York, Tóquio e Sydney. Segundo o estudo, esses grandes
centros populacionais teriam que ser abandonados.
Durante a pesquisa, os cientistas
analisaram o sistema climático de um mundo 2 graus mais quente por meio de
vários modelos. Com isso, descobriram que o aquecimento registrado até agora e
os aumentos de temperatura nas próximas décadas podem transformar algumas das
forças naturais da Terra, que atualmente protegem a humanidade, em inimigos.
Todos os anos, por exemplo, as
florestas, os oceanos e o solo do planeta absorvem cerca de 4,5 bilhões de
toneladas de carbono. Esses gases, porém, se forem liberados na atmosfera,
aumentarão as temperaturas.
Enquanto o mundo vive uma
tendência de aquecimento, esses sumidouros de carbono podem se tornar fontes
desse gás e piorar significativamente os problemas da mudança climática,
alertam os pesquisadores.
Portanto – seja o permafrost, que
hoje abriga milhões de toneladas de gases de efeito estufa, ou a floresta
amazônica – o medo é que, quanto mais a Terra se aproxima dos 2 graus Celsius
de aquecimento acima dos níveis pré-industriais, maiores são as chances de
esses aliados liberarem mais carbono do que atualmente absorvem.
"Esses elementos podem
potencialmente agir como um efeito dominó. Quando um é empurrado, ele empurra a
Terra para outro. Pode ser muito difícil ou até mesmo impossível impedir que
toda a fileira de dominós desabe", afirmou Johan Rockström, que também
participou da pesquisa.
"O planeta então se
aqueceria a um ritmo acelerado – mesmo que os humanos parassem completamente de
produzir gases de efeito estufa. Locais na Terra se tornarão inabitáveis se a
'Terra estufa' se tornar realidade", alertou Rockström.
Acordo de Paris é inútil?
Em 2016, 197 países assinaram o
chamado Acordo de Paris, comprometendo-se a limitar o aumento da temperatura
global a 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais e a se esforçar para
mantê-lo abaixo de 1,5 grau.
Para Joachim Schellnhuber,
co-autor do estudo, não está claro se a meta será suficiente para evitar uma
catástrofe climática. "Ainda não sabemos se o sistema climático pode ser
'estacionado' com segurança em 2 graus", afirmou.
Isso não significa que o pacto
climático seja inútil e deva ser abandonado – como fez o presidente dos Estados
Unidos, Donald Trump, em junho de 2017, quando anunciou a saída do segundo
maior emissor de gases de efeito estufa do mundo do acordo.
"A implementação completa do
Acordo de Paris, ao seguir um caminho de rápida descarbonização através da
transformação socioeconômica, minimiza o risco de desencadear essa mudança
climática que se amplifica por si própria", disse à DW Jonathan Donges,
que também participou do estudo.
O cientista enfatizou que cumprir
as metas de Paris – ou melhor, visar metas ainda mais ambiciosas – continua
sendo a "melhor estratégia que se conhece" para evitar um estado
climático de estufa na Terra. Mas muito mais do que isso precisa ser feito,
alertam os pesquisadores.
A humanidade precisa proteger o
ecossistema como um todo, criar sumidouros de carbono mais naturais, parar o
desmatamento, consumir menos, controlar o crescimento populacional, investir em
tecnologias que extraem gás carbônico da atmosfera, entre outras medidas. Para
Donges, evitar uma catástrofe climática exigirá também "valores sociais
transformados".
"Mensagem positiva"
Apesar das conclusões
desanimadoras, a cientista Katherine Richardson, da Universidade de Copenhage,
afirmou que a pesquisa não está tentando apresentar um cenário apocalíptico sem
esperanças.
"Acredito que nosso estudo
traz uma incrível mensagem positiva", afirmou ela à DW, acrescentando que
uma ação real contra as mudanças climáticas exige uma maior conscientização
sobre seus possíveis efeitos.
"O que estamos fazendo de
fato é entender melhor nosso papel no sistema da Terra e agir
adequadamente", disse Richardson. "Estaríamos ferrados se não
reconhecêssemos o fato de que não estamos fazendo o suficiente."
EK/dw/afp/rtr/ots | Deutsche Welle
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