Verde e Vermelho: surge um
movimento para reduzir as emissões de carbono enfrentando, ao mesmo tempo,
pobreza, desocupoção e desigualdade. Uma jovem deputada latina é seu símbolo
Naomi Klein, no Intercept
Brasil | Outras Palavras | Tradução: Cássia Zanon
Como muitos outros, fiquei
empolgada com a ousada liderança moral vinda de membros recém-eleitos do
Congresso norte-americano — como Alexandria Ocasio-Cortez, Ilhan Omar, Rashida
Tlaib e Ayanna Pressley — diante da crise climática em espiral e dos espantosos
ataques a migrantes desarmados na fronteira. Isso me fez pensar na diferença
crucial entre uma liderança que atua e uma liderança que fala sobre atuação.
Vou chegar ao New Deal Verde e
por que precisamos nos agarrar a essa corda salva-vidas com todas as forças.
Mas, antes disso, me acompanhe em uma visita à grandiosa política climática do
passado.
Era março de 2009, e as capas dos
heróis ainda estavam esvoaçando em clima de comemoração na Casa Branca depois
da histórica vitória eleitoral de Barack Obama. Todd Stern, o recém-nomeado
emissário do clima, contou a um grupo no Congresso que ele e seus colegas
negociadores precisavam abraçar seus super-heróis internos, salvando o planeta
do perigo existencial em cima da hora.
A mudança climática, disse ele,
pedia por “aquela velha sensibilidade das histórias em quadrinhos de se unir
diante de um perigo comum que ameaça a Terra. Porque é isso que temos aqui. Não
é um meteoro ou um invasor espacial, mas os danos ao nosso planeta, à nossa
comunidade, aos nossos filhos e aos filhos deles serão igualmente grandes. Não
podemos perder.”
Oito meses depois, na decisiva
cúpula climática das Nações Unidas em Copenhague, na Dinamarca, toda a
pretensão de super-heroísmo do governo Obama havia sido abandonada sem
cerimônia. Stern percorreu os corredores do centro de convenções como a Morte,
passando a foice em todas as propostas que resultariam em um acordo
transformador. Os EUA insistiram em uma meta que permitiria o aumento da
temperatura em 2ºC, apesar das objeções de muitos delegados africanos e ilhéus
do Pacífico que diziam que essa meta equivalia a um “genocídio” e levaria
milhões a morrerem em terra ou em barcos afundando. Foram derrubadas todas as
tentativas de tornar o acordo juridicamente vinculativo, optando por metas
voluntárias inexequíveis (como faria em Paris cinco anos depois).
Stern rejeitou categoricamente o argumento de que os países
ricos e desenvolvidos devem compensar os pobres por conscientemente lançar na
atmosfera o carbono que está aquecendo a Terra, usando, em vez disso, fundos
tão necessários para a proteção da mudança climática para forçar esses países a
se alinharem.
Como escrevi na época, o acordo de Copenhague – preparado a portas fechadas
com os países mais vulneráveis deixados de fora – equivalia a um “pacto sujo
entre os maiores emissores do mundo: eu finjo que vocês estão fazendo alguma
coisa em relação à mudança climática se vocês também fingirem que eu estou.
Combinado? Combinado.”
Quase nove anos depois, as
emissões globais continuam a subir, junto com as temperaturas médias, com
grandes áreas do planeta atingidas por tempestades recordes e causticadas por
incêndios sem precedentes. Os cientistas reunidos no Painel Intergovernamental
sobre Mudança Climática confirmaram exatamente o que os Estados africanos e
insulares de baixa altitude alertam há muito tempo: permitir que as
temperaturas subam 2ºC é uma sentença de morte; apenas uma meta de 1,5ºC nos dá
uma chance de lutar. De fato, pelo menos oito ilhas do Pacífico já desapareceram sob os mares em elevação.
Os países ricos não apenas
deixaram de lado a tecnologia limpa e negaram ajuda significativa às nações
mais pobres para que se protegessem dos extremos climáticos. Na verdade, a
Europa, a Austrália e os Estados Unidos reagiram ao aumento da migração em
massa – se não causada diretamente, intensificada por estresses climáticos –
com força brutal, variando da política “deixe-os afogar” da Itália à guerra
cada vez mais real de Trump contra uma caravana desarmada da América Central.
Que ninguém se engane: essa barbárie é a maneira como o mundo rico planeja se
adaptar à mudança climática.
Hoje em dia, a única coisa que se
parece com uma capa de super-herói na Casa Branca são todos aqueles casacos que
Melania joga sobre os ombros, misteriosamente recusando-se a usar os orifícios das
mangas para o seu propósito planejado. Enquanto isso, o marido dela está
ocupado em abraçar seu papel de supervilão climático, aprovando alegremente
novos projetos de combustíveis fósseis, estraçalhando o acordo de Paris
(afinal, não é legalmente obrigatório, então, por que não?), e pronunciando que uma onda de frio no Dia de Ação de
Graças é uma prova positiva de que o planeta não está aquecendo, afinal.
Em suma, o meteoro metafórico que
Stern evocou em 2009 não está apenas se aproximando de nosso frágil planeta,
ele está raspando as copas das árvores.
E, no entanto, aqui está o que é
realmente estranho: eu me sinto hoje mais otimista em relação às nossas chances
coletivas de evitar o colapso climático do que anos atrás. Pela primeira vez,
vejo um caminho político claro e crível que poderia nos levar à segurança, a um
lugar no qual os piores resultados climáticos são evitados e um novo pacto
social é forjado, o que é radicalmente mais humano do que qualquer coisa
atualmente em oferta.
Ainda não estamos nesse caminho –
muito longe disso. Mas, ao contrário de um mês atrás, o caminho é claro. Começa
com o impulso galopante conclamando o Partido Democrata dos EUA a usar sua
maioria na Câmara para criar uma comissão para um New Deal Verde, um plano
promovido por Ocasio-Cortez e agora apoiado por mais de 14 deputados.
O texto preliminar pede que a
comissão, que seria totalmente financiada e autorizada a elaborar a legislação,
passe o próximo ano consultando uma série de especialistas – de cientistas a
legisladores locais, passando por sindicatos e líderes empresariais – para
mapear um “detalhado plano nacional de mobilização industrial e econômica”
capaz de tornar a economia dos EUA “neutra em carbono”, ao mesmo tempo em que
promove “justiça econômica e ambiental e igualdade”. Até janeiro de 2020, esse
plano seria lançado e, dois meses depois, viria um projeto de lei para
transformá-lo em realidade.
Esse prazo inicial de 2020 é
importante – significa que os contornos do New Deal Verde estarão concluídos
até o próximo ciclo eleitoral dos EUA, e qualquer político que queira ser
levado a sério como progressista precisará adotá-lo como peça central de sua
plataforma. Se isso acontecer, e o partido no comando do New Deal Verde retomar
a Casa Branca e o Senado em novembro de 2020, haveria de fato tempo sobrando no
relógio climático para cumprir as duras metas estabelecidas no recente
relatório do IPCC, que nos disse que temos apenas 12 anos para reduzir as
emissões de combustíveis fósseis em 45%.
Isso, afirma o resumo do relatório em sua primeira frase,
não é possível apenas com políticas como impostos sobre a emissão de carbono.
Em vez disso, são necessárias “mudanças rápidas, de longo alcance e sem
precedentes em todos os aspectos da sociedade”. Ao dar à comissão um mandato
que conecta energia, transporte, moradia e construção, bem como assistência
médica, salários dignos, garantia de empregos e o imperativo urgente de
combater a injustiça racial e de gênero, o plano New Deal Verde estaria
mapeando precisamente esse tipo de mudança de longo alcance. Não se trata de
uma abordagem fragmentada que aponta uma pistola de água contra um fogo
ardente, mas um plano abrangente e holístico para efetivamente apagar o fogo.
Se a maior economia do mundo
parecer preparada para demonstrar esse tipo de liderança visionária, outros
grandes emissores – como a União Europeia, a China e a Índia – quase que
certamente se veriam sob intensa pressão de suas próprias populações para
fazerem o mesmo.
Agora, nada a respeito do
caminho que acabei de descrever é certo ou mesmo provável: A bancada do Partido
Democrata, sob direção de Nancy Pelosi, provavelmente esmagará a proposta do
New Deal Verde, assim como o partido arrasou com as esperanças de acordos
climáticos mais ambiciosos sob Obama. Os investidores apostarão no partido
fazer pouco mais do que ressuscitar o comitê climático que ajudou a produzir a
legislação sobre limitação e comércio no primeiro mandato de Obama, um esquema
de mercado mal sucedido e confuso que teria tratado os gases de efeito estufa
como abstrações de capitalismo tardio a ser negociado, empacotado e especulado
como moeda ou dívida subprime (o motivo pelo qual Ocasio-Cortez está insistindo
que os legisladores que aceitam dinheiro de combustível fóssil não devem estar
na comissão seleta do New Deal Verde).
E, claro, mesmo que a pressão
sobre os legisladores continue aumentando e que os membros da comissão saiam
vitoriosos, não há garantia de que o partido reconquistará o Senado e a Casa
Branca em 2020.
E, no entanto, apesar de todas
essas ressalvas, agora temos algo que estava faltando: um plano concreto sobre
a mesa, além de um cronograma baseado na ciência, que não apenas é proveniente
de movimentos sociais de fora do governo, mas que também tem um considerável (e
crescente) bloco de defensores comprometidos dentro da Câmara.
Daqui a décadas, se tivermos a
sorte de contar uma história emocionante sobre como a humanidade se uniu no
momento certo para interceptar o meteoro metafórico, o capítulo central não
será o momento cinematográfico altamente produzido de quando Barack Obama
ganhou a primária e democrata e disse a uma multidão de adeptos que aquele
seria “o momento em que a elevação dos oceanos começou a desacelerar, e nosso
planeta começou a se curar”. Não, será o momento muito menos roteirizado e
marcadamente mais sem graça em que um grupo de jovens cansados do Sunrise
Movement ocupou os escritórios de Pelosi após as eleições de meio de mandato,
pedindo que ela apoiasse o plano para um New Deal Verde – com Ocasio-Cortez
passando pela ocupação para animá-los.
Sei que pode parecer
excessivamente otimista investir tanto em uma comissão parlamentar, mas não é a
comissão em si a minha principal fonte de esperança. É a vasta infra-estrutura
de especialização científica, técnica, política e de movimento pronta para
entrar em ação, se dermos os primeiros passos nesse caminho. É uma rede de
grupos e indivíduos extraordinários que se mantiveram atentos ao foco e aos
compromissos climáticos, mesmo quando nenhuma mídia queria cobrir a crise e
nenhum grande partido político queria fazer algo além de fingir preocupação.
É uma rede que vem esperando há
muito tempo para que finalmente haja uma massa crítica de políticos no poder
capaz de entender não apenas a urgência existencial da crise climática, mas
também a oportunidade única no século expressa em — como afirma o
projeto de resolução — “eliminar virtualmente a pobreza nos Estados Unidos e
tornar a prosperidade, a riqueza e a segurança econômica disponíveis para todos
os que participam da transformação”.
O terreno para este momento vem
sendo preparado há décadas, com modelos de energia renovável de propriedade da
comunidade e controlada pela comunidade; com transições baseadas na justiça que
garantem que nenhum trabalhador seja deixado para trás; com uma análise
aprofundada das interseções entre racismo sistêmico, conflito armado e
perturbações climáticas; com tecnologia verde aprimorada e avanços em
transporte público limpo; com o animado movimento de desinvestimento em
combustíveis fósseis; com a legislação modelo impulsionada pelo movimento de
justiça climática que mostra como os impostos sobre carbono podem combater a
exclusão racial e de gênero e muito mais.
O que está faltando é apenas o
poder político de alto nível lançar o melhor desses modelos de uma só vez, com
o foco e a velocidade que tanto a ciência quanto a justiça exigem. Essa é a
grande promessa de um New Deal Verde abrangente na maior economia do planeta. E
ao aumentar a pressão sobre os legisladores que ainda não assinaram o plano, o Sunrise Movementtem
todo o nosso apoio.
É claro que não faltam
especialistas em Washington prontos a rejeitar tudo isso como algo
irremediavelmente ingênuo e inviável, o trabalho de neófitos políticos que não
entendem a arte do possível ou dos pontos mais sutis da política. O que esses
especialistas estão deixando de levar em consideração é o fato de que, ao
contrário das tentativas anteriores de introduzir a legislação climática, o New
Deal Verde tem a capacidade de mobilizar um movimento de massa verdadeiramente
intersecional – não apesar de sua ambição radical, mas precisamente por disso.
Essa é a mudança radical de ter
no Congresso representantes enraizados em lutas da classe trabalhadora por
empregos com salários dignos e por ar e água não tóxicos – mulheres como Tlaib,
que ajudou a travar uma batalha bem-sucedida contra a tóxica
montanha de coque de petróleo da Koch Industries em Detroit.
Quando se faz parte da classe
vencedora da economia e se é financiado por vencedores ainda maiores, como
muitos políticos são, suas tentativas de criar uma legislação sobre o clima
provavelmente serão guiadas pela ideia de que a mudança deve ser mínima e o
menos desafiadora possível ao status quo. Afinal, o status quo está funcionando
bem para você e seus doadores. Líderes com raízes em comunidades que estão
sendo notoriamente reprovados pelo sistema atual, por outro lado, estão
liberados para adotar uma abordagem muito diferente. Suas políticas climáticas
podem abranger mudanças profundas e sistêmicas – incluindo a necessidade de
investimentos maciços em transporte público, moradia acessível e assistência médica
–, porque é justamente desse tipo de mudança que suas bases precisam para
prosperar.
Como as organizações de justiça
climática vêm discutindo há muitos anos, quando as pessoas que mais têm a
ganhar lideram o movimento, elas lutam para vencer.
Outro aspecto revolucionário de
um New Deal Verde é que ele é baseado no mais famoso estímulo econômico de
todos os tempos, o que o torna à prova de recessão. Quando a economia global
entrar em outra recessão, o que certamente irá acontecer, o apoio a esse modelo
de ação climática não cairá, como ocorreu com todas as outras grandes
iniciativas verdes durante recessões passadas. Em vez disso, o apoio aumentará,
uma vez que um estímulo em larga escala se tornará a maior esperança de
reavivar a economia.
Ter uma boa ideia não é garantia
de sucesso, é claro. Mas, pense comigo: se a pressão por uma comissão em tordo
de um New Deal Verde for derrotada, os legisladores que quiserem que isso
aconteça podem considerar trabalhar com a sociedade civil para estabelecer
algum tipo de corpo semelhante a uma Assembleia Constituinte para elaborar o
plano de qualquer maneira, a tempo dele roubar a cena em 2020. Porque essa
possibilidade é simplesmente muito importante, e o tempo, curto demais, para
permitir que ela seja fechada pelas forças habituais da inércia política.
Conforme os eventos
surpreendentes das últimas semanas se desenrolaram, com jovens ativistas
reescrevendo as regras do possível dia após dia, eu me vi pensando em outro
momento no qual os jovens encontraram sua voz na arena da mudança climática.
Foi em 2011, na cúpula anual do clima das Nações Unidas, dessa vez realizada em
Durban, na África do Sul. Uma estudante universitária canadense de 21 anos
chamada Anjali Appadurai foi escolhida para falar aos presentes em nome (absurdamente)
de todos os jovens do mundo.
Ela fez uma fala impressionante e
implacável (a que vale a pena assistir na íntegra) que cobriu de vergonha os negociadores reunidos
por décadas de inação. “Vocês vêm negociando a minha vida inteira”, disse ela.
“Nesse período, deixaram de cumprir compromissos, não atingiram metas e
quebraram promessas. … A maior traição da responsabilidade de geração de vocês
em relação à nossa é que vocês chamam isso de “ambição”. Onde está a coragem
nessas salas? Agora não é hora de ação gradual. No longo prazo, estes serão
vistos como os momentos decisivos de uma era em que o interesse próprio
estreito prevaleceu sobre a ciência, a razão e a compaixão comum.”
A parte mais dolorosa do discurso
é que nem um único grande governo estava disposto a receber sua mensagem; ela
estava gritando no vazio.
Sete anos depois, quando outros
jovens estão localizando sua voz e sua raiva climáticas, finalmente há alguém
para receber sua mensagem, com um plano real para transformá-la em política. E isso
simplesmente pode mudar tudo.
Nas fotos; 1 - Em Washington, a
marcha do Movimento Popular pelo Clima, em abril de 2017. Restrita por muito
tempo a pequenos círculos, a preocupação com o aquecimento global ganhou as
ruas, depois de eventos como os grandes incêndios florestais e os superciclones;
2 - A deputada Alexandra Ocasio-Cortez participa da ocupação do gabinete da
líder do Partido Democrata, Nancy Pelosi. Com apenas 29 anos, descendente de
portorriquenhos, Alexandra expressa a emergência de uma nova esquerda — radical
mas popular — nos EUA
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