Em entrevista à agência de
notícias Lusa, filha do ex-chefe de Estado José Eduardo dos Santos defende que
o Presidente da República deve deixar de ser o "único" que pode
"brilhar".
Numa entrevista à Lusa, em
Lisboa, Welwitschea 'Tchizé' dos Santos reagiu aos primeiros meses de liderança
de João Lourenço, que sucedeu ao pai, e que tem vindo a afastar elementos da
família de José Eduardo dos Santos de posições do poder.
Questionada pela Lusa sobre a
existência de uma "caça às bruxas" em Angola, a deputada e empresária
foi lacónica: "Eu não posso afirmar isso [caça às bruxas], porque se
afirmar isso se calhar saio daqui e sou processada pelo Presidente da República
por difamação. E eu não quero ser um segundo Rafael Marques", numa
referência ao ativista, alvo de vários processos por denúncias sobre a
liderança de José Eduardo dos Santos.
Tendo presente o recente momento
de tensão entre o atual Presidente, João Lourenço, que acusou José Eduardo dos
Santos de ter deixado os cofres públicos "vazios", prontamente
refutadas pelo ex-chefe de Estado, a deputada confessa a surpresa.
"Eu falo como angolana, não
era a transição que nenhum dos angolanos esperava. Para mim, a transição era
uma festa, um momento ímpar e havia ali uma transição extremamente pacífica e
sem contradições. Entretanto, pelas declarações do ex-Presidente e do atual
Presidente, há uma contradição pública, não é desejável para nenhum partido
politico", no caso o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA),
afirmou.
"Não queremos novos 'Rafaeis
Marques'"
Além deste momento, a transição
ficou marcada também pela prisão de um dos filhos de José Eduardo dos Santos,
José Filomeno dos Santos, investigado pela gestão do Fundo Soberano de Angola.
Embora sem fazer comentários
sobre o processo e sobre o irmão, 'Tchizé' dos Santos defende uma pacificação,
face ao momento atual.
"Nós não queremos novos
'Rafaeis Marques', não queremos novos heróis, não queremos novos presos
políticos e gostava de pedir que todos se abstivessem da tentação de manipular,
ou tentar manipular, os órgãos do Estado, usando qualquer tipo de
influência", criticou.
Por isso, enfatizou, Angola
arrisca atualmente "perder uma grande oportunidade de fazer um 'restart'
[recomeço]", na atual liderança de João Lourenço.
"Mas 'restart' não quer
dizer que se vai perdoar incondicionalmente os erros todos que acontecerem para
trás e as pessoas que cometeram uma série de erros que afetaram todos",
disse.
Nesse sentido, a deputada do MPLA
defende que o Governo deve "apenas priorizar o que é de facto importante.
Há mais angolanos a passar fome do que há um ano atrás, há dois anos atrás, há
três anos atrás, vamo-nos focar nestas pessoas".
"Tem que haver uma nova
geração de políticos"
Recorrendo ao lema "Melhorar
o que está bem e corrigir o que está mal", adotado pelo MPLA, partido no
poder e pelo qual é deputada há três mandatos além de membro do Comité Central,
desde 2017, ainda com José Eduardo dos Santos, 'Tchizé' dos Santos reclamou por
uma mudança.
"O corrigir o que está mal
também passa por deixarmos de viver num Estado em que a única [pessoa] que pode
ter opinião é o Presidente da República, que a única pessoa que pode aparecer,
brilhar e ser aplaudida é o Presidente da República. Numa democracia, num país,
há vários atores, em várias áreas", criticou.
"Tem que haver uma nova
geração de políticos e alguns mais-velhos, que existem e que são ponderados e
que são pela conciliação, que diga 'desculpem, mas não foi esta a Angola que todos
sonhamos'. A Angola que todos sonhamos, que José Eduardo dos Santos, apesar de
ser odiado por muitos, mas que é amado por muitos mais, construiu connosco é
uma Angola do diálogo, da conciliação, do perdão e da reflexão e da projeção do
futuro", afirmou.
Para 'Tchizé' dos Santos, ao não
ter avançado com a recandidatura a Presidente da República nas eleições de
2017, tendo então avançado João Lourenço, José Eduardo dos Santos fê-lo
"justamente para que pudesse ser lembrado como um bom patriota e democrata".
"Não se volta a candidatar,
faz uma transição no poder, porque queria em vida ver a consolidação e a
consagração dessa democracia que hoje em dia é irrefutável", apontou a
empresária e política angolana, afirmando que o pai "não teve vida própria
dos 37 anos de idade até hoje" por causa de Angola.
JES "deixou um legado em
Angola"
"Está na hora de os
angolanos entenderem que José Eduardo dos Santos fez questão que a democracia
angolana fosse irreversível ao dar o passo que deu e todos nós devemos saber
honrar, tal como honramos a paz efetiva, o calar das armas, acho que devemos
saber honrar esse exemplo, único em África (...) Então, agora vamos aceitar que
por conveniência politica - porque política é conveniência - por bajulação, por
adoração, por incompreensão dos tempos ou incapacidade de leitura da História
se continuem a cometer os mesmos erros?" - questionou ainda.
A deputada, de 40 anos e desde
2008 no Parlamento angolano, assume-se filha de um homem que "deixou um
legado em Angola".
"Aguentou o país e a
primeira coisa que fez foi abolir a pena de morte. Em 1979 [quando sucedeu ao
primeiro Presidente angolano, António Agostinho Neto], o Presidente tinha poder
discricionário, a primeira coisa que ele fez foi ter querido deixar de ter
poder discricionário para mandar matar as pessoas. Aboliu a pena de
morte", recordou.
Agência Lusa | em Deutsche Welle
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