Em dois anos, o presidente
americano gerou fissuras nas relações transatlânticas como nunca antes em
tempos de paz. Mas suas posições garantiram a solidariedade e o progresso da
União Europeia em muitas áreas.
Max Hofmann | Deutsche Welle |
opinião
É difícil imaginar que, apenas
dois anos atrás, havia vida sem Donald Trump. Em Bruxelas, onde têm sua sede a
União Europeia e a Otan, o presidente americano tem um papel-chave. E mesmo de
seu escritório do outro lado do Atlântico, Trump certamente já se estabeleceu
na memória coletiva da Europa.
Causaram calafrios em Bruxelas,
por exemplo, as inesquecíveis aparições de Trump nas reuniões da Otan, as
ameaças de sobretaxar automóveis europeus e o anúncio de retirar os
Estados Unidos do tratado de desarmamento nuclear.
Pode-se dizer, então, que, ao
menos do ponto de vista europeu, tudo relacionado ao presidente americano é
abominável? Muitos diriam que sim, mas as coisas não são necessariamente assim.
Em muitas formas, Trump na verdade fez bem para a Europa. Os benefícios são
claramente sem intenção, mas são óbvios. Trump uniu a Europa.
As posições de Trump garantiram a
solidariedade e o progresso europeu em muitas áreas. A Cooperação Estruturada
Permanente (Pesco) entre os países-membros da UE, por exemplo, nos campos de
políticas externa e de segurança, não existiria sem Trump.
Mesmo após a eleição de Trump, a
popularidade do bloco está em alta – claro, ao menos "no continente”. Em
Bruxelas, muitos chegam a dizer – a portas fechadas – que Trump é a melhor coisa
que poderia ter acontecido para a UE.
Mas Trump, certamente, também
impõe uma ameaça à Europa. E isso não apenas pelas razões óbvias – como a saída
do Acordo Climático de Paris, do pacto nuclear com o Irã e as ações que
desestabilizaram as relações comerciais.
A ameaça, na verdade, vem do fato
que mesmo dentro das fronteiras europeias Trump está angariando apoio entre a
população e políticos. Eles não necessariamente admiram o presidente por sua
insolência e insultos, mas eles o apreciam por seu desprezo pelo politicamente
correto e por abordar verdades que muitas vezes são varridas para baixo do
tapete.
Alguns exemplos: a acusação de
que os europeus não estão pagando a contribuição combinada para a Otan
(evidentemente correto); a acusação de que os EUA estão em desvantagem
tarifária em relação a China e UE (em muitos aspectos, correto); a declaração
de que a Rússia violou o tratado de desarmamento nuclear (correto); a
declaração de que algumas instituições multilaterais, como a Organização
Mundial do Comércio, são obsoletas e ineficientes (nos últimos anos, também
correto).
A forma como Trump se comporta
passa dos limites – não há como negar. Mas isso não é suficiente para
anular suas tiradas no Twitter, porque muitas pessoas não se importam com
maneiras – especialmente em tempos como os atuais.
Mas a UE tem que fazer o seu
melhor para mudar os rumos dos ventos que conduzem Trump. Em alguns casos, já o
está fazendo, por exemplo, ao aumentar os gastos com defesa e coordenar as
políticas externa e de segurança.
A Europa também está começando a
levar a sério os temores de muita gente que caiu nas redes de populistas como
Trump. Isso inclui a preocupação com a própria identidade num mundo cada vez
mais globalizado e complexo, no qual a realidade é moldada por gigantes da
tecnologia na China e nos EUA.
O sucesso de Matteo Salvini,
servindo como vice-primeiro-ministro e ministro do Interior da Itália, e do
premiê da Hungria, Viktor Órban, são provas cabais, no entanto, de que a Europa
ainda não conseguiu afastar essas preocupações.
Que lições então tirar dos dois
anos de Trump na Casa Branca?
A União Europeia está tentando
tirar proveito do momento criado pelo presidente americano em vários campos da
política e do comércio internacionais. Trump deu aos europeus finalmente o
ímpeto para construir um bloco não apenas economicamente importante. O
presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, definiu isso com uma
palavra em alemão: "weltpolitikfähigkeit”, a "capacidade de
exercer nosso papel em assuntos globais em mutação”, como ele explicou.
A inteligência e esperteza de
Juncker fazem dele um dos poucos políticos europeus que parecem ter encontrado
uma estratégia bem-sucedida de como lidar com Trump. No comércio, por exemplo,
ele oferece entendimentos simples e claros – o jogo de dar e receber que no
qual o empresário Trump parece ver sentido.
Em termos de reduzir o impacto de
potenciais populistas como Trump, usar o espaço criado para manobras na
política mundial, e encontrar as estratégias mais efetivas para lidar com o
presidente americano, os dois últimos anos foram uma curva de aprendizado para
a UE.
Mas nem a Europa nem o resto do
mundo liberal encontraram uma forma efetiva para prevenir os danos causados por
Trump nas relações transatlânticas. Trump está, sem querer, assegurando que a
Europa finalmente busque sua independência. Ainda assim, de uma perspectiva
europeia, juntando os cacos da porcelana quebrada, teria sido melhor se a
Europa tivesse amadurecido sem precisar de Trump.
*Max Hoffmann é chefe da sucursal
da DW em Bruxelas.
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