segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Angola | O bom combate


Jornal de Angola | editorial

No último fim-de-semana, uma das manchetes do noticiário local – e também dos media estrangeiros que cobrem a actualidade angolana – foi a entrevista concedida à agência Angop pela procuradora Inocência de Brito sobre as investigações em curso no país relacionadas com eventuais actos de corrupção e peculato. O Jornal de Angola deu uma página ao referido assunto na sua edição do último sábado.

São exactamente 604 casos que estão presentemente a ser investigados pela Procuradoria Geral da República, dos quais 190 em fase de averiguação para apuramento de indícios criminais e posterior tramitação processual. A investigação abrange praticamente todas as províncias do país. Os suspeitos e arguidos são numerosos, tratando-se, na maioria, de funcionários do Estado, dirigentes políticos e outras figuras públicas.

A previsão do presidente João Lourenço, feita no congresso extraordinário do MPLA, no ano passado, quando assumiu a liderança do partido governamental, revelou-se acertada: as primeiras “vítimas” (melhor será dizer, simplesmente, “alvos”) das medidas anti-corrupção que o actual Chefe de Estado está a dinamizar são figuras ligadas ao campo político no poder. Não se trata – diga-se – de nenhum mistério. O facto resulta da própria natureza dos crimes de que tais figuras são acusadas ou suspeitas, os quais são normalmente cometidos, em todo o mundo, por indivíduos ligados à administração pública e ao Governo de plantão. Se fosse outro o partido no poder, outras seriam, previsivelmente, os primeiros suspeitos de os terem praticado.



A entrevista da procuradora Inocência de Brito à agência de notícias angolana também confirma outra coisa, que as actuais autoridades têm dito: o combate à corrupção em curso em todo o país não está a ser conduzido, como alegam alguns dos suspeitos e os seus aliados de circunstância, de maneira selectiva. Ou seja, não existe nenhuma “perseguição” contra ninguém, nem qualquer “caça às bruxas”. 

Os factos estão aí: mais de 600 casos sob investigação em todo o país, nos quais envolvidos indivíduos de todas as condições, graus de responsabilidade, funções, histórico pessoal e relações de parentesco. Aqueles que insistem em afirmar, por exemplo, que apenas estão a ser alvo da acção moralizadora das novas autoridades pessoas que trabalharam ou que estiveram ligadas ao anterior Governo, lembre-se que, entre eles, estão o ex-secretário para os assuntos económicos e o primeiro ministro dos Transportes do Presidente João Lourenço, além de vários altos funcionários da actual administração, no plano central e provincial.

Quanto à acusação de que os filhos do antigo Presidente da República, José Eduardo dos Santos, estarão a ser vítimas de uma “perseguição” pessoal, trata-se de uma estratégia de defesa compreensível, mas que começa a entrar, cada vez mais, na mera esfera da psicanálise. A sua eficácia política é altamente duvidosa e a jurídica, absolutamente nula. 

Entretanto, que alguns dos visados pela acção da Procuradoria Geral da República usem essa narrativa, é facilmente entendível, mas que personalidades e sectores que sempre fizeram da luta anti-corrupção uma das suas bandeiras principais agora como que estejam a dar o dito por não dito, não abona nada a favor da sua pretensão de se mostrar aos cidadãos como uma alternativa efectiva ao actual Governo. 

Chamam a atenção, em particular, as cambalhotas dadas pelo maior partido da oposição, a UNITA. A referida organização política sempre se manifestou contra todas as leis de amnistia que envolvessem crimes de natureza económica. Há poucos meses, opôs-se com virulência à lei de repatriamento voluntário de capitais de iniciativa do Presidente João Lourenço. Como explicar, pois, a viragem de 180 graus actualmente verificada? O que motiva o líder da UNITA, Isaías Samakuva, a insistir, contra todos os factos e números disponíveis, que o combate à corrupção é “selectivo” e o presidente da bancada parlamentar desse partido, Adalberto da Costa Júnior, a defender, com o ar mais cândido deste mundo, o perdão criminal aos culpados de actos de corrupção e peculato? A UNITA quer ser a boia de salvação dos corruptos?

Tudo indica que a UNITA, surpreendida pelas iniciativas do Presidente João Lourenço, perdeu o discurso e, possivelmente, simpatizantes e aderentes. Precisa de novas alianças. Ao estender claramente a mão às figuras públicas pertencentes ao campo político do MPLA que estão, neste momento, a contas com a justiça, o partido criado por Jonas Savimbi pode estar apenas a agir de acordo com a sua velha escola “maoísta”: o inimigo do meu inimigo meu amigo é. Mas será interessante acompanhar esse movimento. Será que, disso, resultará alguma aliança efectiva?

O combate contra a corrupção, politicamente desencadeado pelo Presidente da República e que os órgãos judiciais competentes estão a levar a cabo em todo o país, é uma das grandes mudanças ocorridas em Angola, na sequência das eleições de Agosto de 2017. É natural, portanto, que este seja um dos temas predilectos, quer da imprensa local, quer da estrangeira que trata da realidade angolana. Confundir este legítimo interesse mediático com uma suposta tentativa de “humilhação” dos visados pelas investigações da Procuradoria Geral da República não passa de tergiversação. 

Como disse a procuradora Inocência de Brito, a luta contra a corrupção não deve ser feita apenas pelos órgãos de justiça, mas por toda a sociedade. “Queremos um engajamento maior [da sociedade], porque esse combate é de todos”, sublinhou ela. O apelo precisa de ser correspondido pelos angolanos, pois a luta contra o cancro da corrupção é, sem dúvidas, um bom combate.

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