Ao apelar à unidade e ao consenso
em discurso sobre estado da União, presidente americano parece ter finalmente
adotado um tom presidencial. Mas tal postura deve durar apenas até seu próximo
tuíte, opina Michael Knigge.
Como em seus dois discursos
anteriores numa sessão conjunta do Congresso, o presidente americano, Donald
Trump, optou por se ater ao manuscrito nesta terça-feira (05/02). Como
resultado, ele apresentou o que pode ser descrito como um discurso sobre o estado
da União bastante tradicional, em vez do típico fluxo presidencial de
pensamentos que normalmente caracteriza seus pronunciamentos.
Durante o seu primeiro discurso
para um Congresso dividido, Trump não insultou ou ridicularizou ninguém, não
ameaçou aniquilar um país estrangeiro e nem mesmo declarou uma emergência
nacional para construir seu prometido muro ao longo da fronteira com o México.
Na verdade, ele nem sequer chegou a proferir seus slogans de campanha
"Tornar os EUA grandes novamente" e "EUA em primeiro
lugar".
Em vez disso, o discurso de Trump
foi um longo apelo – interrompido por uma passagem assustadora e obscura sobre
imigração ilegal, alguns ataques ao Irã, breves repreensões a aliados
mesquinhos da Otan acompanhadas de vanglória em fazê-los pagar – para superar
desavenças partidárias em prol de uma nova unidade nacional.
Trump pediu ao Congresso que
rompa o "impasse político", "supere antigas divisões",
"cure velhas feridas" e "adote um espírito de consenso e
cooperação". Apenas juntos, argumentou Trump diante do Congresso, os EUA
podem acabar com as divisões profundas que os estão destruindo.
Somente juntos, apontou Trump,
podem-se resolver os problemas de longa data que afligem milhões de americanos,
como a disponibilidade de serviços de saúde acessíveis ou empregos com salário
digno.
E sabe uma coisa? Trump está
certo. Ele tem razão em dizer que apenas cooperação e consenso podem
superar as divisões políticas no país. Ele tem razão em apontar soluções
duradouras para problemas como a infraestrutura decrépita dos EUA, cuidados de
saúde caros e inacessíveis, seu sistema de imigração e muitos outros pontos só
podem ser alcançados por meio de ações e consensos bipartidários.
O problema é que Trump, como
mostra seu histórico, é a última pessoa interessada e capaz de alcançar um
verdadeiro consenso. Se há algo que o mundo aprendeu em seus mais de dois anos
no cargo é que a real harmonia e o bipartidarismo são um anátema para
Trump. Na verdade, ele fez mais para dividir o país do que qualquer um de seus
recentes predecessores.
Pouco antes do discurso, o
jornal The New York Times informou que Trump organizou um almoço
particular para âncoras de televisão e fez um ataque violento e às vezes
pessoal contra democratas de peso, como Chuck Schumer, Joe Biden e Elizabeth Warren.
Isso dificilmente é uma receita para a harmonia bipartidária.
Um exemplo mais consequente da
falta de vontade de Trump para alcançar consensos ocorreu há algumas semanas.
Tentando forçar os democratas a financiar seu "grande e belo muro",
Trump provocou a mais longa paralisação do governo na história dos EUA, sem
falar das consequências que sua postura intransigente teve para milhões de
americanos.
Trump sempre defendeu a abordagem
do "é do meu jeito ou não tem jeito" – tanto durante a sua carreira
como empreendedor imobiliário quanto atualmente em seu mandato como presidente.
Ele disse repetidamente que para ele tudo gira em torno de vencer a qualquer
custo.
De fato, as palavras que Trump
falou durante seu discurso sobre o estado da União evocaram bipartidarismo,
unidade e compromisso. E para dar o devido crédito, os redatores dos discursos
de Trump criaram algumas passagens bipartidárias inteligentes e contundentes,
por exemplo, quando o presidente se referiu ao fato de que nunca antes tantas
mulheres haviam servido no Congresso.
Como resultado, alguns
observadores provavelmente concluirão que Trump finalmente adotou um tom
presidencial e que talvez esse discurso possa marcar uma guinada em seu
mandato.
A esperança é a última que morre.
Mas não nos deixemos levar por um discurso formal. Segundo tudo o que vimos do
magnata até agora, as palavras proferidas durante o discurso sobre o estado da
União não revelam o verdadeiro Trump.
O verdadeiro Trump se revela
diariamente no Twitter e por suas ações, não semestralmente num pronunciamento
lido de teleprompter. Consequentemente, o seu apelo ao bipartidarismo e ao
consenso pode durar apenas até o seu próximo tuíte.
Michael Knigge | Deutsche Welle |
opinião
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