quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

O verdadeiro Trump está no Twitter


Ao apelar à unidade e ao consenso em discurso sobre estado da União, presidente americano parece ter finalmente adotado um tom presidencial. Mas tal postura deve durar apenas até seu próximo tuíte, opina Michael Knigge.

Como em seus dois discursos anteriores numa sessão conjunta do Congresso, o presidente americano, Donald Trump, optou por se ater ao manuscrito nesta terça-feira (05/02). Como resultado, ele apresentou o que pode ser descrito como um discurso sobre o estado da União bastante tradicional, em vez do típico fluxo presidencial de pensamentos que normalmente caracteriza seus pronunciamentos.

Durante o seu primeiro discurso para um Congresso dividido, Trump não insultou ou ridicularizou ninguém, não ameaçou aniquilar um país estrangeiro e nem mesmo declarou uma emergência nacional para construir seu prometido muro ao longo da fronteira com o México. Na verdade, ele nem sequer chegou a proferir seus slogans de campanha "Tornar os EUA grandes novamente" e "EUA em primeiro lugar".

Em vez disso, o discurso de Trump foi um longo apelo – interrompido por uma passagem assustadora e obscura sobre imigração ilegal, alguns ataques ao Irã, breves repreensões a aliados mesquinhos da Otan acompanhadas de vanglória em fazê-los pagar – para superar desavenças partidárias em prol de uma nova unidade nacional.

Trump pediu ao Congresso que rompa o "impasse político", "supere antigas divisões", "cure velhas feridas" e "adote um espírito de consenso e cooperação". Apenas juntos, argumentou Trump diante do Congresso, os EUA podem acabar com as divisões profundas que os estão destruindo.

Somente juntos, apontou Trump, podem-se resolver os problemas de longa data que afligem milhões de americanos, como a disponibilidade de serviços de saúde acessíveis ou empregos com salário digno.

E sabe uma coisa? Trump está certo. Ele tem razão em dizer que apenas cooperação e consenso podem superar as divisões políticas no país. Ele tem razão em apontar soluções duradouras para problemas como a infraestrutura decrépita dos EUA, cuidados de saúde caros e inacessíveis, seu sistema de imigração e muitos outros pontos só podem ser alcançados por meio de ações e consensos bipartidários.

O problema é que Trump, como mostra seu histórico, é a última pessoa interessada e capaz de alcançar um verdadeiro consenso. Se há algo que o mundo aprendeu em seus mais de dois anos no cargo é que a real harmonia e o bipartidarismo são um anátema para Trump. Na verdade, ele fez mais para dividir o país do que qualquer um de seus recentes predecessores.

Pouco antes do discurso, o jornal The New York Times informou que Trump organizou um almoço particular para âncoras de televisão e fez um ataque violento e às vezes pessoal contra democratas de peso, como Chuck Schumer, Joe Biden e Elizabeth Warren. Isso dificilmente é uma receita para a harmonia bipartidária.

Um exemplo mais consequente da falta de vontade de Trump para alcançar consensos ocorreu há algumas semanas. Tentando forçar os democratas a financiar seu "grande e belo muro", Trump provocou a mais longa paralisação do governo na história dos EUA, sem falar das consequências que sua postura intransigente teve para milhões de americanos.

Trump sempre defendeu a abordagem do "é do meu jeito ou não tem jeito" – tanto durante a sua carreira como empreendedor imobiliário quanto atualmente em seu mandato como presidente. Ele disse repetidamente que para ele tudo gira em torno de vencer a qualquer custo.

De fato, as palavras que Trump falou durante seu discurso sobre o estado da União evocaram bipartidarismo, unidade e compromisso. E para dar o devido crédito, os redatores dos discursos de Trump criaram algumas passagens bipartidárias inteligentes e contundentes, por exemplo, quando o presidente se referiu ao fato de que nunca antes tantas mulheres haviam servido no Congresso.

Como resultado, alguns observadores provavelmente concluirão que Trump finalmente adotou um tom presidencial e que talvez esse discurso possa marcar uma guinada em seu mandato.

A esperança é a última que morre. Mas não nos deixemos levar por um discurso formal. Segundo tudo o que vimos do magnata até agora, as palavras proferidas durante o discurso sobre o estado da União não revelam o verdadeiro Trump.

O verdadeiro Trump se revela diariamente no Twitter e por suas ações, não semestralmente num pronunciamento lido de teleprompter. Consequentemente, o seu apelo ao bipartidarismo e ao consenso pode durar apenas até o seu próximo tuíte.     

Michael Knigge | Deutsche Welle | opinião

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