Inês Cardoso | Jornal de Notícias
| opinião
A cisão não é nova, mas a
crispação sobe de tom a reboque de recentes decisões políticas.
Da incerteza na ADSE à colocação
dos funcionários públicos num patamar salarial mínimo de 635 euros, não têm
faltado motivos para se ouvir discutir as diferenças entre trabalhadores
públicos e privados. Rui Rio foi o primeiro a discordar de distinções no
salário mínimo nacional. Marcelo Rebelo de Sousa acompanhou essa reserva,
embora insuficiente para travar a promulgação do diploma com as atualizações.
Há várias falácias neste tema. A
primeira é considerar que alguma vez existiu um salário mínimo universal,
quando a base da tabela na Função Pública foi, historicamente, autónoma. A
segunda é criar a ideia generalizada de que os funcionários do Estado são
privilegiados nestes aumentos, quando muitas das atualizações são anuladas pelo
efeito travão nas progressões. Somando congelamentos a fatores como o duplo
aumento dos descontos para a ADSE durante a intervenção da troika, a verdade é
que milhares de funcionários públicos ganharam este mês, mesmo com aumentos,
menos do que recebiam antes da recessão.
A dicotomia público/privado
presta um bom serviço à propaganda do Governo e acaba por ser um espelho de
alguns dos nossos vícios enquanto sociedade. Ao fazer eco de alegadas melhorias
substanciais, mais apregoadas do que reais, o discurso de diabolização da
Função Pública cria o ambiente perfeito para que reivindicações como as dos
professores ou dos enfermeiros sejam olhadas com desconfiança. Facilitando a
António Costa a tarefa de argumentar que os ganhos dos últimos anos já foram
muitos e que o dinheiro não chega para tudo.
Pior, a dicotomia revela uma
tendência de olharmos para o lado e querermos nivelar por baixo. Devíamos estar
a exigir ao Governo reformas para que os serviços sejam mais eficazes e para
que a economia seja fortalecida. Políticas que deem às empresas condições para
crescer e pagar melhores salários. Com uma cultura de exigência, com objetivos
de real crescimento, ganhamos todos. Com o vício de apontarmos o dedo a quem
legitimamente aspira por mais, só colocamos travões uns aos outros.
*Diretora-adjunta do JN
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