Fernando Félix, tem 49 anos,
muitos deles vividos como jornalista e missionário comboniano, uma comunidade
da Igreja Católica vocacionada para missões internacionais. Acabaria por se
afastar do sacerdócio há 18 anos, numa decisão acompanhada pela Igreja.
Não perdeu a fé, mas queria menos
rigidez no seu dia-a-dia. Preferia «trabalhar à noite, com pessoas sem abrigo e
jovens em ambientes de risco» e acabava por descurar «a oração», «o que
não se conjugava com a vida de padre». Já foi presidente da Fraternitas,
movimento que engloba os padres que pediram dispensa dos seus votos, hoje é
responsável pela comunicação da organização.
O cardeal Blase Cupich mencionou
esta sexta-feira dos casos de encobrimento de abusos como «um problema
universal» da igreja. O que torna tão frequente esta situações?
A ideia de uma igreja santa. De
que o importante é parecer, ter uma aparência santa. Quando olhamos para os
santos, parece que não são humanos, que nunca pecaram, nunca riram, nunca
choraram. Acentuou-se muito esse aspeto, quase que de glória. Não pecar, não
ser frágil. E esconder aqueles que não são assim dentro da Igreja.
O que acha da proposta, feita
pelo Papa Francisco, de protocolos específicos para acusações contra bispos que
encobrem casos?
Para bispos e para os outros
superiores e diretores de institutos. É importante para evitar situações em que
um padre ou uma freira que tenham comportamentos desviantes sejam simplesmente
mudados de sítio, não sendo castigados pelo que fazem e continuando a fazer o
mesmo.
Vários grupos de vítimas pedem
que seja regra geral o afastamento do sacerdotes, não só dos padres condenados
por abusos, mas também de quem os encobre. O que pensa disso?
Não seria tão radical. Digamos
que é preciso dar uma segunda oportunidade. Pode ser um caso momentâneo, um
desvio momentâneo, uma altura em que a pessoa está a passar uma crise.
Portanto, se der provas de emenda, pode continuar, se não der provas de emenda,
então será afastado.
Mas refere-se aos bispos que
encobrem casos ou aos sacerdotes que cometem os crimes?
Ambos.
O Papa fala, nos seus pontos de
discussão, de um «itinerário de penitência e recuperação».
Acho muito bem. Mas esse caminho
não pode ser só pela parte hierárquica, terá de ser todo um caminhar da igreja
e da comunidade. Um dos casos que foi falado ocorreu na diocese de Santarém. A
comunidade soube que um padre tinha comportamentos desviantes quando estava com
escuteiros. A questão foi apresentada ao bispo [à altura, D. Manuel Pelino
Domingues], que encontrou uma solução.
Qual foi a solução?
Neste caso, ele foi afastado
momentaneamente do ministério em Portugal, para fazer um curso de
aprofundamento. Mas não lhe foi retirado o ministério. Está nesse processo.
Está num curso, com formação humana, formação cristã, formação eclesial. Voltando
a Portugal, esperamos que tenha aprendido com o erro.
Mas faz sentido essa prática de
reinserção na igreja em casos de pedofilia? Não há um grande risco de
reincidência?
É preciso ver perfil da pessoa.
Mas retirá-lo do sacerdócio não resolve a situação, tem de ser colocado
algures, vai ter que viver e ter um emprego e continuará a praticar o mesmo
crime. Tem de haver vigilância e acompanhamento, e é muito melhor se for uma
comunidade a acompanhá-lo. Deveria ter sido transmitida informação às
autoridades civis, mas não foi. É das tais situações que se tenta sempre
encobrir. São situações muito complicadas, às vezes, também há falsos
testemunhos.
Há uma tendência na Igreja
portuguesa para encobrir estes casos?
Sim. Concordo com quem acusa o
porta-voz da Conferência Episcopal de minimizar o assunto, ao dizer que ‘são
apenas’ os dez casos investigados. Nem que fosse um. É triste. É doloroso.
Sabemos que há mais casos de abusos. Muitos prescreveram. Quem os conhece
carregará a dor e o arrependimento de não os ter denunciado.
Seria importante uma investigação
nacional da Igreja a estes abusos?
Costuma-se dizer, quando há fumo,
há fogo. Se há sinais evidentes das situações, e começam a ser consistentes, é
preciso avançar.
Esteve em contacto com alguma
situação do género?
Diretamente não. Mas conheço
pessoas próximas do assunto que comentaram encobrimentos.
Jornal i
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