À espera de um barco |
Moçambique
é por costume vítima das mudanças climáticas, não são só as cheias mas sim “cai
tudo sobre o país e sobre os moçambicanos” – como disse ao PG Moisés Chibanca, com quem falámos hoje sobre
a calamidade que assolou e assola Moçambique. “É castigo sofrermos tanto neste
país?” E prossegue: “São governantes e dirigentes de instituições a roubar, são
companhias estrangeiras a roubarem, são empregadores que nos tratam como
escravos dos tempos do colonialismo… O que mais nos vai cair em cima?”
Pergunta.
De
@Verdade retiramos o título de hoje sobre a calamidade gigantesca ali ocorrida.
Título e texto que segue mais em baixo. Do PG
recebam os moçambicanos os nossos lamentos pelos seus infortúnios e apelos para
que a comunidade internacional saiba ser solidária e prontamente atuante para com
todas as vítimas que desde há dias e por muitos mais dias sofrem e vão sofrer as consequências
da ação do devastador ciclone. (PG)
“As
pessoas já não levam os corpos para a casa mortuária, ficam com elas” revela
deputado Picardo que clama por apoio para quem está no que resta da sua casa
Enquanto
as equipa de emergência nacionais e internacionais voa e nadam contra o tempo
para resgatar cerca de 350 mil moçambicanos que continuam sitiados pelo quinto
dia consecutivo nos distritos de Búzi, Chibabava, Nhamatanda e Dondo, na cidade
da Beira os cadáveres acumulam-se na casa mortuária diante da impossibilidade
de serem realizados funerais. “As pessoas já não levam os corpos para a casa
mortuária, ficam com elas” revelou nesta quarta-feira(20) Juliano Picardo, que
fez a pé o trajecto entre o distrito de Nhamatanda e a capital da província de
Sofala e apelou: “Os apoios estão sendo canalizados para os centros de
acomodação, estamos a esquecer que a cidade da Beira é essencialmente urbana”.
Até
o fecho desta edição 202 continuava a ser o número oficial de vítimas mortais
do Ciclone IDAI no Centro de Moçambique, porém o deputado da Assembleia da
República Juliano Picardo, que chegou a cidade da Beira no passado domingo (17)
a pé, afirmou: “Posso vos garantir que os números que são apresentados em relação
as vidas humanos não são correctos, não existem números exactos, todos os dias
aparecem cadáveres”.
Picardo,
que vive na cidade da Beira, revelou que: “As pessoas já não levam os corpos
para a casa mortuária, fica com elas. Os solos estão todos debaixo de água e
não se podem realizar funerais. Estamos a guardar os corpos em locais que nós
achamos seguros, que não tenham água. É um cenário de muita tristeza”.
O
deputado que trabalhou na cidade do Chimoio durante a semana passada, é
assessor político do partido Renamo, e no domingo (17), diante da falta de
comunicação com a família que reside no bairro de Matacuane, partiu de carro
para a cidade da Beira na companhia de outro deputado, Francisco Maingue, e do
general na reserva Hermínio de Morais mas tiveram de abandonar a viatura 4x4
pouco depois da portagem de Nhamatanda.
“Atravessamos
a portagem e na primeira ponte existe um rombo de cerca de 1000 metros . Era uma
área residencial, na quinta-feira quando passei para o Chimoio vi ali muitas
casinhas tradicionais que a nossa comunidade sempre faz e neste momento não tem
absolutamente nenhuma”, relatou Juliano Picardo acrescentando que os locais
comentaram que na região existia “uma represa de irrigação de campos, um
canavial, e não suportou a quantidade de água que chegou do rio Metuxira e
cedeu, a água levou tudo o que encontrou pela frente”.
O
deputado e os seus companheiros de viagem cruzaram o rombo na novíssima Estrada
Nacional nº6 dentro de um barco a remos, propriedade de um agricultor britânico
que disponibilizou dois trabalhadores para garantirem a ligação e têm estado a
transportar tantas pessoas quantas as autoridades que ali estão ausentes.
Evite-se
“o envio de dirigentes para o local do sinistro, apenas estamos a gastar o
pouco que temos que poderia beneficiar a muita gente"
Na
outra margem não havia meios de transporte e a solução foi caminhar os 100 quilómetros que
faltavam para a cidade da Beira. Durante o trajecto, com a água “à altura dos
joelhos”, Juliano Picardo contou ter tido “a oportunidade impar e sentimental
de socorrer pessoas em cima de árvores correndo risco da minha própria vida.
Imaginem o que é, desprovido de tudo, com as minhas próprias mãos ter que
carregar seis cadáveres e colocar ao longo da Estrada Nacional nº 6” .
“Assisti
viaturas com pessoas ainda dentro, mas o helicóptero ainda girava por cima de
nós e a informações que nos chegou é o Presidente a ver a situação de
alagamento na zona de Lamego, infelizmente o helicóptero não baixou,
provavelmente se tivesse tirado aquela viatura talvez pudéssemos retirar os
corpos que ainda se encontravam no interior”, lamentou e deixou um apelo ao
Governo e as instituições humanitárias: “os meios aéreos, os poucos que
existem, parem de sobrevoar para fazerem fotografias, para fazer filmagens e
vão ao encontro de vidas humanas”.
É
que com o Presidente da República e comitiva em permanentes sobrevoos sobre as
regiões inundadas os 11 helicópteros à disposição ficam ainda menos para
recolher os 347 mil cidadãos que se estimam estejam em risco de vida nos
distritos de Búzi, Chibabava, Nhamatanda e Dondo, na província de Sofala. Há
ainda relatos de um número não conhecido de cidadãos sitiados no distrito de
Sussundenga, na província de Manica.
O
representante do povo de Sofala pediu para que evite-se “o envio de dirigentes
para o local do sinistro, apenas estamos a gastar o pouco que temos que poderia
beneficiar a muita gente. Eu presenciei a chegada de um boeing 737 com meia
dúzia de ministros, ontem (terça-feira, 19), não trouxe na sua bagagem nem uma
carga para a cidade da Beira, para 15 minutos depois o voo levantar em direcção
a Nampula”.
“Apoios
estão sendo canalizados para os centros de acomodação, estamos a esquecer que a
cidade da Beira é essencialmente urbana”
Picardo,
que residia na capital de Sofala quando no ano 2000 o Ciclone Eline a fustigou
compara “foi forte mas não se equipara a este”, “não há nenhuma residência ou
algum edifício que resistiu a este vendaval de 9 horas, não há um único vidro”.
“A
Ponta-Gêa, Palmeiras, Macuti, Estoril toda aquela área de lazer não existe, os
únicos edifícios intactos é o Dom Carlos e o Estoril”, detalhou Juliano Picardo
assinalando que as residências oficias do presidente do município e do
governador também não aguentaram com os ventos de 200 quilómetros por
hora.
O
parlamentar voou para a cidade de Maputo para lançar um apelo as autoridades:
“os apoios estão sendo canalizados para os centros de acomodação, estamos a
esquecer que a cidade da Beira é essencialmente urbana, 90 por cento das
coberturas de edifícios e residências pessoais desapareceram e estas pessoas
precisam também de um apoio. Não tem água, não tem luz, não tem dinheiro porque
não podem levantar, não tem combustível”.
A
cidade que ficou completamente arrasada tem 533.825 habitantes, de acordo com o
Censo de 2017, contudo a receberem assistência humanitária estão oficialmente
apenas 14.198 pessoas em toda província de Sofala, aquelas que estão nos
centros de acomodação.
Picardo
concluiu denunciando “o oportunismo dos nossos empresários. A inflação de
preços, uma vela de iluminação custa 25 meticais, o transporte público foi
inflacionado a circulação na cidade da Beira custa 30 Meticais, o prato de
frango custa 1.500 Meticais, os nossos empresários têm que ter o sentimento de
solidariedade em momento de calamidade”.
Quiçá
por isso durante a tarde desta quarta-feira (20) cidadãos famintos tentaram
assaltar um armazém com produtos alimentares, no bairro de Matacuane. A polícia
interveio disparando balas reais mas a população respondeu com pedras, a
situação acabou por acalmar-se sem vítimas.
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