sexta-feira, 19 de abril de 2019

EUA | Democratas têm informação nova sobre Trump e não têm medo de a utilizar


Afinal, o relatório de Robert Mueller não é tão assim tão tedioso, tão pálido, tão desprovido de novidades como se esperava. Afinal, sempre houve “esforço concertado de Trump para impedir a investigação” e um Trump enquanto candidato a presidente que “pediu aos seus associados que conseguissem os emails de Hillary Clinton”, além de 30 perguntas de Mueller às quais o Presidente respondeu com “não sei, não me lembro”. Agora, há uma vaga de nova revolta democrata que não vai parar de explorar as potenciais armadilhas legais que ainda pode colocar no caminho de Trump antes das eleições de 2020

Ao saber das principais conclusões do relatório do procurador-especial Robert Mueller reveladas esta quinta-feira, Donald Trump escreveu no Twitter que o jogo tinha terminado. “Game Over”, foram as suas palavras, acompanhadas de uma imagem editada da série “Game of Thrones”. Mas pode não ser bem assim. Embora não tenham sido encontrados indícios de conluio entre Trump e a Rússia nas presidenciais de 2016 ou de tentativas de obstrução à justiça norte-americana por parte de Trump, o relatório é coisa para deixar o Presidente norte-americano, no mínimo, desconfortável.

O procurador-especial já foi chamado pelos democratas à Câmara dos Representantes e é provável que muitos dos deputados democratas (que formam a maioria nessa câmara) continuem a insistir no “impeachment” de Trump. Também William Barr, o novo procurador-geral, irá ao Comité Judiciário a 2 de maio e espera-se um interrogatório duro, já que muitos democratas, como é o caso do próprio presidente desse comité, Jerry Nadler, acreditam que não há razão para que a leitura que Barr faz do relatório seja tão branda com Trump e os seus associados. Barr já tinha tido acesso a uma versão mais pequena do relatório e na altura disse que o relatório ilibava o presidente, tanto de conluio com os russos durante a campanha para as presidenciais de 2016, como de obstrução à justiça. Mas, depois de se ler o relatório, há várias passagens que parecem provar precisamente o contrário.




NÃO CRIMINALIZA MAS NÃO ILIBA

Além disso, há também o pequeno pormenor de que Mueller escreve a seguinte frase, sem rodeios: “Enquanto este relatório não conclui que o Presidente cometeu um crime, também não o iliba”. Esta é uma das frases-chave para os democratas, mas há outra. No relatório, Mueller explica que o Congresso pode agora pegar nas suas conclusões e continuar a investigação: "O Congresso pode aplicar as leis de obstrução ao exercício corrupto do poder do cargo de presidente, isso está de acordo com o nosso sistema constitucional e com o princípio de que nenhuma pessoa está acima da lei."

E é com estas frases de Mueller como sustentação que os democratas devem agora partir para os seus próprios esforços de investigação. Adam Schiff, presidente do Comité Permanente dos Serviços de Informações da Câmara dos Representantes, disse que o relatório indica que as ações de Trump e seus associados durante a campanha "são inquestionavelmente desonestas, antiéticas, imorais e antipatrióticas" e que o que vem no relatório "não é motivo para exoneração, é mais para condenação", disse aos jornalistas esta tarde, na Califórnia.

Questionado sobre a afirmação de Trump "the game is over", Schiff disse que "certamente não está". O líder da maioria democrata na Câmara, Steny Hoyer, disse à CNN que não há nada que ele tenha visto até agora no relatório de Robert Mueller que pudesse mudar a atual estratégia de liderança da Câmara, que é a de evitar procedimentos de 'impeachment'. “Com base no que vimos até agora, não vale a pena avançar com 'impeachment'. Muito francamente, há uma eleição em 18 meses e o povo americano fará o seu julgamento ”, disse Hoyer.

Jerry Nadler, numa conferência de imprensa, acusou o procurador-geral, William Barr, de "prejudicar seu próprio departamento para proteger o presidente Trump" e disse que foi "desonesto e enganador" da sua parte dizer que Trump está "livre de qualquer acusação". Na mesma conferência de imprensa, Nadler disse que "é muito cedo para falar em destituição" porque primeiro é preciso ver "onde nos leva o mapa oferecido por este relatório" e, também, porque estão previstas mais investigações. No entender de Nadler, os americanos "não podem acreditar no que Barr nos diz". "O relatório Mueller descreve provas perturbadoras de que o presidente Trump se envolveu em obstrução da justiça", disse.

TRUMP SÓ NÃO OBSTRUIU A JUSTIÇA PORQUE OS SEUS HOMENS MAIS PRÓXIMOS NÃO RESPEITARAM AS SUAS ORDENS

Vamos voltar um pouco atrás na história das ligações de Donald Trump aos russos até ao dia em que o “New York Times” publicou, nas páginas de opinião, um artigo com identidade anónima. Nesse texto, que denunciava o presidente dos Estados Unidos como um homem com um raciocínio próximo de “um estudante do 11º ano”, entre outras coisas bastante graves sobre a forma como conduzia a sua presidência, há uma ilação que adquire agora a textura de uma evidência. Essa fonte anónima diz que são os homens de quem o presidente se rodeou que o impedem de cometer erros graves, potencialmente desastrosos para os Estados Unidos e para o mundo. Esta quinta-feira, o relatório preparado ao longo de mais de dois anos pelo investigador-especial Robert Mueller, com mais de 400 páginas, refere precisamente o mesmo: não foi porque não quis, mas sim porque a contenção dos seus subalternos o impediu de estar hoje a caminho de um banco de réus para responder pelo crime de obstrução à justiça. O relatório elenca três ocasiões em que isto sucedeu.

Primeiro, quando pediu ao ex-diretor do FBI James Comey que pusesse um fim à investigação a Michael Flynn, conselheiro para a segurança nacional de Trump no início do mandato, o que resultou no seu julgamento e condenação por mentir ao FBI. Segundo, quando pediu a Don McGahn (seu ex-conselheiro para assuntos legais), repetidas vezes telefonando até para a sua casa, que afastasse Mueller, coisa a que McGahn não cedeu, colocando, aliás, o lugar à disposição. Também Corey Lewandowski, seu ex-gestor de campanha, teve nas suas mãos pressionar ou não o então procurador-geral Jeff Sessions para que afastasse Mueller, mas a mensagem de Trump nunca chegou a Sessions, porque Lewandowski nunca a entregou.

Muitos dos incidentes que Mueller examinou, por representarem uma possível obstrução à justiça, foram objeto de reportagens, artigos, denúncias em vários meios de comunicação - histórias que sempre foram negadas por Trump e seus aliados. O que é impressionante no relatório de Mueller é que ele consegue juntá-los de forma a mostrar um padrão de comportamento que mostra a intenção de Trump. Esta é uma das razões que leva os democratas - e milhares de pessoas nas redes sociais sob a ‘hashtag’ #TrumpColluded, “Trump esteve em conluio”, ou #TrumpObstructed, “Trump Obstruiu”. Até porque o relatório não diz, em nenhum ponto, que não houve obstrução, diz, aliás, que se, de facto, não houvesse obstrução, era isso mesmo que tinha ficado escrito, mas não foi: "Se tivéssemos confiança após uma investigação completa dos fatos de que o presidente claramente não cometeu obstrução da justiça, era isso mesmo que teríamos escrito. Com base nos factos e nos padrões legais aplicáveis, não poderemos chegar a esse julgamento”, lê-se no relatório.

CAMPANHA DE TRUMP FOI “RECETIVA” ÀS OFERTAS DO KREMLIN, ESPERANDO SER “BENEFICIADA ELEITORALMENTE”

Além disso, há outras revelações novas no relatório tornado público nesta quinta-feira, embora numa versão bastante editada, como o mostram as inúmeras manchas negras que preenchem metade de algumas páginas ou mesmo páginas inteiras. Uma delas diz respeito aos “numerosos contactos” realizados entre a campanha de Trump para as presidenciais de 2016 e a Rússia.

Embora não se possa afirmar que tenha sido criada uma conspiração criminal (Mueller também não conseguiu obter informação suficiente para solidificar uma acusação de violação da lei do financiamento de campanhas contra Donald Trump Jr., o filho mais velho do Presidente norte-americano que se encontrou com vários russos, incluindo a advogada Natalia Veselnitskava, a 9 de junho de 2016, na Trump Tower), o relatório concluiu que a campanha de Donald Trump foi “recetiva” às ofertas do Kremlin, esperando ser “beneficiada eleitoralmente” através da “informação roubada e divulgada pelos russos”, que viram na eleição de Trump uma “oportunidade”.

Os esforços da Rússia para influenciar o resultado das eleições foram, de facto, muitos. “Os contactos russos consistiram em tentativas de estabelecer laços financeiros, oferecer ajuda, marcar encontros entre Trump e Putin e entre membros da campanha às presidenciais e membros do governo russo, e consolidar posições políticas para melhorar as relações entre a Rússia e os EUA”, refere o relatório.

Outra novidade é, como concluiu a investigação, que Trump tenha pedido, em privado, ao ex-conselheiro de segurança nacional Michael Flynn para divulgar os e-mails de Hillary Clinton, sua adversária nas eleições de 2016. Flynn tentou de seguida obter os referidos e-mails e entrou em contacto com “vários associados”, incluindo Pete Smith, um dos membros da equipa de Trump que, até agora, Trump tinha tentado isolar como uma espécie de “lobo solitário” que tentou ‘sacar’ os emails sem ninguém lhe pedir. Afinal, Flynn pediu-lhe, sim, e a mando de Trump. Smith cometeu suicídio e deixou uma nota a dizer que não teve “intenções criminosas”. Mais tarde, o ex-conselheiro da segurança nacional viria a dizer aos investigadores que o pedido de Trump era “recorrente”.

“É O FIM DA MINHA PRESIDÊNCIA. ESTOU LIXADO”

Muito importante, talvez até mais importante do que o resto, foi a reação de Trump quando soube que ia ser investigado por obstrução à justiça e que essa investigação seria liderada por um procurador-especial, Robert Mueller (este viria a ser nomeado a 17 de maio de 2017). “Isto é terrível. É o fim da minha presidência. Estou lixado”, afirmou o Presidente norte-americano depois de a informação lhe ter sido transmitida pelo antigo procurador-geral Jeff Sessions.

Trump mostrou-se “zangado” e criticou Sessions por este ter-se recusado a liderar a investigação. “Como é que deixaste isto acontecer, Jeff? Era suposto protegeres-me.” Meses mais tarde, já no verão, Donald Trump terá insistido com Jeff Sessions para que este continuasse à frente da investigação à interferência russa, num encontro na casa do Presidente norte-americano. Em análise a este dado em específico, o “New York Times” referiu que os esforços de Trump para que Sessions voltasse a liderar a investigação “mostram que ele interferiu ativamente na recusa do antigo procurador-geral, podendo isso constituir um ato de obstrução à justiça”.

A Casa Branca mantém-se, contudo, unida e inquebrável, como qualquer casa e família que se preze. A conselheira Kellyanne Conway mostrou-se, aliás, estranhamente satisfeita. “Hoje é o melhor dia da presidência de Trump”, afirmou aos jornalistas, insistindo que não houve conluio nem “certamente uma conspiração criminosa com os russos”. Pedidos de “desculpa” são desde já bem-vindos, desde que sejam dados de bom grado e bom coração. Mike Pence, vice-presidente, encarreirou pelo mesmo: “Nenhum conluio, nenhuma obstrução”.

Ana França / Helena Bento | Expresso

Imagens: 1) Eva Hambach: 2) Chip Somodevilla/Getty

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