Economista Branko Milanovic diz
que desigualdade social se tornou um dos principais fenômenos do mundo
ocidental e que ela está na origem da ascensão dos partidos populistas de
direita.
A ascensão de partidos e
candidatos populistas de direita em vários países ocidentais não se deve à
migração ou a um nacionalismo latente, mas à perda de poder econômico pela
classe média, afirmou o economista sérvio-americano Branko Milanovic em
entrevista à DW.
"A classe média perdeu
poder económico em comparação com o 1% mais rico ou os 5% mais ricos.
Isso causou a busca por um bode expiatório. O que se vê no cenário político tem
raízes económicas", disse Milanovic, um dos mais renomados
pesquisadores mundiais da desigualdade social.
Para ele, a luta contra a
desigualdade se tornou mais difícil. "A globalização torna quase
impossível limitar o fluxo de capital – os ricos simplesmente colocam o
dinheiro no exterior. Altas taxas de impostos perderam a popularidade, e o
ceticismo em relação ao Estado e à redistribuição está crescendo. A classe
média não está mais disposta a pagar mais impostos e tributos."
Milanovic também criticou a
chamada Terceira Via, adotada pela esquerda europeia nos anos 1990, e
que muitos analistas políticos consideram o início da atual crise da
social-democracia europeia.
Ele foi economista-chefe do
Departamento de Pesquisa do Banco Mundial e atualmente leciona na Universidade
da Cidade de Nova York, além de ter publicado inúmeros livros e mais de 40
estudos sobre desigualdade e pobreza.
DW: O senhor tem sido muito
requisitado ultimamente. O que a elevada procura por um pesquisador da
desigualdade social diz sobre o mundo?
Branko Milanović: É uma
boa pergunta. Isso mostra que a desigualdade social se tornou um dos principais fenómenos do mundo ocidental, sobretudo por causa das consequências políticas
dela: o declínio da classe média, a ascensão da extrema direita e do assim chamado
populismo e a perda de importância do Ocidente em relação à
China.
O senhor acredita que os partidos
de extrema direita estão ganhando espaço em razão da desigualdade social?
Sim. Se observarmos as mudanças
no cenário político ocidental, incluindo os Estados Unidos e os antigos
países do bloco oriental, como Polónia e Hungria, vemos que o chamado populismo
– eu não gosto desse termo – resulta das mudanças económicas.
Pode-se dizer que as pessoas pensam e votam de maneira diferente por causa da
migração, ou que o nacionalismo latente sempre esteve presente. Mas essa
explicação é insuficiente.
Uma explicação melhor é que a
classe média perdeu poder económico em comparação com o 1% mais
rico ou os 5% mais ricos. Isso causou a busca por um bode expiatório. O
que se vê no cenário político tem raízes económicas.
Mas muitos dos "abandonados
pelo sistema" repetem os piores elementos do discurso
nacionalista dos partidos populistas de direita. O que a esquerda fez de
errado para não alcançar essas pessoas?
A esquerda acabou numa situação
em que não tem políticas reconhecíveis. Foi um erro acatar a política
neoliberal com disposição superior até mesmo à dos conservadores.
Exato, e também Bill
Clinton. Claro que hoje é fácil perceber que a esquerda cometeu um
erro, mas, na época, não era fácil formular uma política contra os princípios
já dominantes da globalização. Hoje a social-democracia paga o preço, mas,
na época, não havia muitas alternativas.
A igualdade social e os
princípios liberais do capitalismo são contraditórios? Pois, quando
se fala de igualdade, muitas pessoas temem o que os comunistas soviéticos
chamavam de nivelamento [no sentido de tornar todos iguais].
Essa crítica é absolutamente
errada. Nem todos que falam em igualdade defendem o nivelamento e o
comunismo. Igualdade e desigualdade não são categorias binárias. É como a
temperatura: se 40 graus é quente para mim, isso não significa que eu queira
morar na Sibéria. Ou seja: eu não estou dizendo que não deveria haver
desigualdade, até porque isso seria impossível.
A redução da desigualdade não
conduz ao comunismo. Entre 1945 e 1980 nós tivemos no Ocidente períodos com
partidos trabalhistas, social-democratas e até conservadores, que diminuíram a
desigualdade em seus países sem abandonar o capitalismo. O capitalismo e um
nível relativamente aceitável de desigualdade não são contraditórios. A
pergunta é se o capitalismo liberal no mundo globalizado é compatível com
menos desigualdade.
E é?
É muito mais difícil hoje.
Entre 1945 e 1980, um crescimento da desigualdade foi impedido por
meio de contrapesos poderosos: sindicatos fortes, mais educação,
emergência da classe média. Até mesmo o centro político e a direita aceitaram
impostos mais altos e um estado de bem-estar social naquela época. Hoje em dia,
a globalização torna quase impossível limitar o fluxo de capital – os
ricos simplesmente colocam o dinheiro no exterior. Altas taxas de impostos
perderam a popularidade, e o ceticismo em relação ao Estado e à redistribuição
está crescendo.
Nos seus livros e textos há
algumas receitas contra a desigualdade. O senhor defende a igualdade de
oportunidades, especialmente quando se trata de educação, bem como o imposto
sobre herança. Por quê?
A classe média não está mais
disposta a pagar mais impostos e tributos, que geralmente já representam
cerca da metade da renda bruta, e a redistribuição se tornou suspeita. Por
isso é necessária uma nova política para equilibrar as oportunidades. Isso
inclui uma política fiscal mais favorável à classe média e menos
benefícios fiscais para os ricos. Imposto sobre herança reduz a desigualdade de
oportunidades para as gerações futuras.
Já a educação deve ser pública,
de alta qualidade e disponível para todos. Isso pode não ser um grande problema
na Alemanha, mas nos Estados Unidos as escolas particulares são dominantes,
melhores e muito caras. A classe média não consegue mais encontrar escolas boas
e ao mesmo tempo acessíveis para seus filhos.
Na Alemanha, a educação é
financiada com dinheiro público, mas ainda assim é três vezes mais comum as
crianças de famílias académicas estudarem do que as outras.
A igualdade completa é
impossível, a menos que se faça uma seleção inversa, como a China na
Revolução Cultural, quando somente as crianças da classe trabalhadora podiam
estudar. Isso é discriminatório. Os filhos de pais com alto nível de educação
terão cada vez mais oportunidades de se interessar pela educação. Mas a questão
é: a sociedade é capaz de reduzir essas diferenças a ponto de elas
não serem mais enormes e decisivas?
O senhor falou em discriminação. Mas ,
numa entrevista, o senhor sugeriu um tipo diferente de discriminação como um
contrapeso à globalização: os migrantes deveriam desfrutar de direitos civis
limitados. Essa tese é defensável?
Num mundo ideal seria bom ter
mais migração com regras mais simples. Mas nós não vivemos num mundo
ideal. Hoje, a chegada de imigrantes na Europa é muito impopular. Pode-se até
afirmar que o Brexit é o resultado da imigração da Europa Oriental para o Reino
Unido. Com base nessa situação, devemos chegar a um acordo entre a necessidade
de migração, que reduz a desigualdade global e permite que as pessoas dos
países subdesenvolvidos ganhem mais, e a disposição da população local em
receber os imigrantes.
Daí a ideia da chamada migração
circular. Na Alemanha, por exemplo, os recém-chegados só poderiam viver por
alguns anos e somente se tivessem encontrado um emprego. Depois, eles teriam
que ir para casa. Isso não é o ideal, mas meu receio é que, se descartarmos
opções como essa, possamos acabar na migração zero.
Nemanja Rujević (le) | Deutsche
Welle
Na foto: Branko Milanović:
"A esquerda errou ao acatar a política neoliberal com disposição superior
até mesmo à dos conservadores"
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