Ferreira Fernandes |
Diário de Notícias | opinião
Então, lá foi eleito. Vladimir
Zelenski, 41 anos, comediante, sem nunca antes ter estado na política,
candidato que apareceu sem programa, sem fazer promessas nem comícios, foi
eleito presidente da Ucrânia, plebiscitado por quase três em quatro ucranianos
(73 por cento). A Ucrânia, na Europa o país do destino próximo mais perigoso,
vizinho e em latente conflito armado com a Rússia, atirou-se para os braços de
um desconhecido...
Aliás, nas mãos do mais popular
ucraniano e, também, do "presidente da Ucrânia" com maior audiência
desde 2015. Confusos? Bem-vindos aos admirável mundo novo onde os políticos
apresentam-se, em faz de conta, à experiência e, em dando, concorrem a sério.
Nos últimos quatro anos, Zeminski tem sido "Vasili Petrovich Holoborodko",
presidente da Ucrânia em Servo do Povo, a série televisiva que já vai em
três temporadas.
A última temporada inaugurou-se
com a atual campanha das eleições presidenciais e foi transmitida ao longo
dela. Por que precisava Zeminski de campanha, se tinha "Holoborodko"
a fazer propaganda por si e com os atores que faziam de opinião pública a
venerá-lo? Para tudo mais se confundir, Zeminski, o real, apresentou-se em nome
de um partido com nome de série televisiva: Servo do Povo.
O leitor não deve ter reparado,
lá em cima, escrevi Servo do Povo em itálico, como se costuma
escrever, para realçar, os nomes de ficção (livros, filmes, séries
televisivas...); cá em baixo, escrevi Servo do Povo sem itálico, como se
escrevem os nomes das coisas reais, partidos, por exemplo. Itálico ou não, são
critérios complicados, confusos. Como se viu ontem, os ucranianos também não
repararam.
Terá sido a contestação
generalizada contra a corrupção profunda nos costumes políticos ucranianos que
catapultou Zelenski. Ironicamente, há várias suspeitas de ligação do comediante
com um oligarca exilado por corrupção, Igor Kolomoisky, dono da estação
televisiva 1+1. Que é onde passa a terceira temporada da série Servo do
Povo, tão providencialmente marcada para ser exibida durante a campanha.
Mas nem é isso o mais grave, é só
um indício do mal maior que atravessa a política por todo o lado: a aposta no
escuro (Brexit, Trump, Bolsonaro...), até numa Ucrânia exangue e militarmente
provocada pode acontecer. Logo depois de vencer, no agora político Vladimir
Zelenski irrompeu o comediante que sempre foi: "Posso dizer a todos os
países pós-soviéticos: olhem para nós, tudo é possível!" Tudo é
possível?!! Seria mais prudente que não fosse tão próximo da comédia um país, a
Ucrânia, tão próximo da Rússia de Putine.
O bobo que queria ser rei, chegou
a rei. Até na banda desenhada, o bufão Grão-vizir Iznogud que queria "ser
califa no lugar do califa", não chegou lá. Um cómico a sério, o
argumentista René Goscinny, percebeu que era melhor não. Pois "is no
good" baralhar as funções.
Na foto: Vladimir Zelenski
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