Alerta é da ONU, que diz que a
passagem do Idai e do Kenneth deixou quase 400 mil crianças moçambicanas sem
acesso à educação. UNICEF aposta em escolas temporárias e no apoio psicossocial
a alunos e professores.
Um milhão de crianças
precisa de ajuda humanitária em Moçambique, após a passagem de dois
ciclones em menos de dois meses no centro e norte do país. Perderam quase tudo:
familiares, casa, acesso à saúde, água, saneamento e educação.
Os dados mais recentes da Agência
das Nações Unidas para a Infância e do Ministério da Educação de Moçambique
apontam para cerca de 377 mil alunos, entre os 5 e os 16 anos, afetados pelos
ciclones. As chuvas, ventos fortes e inundações destruíram quase
4.000 salas de aula e muitas foram usadas como centros de acomodação às
vítimas. É preciso acompanhar o regresso destas pessoas às suas comunidades
para restaurar a normalidade nas escolas, diz a UNICEF.
Enquanto se planeia a
reconstrução, com foco na resiliência, e se acompanham as famílias no regresso
a casa, as autoridades moçambicanas e as organizações humanitárias esforçam-se
para que as crianças afetadas voltem ao sistema de ensino. As Nações Unidas
lembram que "qualquer interrupção prolongada no acesso à aprendizagem pode
ter consequências devastadoras para as crianças".
Bart Vrolijk, especialista em
educação de emergência da UNICEF, está em Moçambique a apoiar os esforços da
agência da ONU. Em entrevista à DW África, o responsável alerta para o
risco de aumento do número de alunos que desistem da escola, este ano: "Há
um grande esforço do Ministério da Educação para o regresso das crianças à
escola, mas há um risco definitivo de aumento da taxa de abandono
escolar".
O risco é maior nas zonas remotas
afetadas pelos ciclones, diz o especialista, uma vez que, aqui, "os pais
não têm outra forma se não envolver as crianças em atividades para obter
rendimentos".
O impacto das intempéries deverá
também refletir-se nas notas. "Há planos para alargar o ano letivo para o
período de férias para tentar compensar a aprendizagem, mas os resultados serão
certamente afetados", considera Bart Vrolijk.
Alternativas para aprender
O primeiro trimestre do ano
letivo chegou agora ao fim e é preciso compensar o tempo perdido. "Numa
primeira fase, o Ministério da Educação deu prioridade ao ensino secundário,
para garantir a execução dos exames", diz o responsável da UNICEF.
Mas as operações têm um objetivo
alargado e bem definido: o regresso das crianças a um ambiente de aprendizagem
- mesmo que não possam, para já, voltar a uma sala de aula normal.
"Estabelecemos centros
temporários de aprendizagem, estruturas rudimentares, montadas com alguns
postes e lonas", explica Bart Vrolijk. Nesta primeira fase da resposta de
emergência, a UNICEF disponibiliza também a chamada "School in a
box" - em português, escola numa caixa - com materiais de ensino
para alunos e professores, e kits com material didático para as crianças
mais pequenas.
Em Cabo Delgado, no norte, onde
mais de 41 mil alunos ficaram sem poder ir à escola após a passagem do
Kenneth e onde ainda há zonas de difícil acesso devido às inundações, as
autoridades continuam nesta primeira fase da resposta de emergência. Já nas
áreas afetadas pelo Idai, no centro do país, há quase dois meses, as operações
entraram numa segunda fase e já se prepara a reabilitação das escolas
destruídas.
"Build Back Better" -
Reconstruir melhor
A UNICEF, juntamente com a
ONU-Habitat e o Ministério da Educação, têm definidos protocolos de construção
resiliente de escolas há já algum tempo, o que vai facilitar o atual
processo de reconstrução. Na conferência marcada para o final do mês de maio
para angariar donativos para a reconstrução, os doadores vão poder ver maquetes
e conhecer o plano completo de reabilitação. O lema é "Build Back
Better", ou reconstruir melhor, em português.
Este é um plano que, segundo Bart
Vrolijk, não pode ser executado sem a população: "Tão ou mais importante é
o envolvimento da comunidade escolar, desde diretores, professores, alunos e
pais, para que estejam mais bem preparados para a próxima emergência. É
importante incluir isto nas atividades de ensino".
Ajudar quem ensina
A UNICEF está também preocupada
com os professores. Há quase 9.000 docentes entre as pessoas afetadas
pelos ciclones. Apesar do trauma que eles próprios sofreram, são agora chamados
a apoiar os processos de ensino e, para isso, precisam de ajuda. A UNICEF, diz
o especialista em educação de emergência, está "a trabalhar com o
Ministério da Educação para estabelecer uma espécie de pacote de incentivo para
os ajudar".
"Ouvi histórias de professores
que dormem nas escolas danificadas, em salas de aula sem telhado, sem janelas -
mas não têm outro sítio onde ficar. Estamos a dar apoio psicossocial, em termos
de ajudar as crianças e os professores a lidar com o que aconteceu",
explica.
O apoio, segundo o especialista,
passa ainda pelo desporto e atividades recreativas e pela criação de
oportunidades para que alunos e professores possam falar das suas experiências.
Por outro lado, a UNICEF já
começou a treinar professores e outros responsáveis dos serviços de educação
provinciais para que sejam capazes de identificar os traumas das crianças
atempadamente e de fornecer apoio psicossocial.
Maria João Pinto | Deutsche Welle
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