A Comissão Europeia divulgou
ontem o relatório sobre Macau relativo a 2018, fazendo vários reparos à
situação política e social do território. O tráfico humano e a auto-censura nos
media chineses são focos de preocupação, bem como a condenação do deputado Sulu
Sou e o despedimento dos assessores jurídicos Paulo Cardinal e Paulo Taipa.
A condenação do deputado Sulu
Sou, o despedimento dos assessores jurídicos Paulo Cardinal e Paulo Taipa e o
impedimento de entrada de convidados do Festival Literário de Macau são casos
que preocupam a Comissão Europeia. No seu mais recente relatório sobre a RAEM,
ontem divulgado, a instituição detecta problemas como o tráfico humano, que
“permanece uma preocupação”, e a auto-censura nos meios de comunicação
chineses. O Governo é encorajado a cumprir com as convenções da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) no que diz respeito à lei sindical, e recebeu
ainda críticas pelo pacote legislativo sobre segurança nacional. A resposta do
Executivo não tardou, criticando o relatório que “ignora factos, tece
comentários irresponsáveis e levianos sobre a RAEM”.
A não renovação dos contratos dos
assessores jurídicos da Assembleia Legislativa (AL) Paulo Cardinal e Paulo
Taipa não passou despercebida à Comissão Europeia. No seu último relatório
sobre a RAEM, a instituição observa que, ainda que ambos tivessem contratos a
termo, “a súbita decisão levantou preocupações na sociedade civil de um aumento
de esforços para afastar experiência portuguesa e estrangeira em favor da
chinesa”. No mesmo sentido, a União Europeia (UE) recorda as alterações à Lei
de Bases da Organização Judiciária, que atribuíram a competência de julgar
casos de segurança nacional apenas a magistrados chineses. “A definição de
segurança nacional é vasta e pode, por isso, ser usada para excluir juízes
estrangeiros de muitos casos”, lê-se no relatório. Em conjugação com outras
políticas de reforço da segurança nacional, a Comissão Europeia entende que
esta tendência “pôs a política da RAEM em linha com as opiniões do continente”.
A condenação do democrata Sulu
Sou e do activista Scott Chiang, em Maio do ano passado, é também uma fonte de
preocupação para a UE, que nota que, se o deputado tivesse sido condenado a 30
dias de prisão ou mais, teria perdido o mandato, “o que teria enfraquecido
ainda mais uma já diminuta oposição”. No entanto, para a instituição, a decisão
do tribunal “enfatiza a independência do sistema judiciário”, por oposição ao
Ministério Público, cujas acusações foram criticadas por serem politicamente
motivadas. Ambos os activistas foram condenados a 120 dias de multa pelo crime
de reunião e manifestação ilegal, mas estavam acusados de desobediência
qualificada.
O documento menciona o
cancelamento da vinda dos escritores Jung Chang, Suki Kim e James Church,
depois de o Festival Literário de Macau ter sido “informalmente notificado” de
que a sua entrada no território não estava garantida. Para a Comissão Europeia,
este incidente deve ser analisado no contexto da sequência de proibições de
entrada na RAEM de jornalistas e políticos durante 2017. “Apesar de as
autoridades de imigração de Macau terem o poder de recusar a entrada no
território da RAEM, a falta de transparência destes casos sugere uma tendência
preocupante em direcção à censura política”, refere o relatório.
No capítulo das liberdades civis,
a Comissão Europeia reconhece que estas estão protegidas pela Lei Básica, mas
lamenta que a oposição política seja “fraca” e a sociedade civil não seja “muito
vocal”. Em ano de eleições, a EU encoraja o Governo a promover um maior
envolvimento do público na escolha do Chefe do Executivo e também dos deputados
à Assembleia Legislativa. No entender da instituição, “isto iria aumentar a sua
legitimidade e apoio do público e fortalecer a governação”.
DISCRIMINAÇÃO CONTRA COMUNIDADE
LGBT É “PARTICULARMENTE” GRAVE
Para a Comissão Europeia, “o
tráfico humano permanece uma preocupação”. A instituição aponta que Macau já
dispõe de uma lei contra o tráfico humano, “mas a aplicação da lei deve ser
mais rigorosa”. “O número de acusações e condenações por tráfico permanece
baixo apesar de um elevado número de queixas”, lê-se no documento. No que diz
respeito aos direitos humanos, o cenário traçado também não é favorável, com a
instituição a apontar que, apesar das recomendações emitidas pelas Nações
Unidas em 2015, Macau continua sem estabelecer um organismo independente de
direitos humanos.
A UE volta a insistir no problema
da discriminação com base na orientação sexual e identidade de género,
preocupações estas que são “particularmente graves” no emprego, educação e
cuidados de saúde. O relatório observa que as relações entre pessoas do mesmo
sexo continuam sem ser incluídas na Lei de prevenção e combate à violência doméstica.
A auto-censura, em particular nos
meios de comunicação chineses quando o assunto é a China, permanece como uma
preocupação para a UE. “Os media de Macau continuaram a expressar um vasto
leque de pontos de vista, apesar de preocupações sobre o aumento da
auto-censura”, lê-se no documento, que sublinha também o obstáculo à liberdade
de imprensa que é a dificuldade em aceder a fontes e obter informações das
autoridades.
O Governo é encorajado a cumprir
com as convenções da OIT, particularmente no que diz respeito à liberdade
sindical e negociação colectiva. A UE contrapõe ainda a taxa de pobreza, que o
Executivo diz ser de 2,3% da população, mas que, segundo associações da
sociedade civil, quase que chega aos 10%.
No relatório, a Comissão Europeia
realça os bons resultados económicos alcançados pela RAEM, grandemente
impulsionados pela indústria do jogo, mas deixa um reparo: “O objectivo de
diversificação da economia está longe de ser alcançado”. Dados mencionados no
documento dão conta que 2017 foi um “ano decepcionante” para a diversificação
económica, uma vez que apenas 6,8% das receitas dos casinos vieram de fontes
não-jogo, contra os 7,4% de 2016.
GOVERNO DEFENDE-SE: “POPULAÇÃO DE
MACAU GOZA DE AMPLOS DIREITOS E LIBERDADES”
A resposta do Executivo chegou
ontem ao final da tarde sob a forma de um comunicado do gabinete do porta-voz
do Governo. Para as autoridades, o relatório “ignora factos e tece comentários
irresponsáveis e levianos sobre a RAEM”. “O Governo manifesta a sua forte
oposição e que não deve haver ingerência da União Europeia nos assuntos da
Região Administrativa Especial de Macau e que se abstenha de falsas declarações
e acções inadequadas sobre a política interna da República Popular da China”,
refere a nota.
O Governo defende que o regime de
região administrativa especial “funciona com eficácia” e que a RAEM “mantém-se
próspera e estável, tendo registado imensos avanços em todos os campos”. “A
população de Macau goza de amplos direitos e liberdades plenamente garantidos
na Constituição e na Lei Básica, realidade testemunhada por todas as pessoas”,
lê-se no comunicado.
Catarina Vila Nova | Ponto Final | Foto: Eduardo Martins
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