Pedro Tadeu | Diário de Notícias
| opinião
O PCP odeia o culto da
personalidade. O medo de cair no erro político do culto da personalidade tem
duas origens: a forma como, ao longo de quase um século de história, o Partido
Comunista Português educou a sua prática de fazer política e a forma como interpretou
os erros e os crimes dos países do bloco soviético, que levaram à desagregação
da experiência socialista no Leste europeu (*).
O medo do culto da personalidade
molda o formato de propaganda do PCP e, por consequência, estrutura a
propaganda da CDU, a coligação partidária com os Verdes com que o PCP concorre
a eleições.
Dou um exemplo concreto: ao longo
de décadas de intenso combate político, o Partido Comunista Português produziu
milhares de cartazes de propaganda. Pois dou um doce a quem me apresente um
cartaz de apelo ao voto no PCP, numas legislativas, com a fotografia de Álvaro
Cunhal. Se houver um é, quase de certeza, apócrifo ou feito à revelia do
próprio dirigente histórico do partido.
Durante muitos anos os únicos
cartazes eleitorais do PCP com fotografias individuais de candidatos eram os
das eleições presidenciais, dada a natureza nominal da eleição. Mesmo para as
autárquicas, a preferência ia para cartazes com letras, composições gráficas
abstratas, desenhos, foices, martelos e fotografias de multidões, de
trabalhadores, operários, camponeses ou de grupos de candidatos. Só bastante
tarde se tornou banal a utilização de cartazes com a fotografia do candidato a
presidente de câmara.
Lembro-me, aliás, da polémica no
interior do PCP quando, em 1989, para as eleições europeias, a CDU apresentou
um cartaz com uma fotografia de Carlos Carvalhas. Lembro-me como isso motivou
debates e lembro-me como, a custo, lá se aprovou o princípio político da
admissibilidade da utilização, parcimoniosa, de cartazes de propaganda com
fotografias individuais de cabeças-de-lista.
Ainda hoje a CDU, nas eleições
europeias, puxa habitualmente pela fotografia do seu cabeça-de-lista, como
aconteceu agora com João Ferreira, mas para as legislativas não é propriamente
elevada a quantidade de cartazes com a fotografia do secretário-geral, Jerónimo
de Sousa, diria que é mesmo excecional.
Nos círculos eleitorais
distritais para as eleições à Assembleia da República, às vezes, aparecem
cartazes com os cabeças de lista da CDU, mas não são os dominantes, o que
domina é a repetição massiva do logótipo da coligação.
A propaganda do PCP suportou-se
sempre num trabalho contínuo de distribuição de informação porta a porta,
fábrica a fábrica, escritório a escritório; numa promoção constante de debates
temáticos por todo o país; numa procura de contacto direto com populações.
Mas a atomização da vida laboral,
as dificuldades da vida urbana, a desertificação do interior, as diminuições de
funcionários no partido tornam cada vez menos eficaz esse processo de
propaganda - é mais difícil ir ter com as pessoas aos locais habituais, porque
elas ou não estão lá ou não têm tempo para lá estar.
Quando o PCP explica as suas
derrotas eleitorais, como a do passado fim-de-semana, faz sempre um enquadramento
das circunstâncias políticas que as motivaram e queixa-se, quase sempre com
razão, da desigualdade de tratamento na comunicação social.
No debate interno das próximas
semanas tenho a certeza que o PCP vai tentar analisar os motivos de fundo da
sua erosão eleitoral e discutir, por exemplo, se vale a pena, depois das
legislativas, pensar em manter qualquer tipo de aliança com o PS ou se o
conteúdo politico de cariz ecológico da CDU é adequado.
Mas tenho dúvidas que o PCP
discuta com profundidade o problema que defronta com a eficácia da sua
propaganda. E, no entanto, ele é evidente.
Por exemplo, visito páginas de
Facebook e conto números de seguidores.
PS: 77 184 pessoas.
PSD: 146 734.
Bloco (Esquerda.net): 76 163.
CDS-PP: 33 945.
PAN: 156 170.
A página do PCP é seguida apenas
por 14 500 pessoas, a dos Verdes por 11 114 e a da CDU por 13 981, valores
muito abaixo dos que são alcançados pelos adversários e por um partido ainda
pequeno como o PAN.
Se comparar as páginas pessoais
dos candidatos às europeias, as diferenças são semelhantes ou piores: basta
comparar os 98 848 seguidores de Marisa Matias com os 7 083 de João Ferreira.
Mesmo qualitativamente, a
mensagem passada nestas páginas de facebook é muito diferente.
Veja-se o início da última
mensagem de Marisa Matias: "Ontem foi uma longa noite. Ontem devia ter-me
deitado mais cedo porque hoje tinha de regressar a Bruxelas, mas deitei-me
estupidamente tarde porque sou uma optimista e queria mesmo ver até ao último
voto. A hipótese de eleger o Sérgio Aires, que antes parecia impossível, passou
a ser uma urgência na minha cabeça..."
Há muito "eu", muito
"emoji", muito individuo, muita paixão, muita falsa intimidade nas
mensagens dos políticos que usam com eficácia este instrumento de propaganda.
Marisa Matias sabe fazê-lo e o Bloco está-se nas tintas para a questão do culto
da personalidade.
Comparo com o início da última
mensagem na página pessoal de João Ferreira: "Os resultados provisórios
das eleições ao Parlamento Europeu confirmam a eleição de dois deputados pela
CDU - João Ferreira e Sandra Pereira. A CDU mantém uma importante representação
no Parlamento Europeu elegendo dois deputados que são uma garantia sólida,
coerente e de confiança na defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo e
do País..."
A mensagem é impessoal, distante,
infinitiva. João Ferreira não é um líder, é o representante de um coletivo
chamado CDU que publica um texto em tom de comunicado partidário. Como
instrumento de propaganda, a página no Facebook de João Ferreira é uma quase
inutilidade.
Serve esta comparação para
exemplificar as dificuldades do PCP na utilização de redes sociais. Se fosse
procurar exemplos de utilização do Twiter, do WhatsApp, Instagram ou de simples
SMS, os resultados seriam semelhantes.
Estas dificuldades, parece-me,
não têm a ver com falta de habilidade ou de sensibilidade para estes meios de
comunicação por parte de quem faz a propaganda no PCP.
O problema para os comunistas
portugueses é que a utilização das redes sociais na política, para ser eficaz,
implica aceitarem práticas que contrariam a sua própria maneira de pensar o
mundo, a forma como acham que se deve fazer política, a maneira como se devem
debater os problemas. Não é um problema formal, é de conteúdo.
Uma das contradições insanáveis
para a propaganda do PCP é que estar no Facebook de forma eficaz implica,
sempre, cair no culto da personalidade, quer pela valorização do
indivíduo-candidato e correspondente subvalorização do coletivo partidário,
quer pelo inevitável tom de adulação ao candidato que as caixas de comentários
feitos por seguidores produzem.
As dificuldades com a propaganda
não são a razão principal para o fracasso eleitoral de partidos enraizados no
país e institucionalizados no regime como o PCP é. Mas são uma componente
relevante do problema.
Como é que um partido como o PCP
que, no século XX, submetido a extremas dificuldades, revelou imensa energia,
inovação, e eficácia na elaboração e distribuição da sua propaganda consegue
agora lidar, no século XXI, com instrumentos como as redes sociais, sem trair o
seu ideário? Não sei.
_________________________________
(*) Num livro de Álvaro Cunhal,
que me parece muitas vezes ser subestimado, O Partido com Paredes de Vidro, de
1985, o dirigente histórico do Partido Comunista Português explica como o PCP
vê o problema do culto da personalidade:
"O culto da personalidade é
um fenómeno negativo que comporta inevitavelmente pesadas consequências no
partido em que se verifique.
Os elogios públicos e o exagero
dos méritos do dirigente objeto do culto são aspetos superficiais.
As questões de fundo são
extraordinariamente mais graves.
São as incompreensões e a
supervalorização do papel do indivíduo.
É a atribuição a uma
personalidade, não apenas do que lhe é devido pelos seus méritos mas do que se
deve aos méritos de muitos outros militantes.
É o injusto apagamento da
contribuição dos outros militantes, assim como da classe e das massas.
É a prática da direção individual
e da sobreposição da opinião individual (mesmo que errada) à do coletivo.
É a aceitação sistemática, cega,
sem reflexão crítica, das opiniões e decisões do dirigente.
É a crença ou a imposição da sua
infalibilidade.
É o atentismo em relação às
decisões do «chefe» e a quebra da iniciativa, intervenção e criatividade das
organizações e militantes.
É a falsa ideia de que as tarefas
que cabem ao Partido e até à classe operária e às massas podem ser realizadas
pelo dirigente objeto do culto.
É o enfraquecimento da
consciência comunista e da aprendizagem e responsabilidade dos dirigentes e
militantes.
É o enfraquecimento e afogamento
da democracia interna nos seus variados aspectos (trabalho coletivo, regra
maioritária, independência de juízo e de opinião, prestação de contas).
É o caminho quase inevitável para
a intolerância, o dirigismo, a utilização de métodos administrativos e sanções
em relação aos que discordem do dirigente objecto do culto, o contradigam ou se
lhe oponham."
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