quarta-feira, 8 de maio de 2019

Portugal | O precedente açoriano e a ópera bufa

Mariana Mortágua | Jornal de Notícias | opinião

Por quatro vezes o Parlamento aprovou iniciativas que mandataram o Governo a reconhecer o tempo de serviço dos professores. Na primeira, o PS votou a favor. Nas duas seguintes, não tendo votado a favor na especialidade, aprovou os orçamentos que as continham. Na quarta, ameaçou demissão alegando um impacto orçamental futuro que ninguém consegue calcular porque depende da forma como esse descongelamento for negociado, e de dados que o Governo esconde.

Nos Açores, onde governa o PS, a contagem integral do tempo de serviço foi garantida com aplicação faseada no tempo, sem dramas. Na Madeira, o PS votou a favor da mesma solução, sem dramas. No continente, ameaçou demissão. O truque bastou para PSD e CDS darem o dito por não dito, tão convictos estavam das suas posições, e António Costa, que enfrentava uma campanha que lhe corria francamente mal, põe-se de novo a sonhar com uma maioria absoluta.

Haverá quem diga que política é isto, mas eu discordo. Governar é encontrar soluções, não é inventar pretextos para problemas. Nenhum boa solução saiu desta alegada crise. Pelo contrário, resta a ideia perversa de que a proteção dos direitos dos trabalhadores do público se faz contra os trabalhadores do privado. É falso, esta legislatura já o provou e ainda tem muito para decidir sobre trabalho, sobre SNS, sobre Cuidadores e, já agora, sobre verdadeiros privilégios, como são as rendas da energia.


Uma dessas decisões diz respeito aos trabalhadores por turnos: enfermeiros, operárias, condutores ou operadoras de call centers, tanta gente que não tem o mesmo direito à vida familiar e ao descanso, que luta para organizar a sua vida que se faz ao contrário do resto da sociedade. É justo garantir-lhes acompanhamento médico adequado, regras mais justas de descanso e férias, previsibilidade no horário de trabalho e o definitivo reconhecimento de que o seu esforço, no fim do dia, é sempre superior.

O número de ilusionismo político foi feito e ultrapassado. Agora voltamos àquilo que conta. Veremos com que maioria podem contar os 750 mil trabalhadores por turnos. Será uma excelente oportunidade para se oferecer uma solução de Esquerda a trabalhadores do privado, porque atirá-los contra os do público nunca foi política da geringonça, e muito menos de Esquerda.

* Deputada do BE

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