domingo, 26 de maio de 2019

Portugal | Polícias exigem cabeça de dirigente sindical que denunciou racismo


Manuel Morais, 53 anos, agente do Corpo de Intervenção e vice-presidente do maior sindicato da PSP, provocou uma onda de contestação interna ao alertar para o "preconceito racial" nas polícias. E já há uma petição pública contra o agente.

Quem não está connosco está contra nós - é o que fica subjacente no texto de uma petição pública a exigir a "demissão imediata" de Manuel Morais, 53 anos, agente do Corpo de Intervenção, da vice-presidência da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP), o maior sindicato da PSP.

A ASPP, sabe o DN, vai ceder à pressão e aceitar a demissão do seu dirigente histórico, que há 30 anos faz parte da direção deste sindicato, e ousou reconhecer a existência de racismo nas polícias.

Morais tem alertado para a necessidade de "desconstruir" o preconceito racial "na sociedade em geral", assumindo que o racismo e a xenofobia existem também nas forças de segurança.



Mas a sua opinião, que há um ano tinha expressado ao DN - e que na altura já lhe causou problemas -, voltou a ganhar força, nesta quinta-feira, numa reportagem da SIC sobre a ação policial violenta em algumas zonas urbanas sensíveis, provocando a ira na PSP, a começar pelos sócios da própria ASPP.

Paulo Rodrigues, presidente desta estrutura sindical, não defende a opinião de Morais e admite que "neste momento está muito difícil não ceder" à pressão quem vem dos associados, a pedir que Morais seja expulso. Garante que a ASPP "desconhecia" a participação do seu número dois no programa televisivo.

Caça aos associados

Assinala ainda o "momento inoportuno" desta intervenção, numa semana em que oito polícias que eram da esquadra de Alfragide foram condenados por agressões, injúrias, sequestros, denúncia caluniosa e falsificação de documentos, contra seis jovens negros da Cova da Moura, em 2015.

Para a ASPP, há outra preocupação ainda: com a nova lei sindical da PSP aprovada, que faz depender o número de dirigentes com direito a folgas sindicais da representatividade dos sindicatos, abriu a "guerra" entre as 17 estruturas para a "caça" ao sócio - e perder associados é fragilizar o seu poder.

"O que nos preocupa é que as declarações do Manuel Morais, apesar de terem sido a título pessoal, geraram uma enorme onda de contestação de muitos sócios que entendem que a opinião dele não representa os polícias", sublinha Paulo Rodrigues, que remete a decisão sobre o destino do vice-presidente para a reunião de dirigentes nacionais da ASPP prevista para segunda-feira.

Por seu lado, Manuel Morais já adiantou ao DN que não pretende causar constrangimentos ao sindicato e pretende "colocar o lugar à disposição" da direção. Não deixa, no entanto, de lamentar a situação.

"É preciso que as organizações assumam as suas responsabilidades sociais, incluindo os sindicatos. Assumi um risco e vou pagar por isso, mas vou continuar a ter a minha opinião e a defender uma sociedade melhor. Não abdico um milímetro do que disse na reportagem: há um preconceito, não nos polícias, mas na sociedade, a desconstruir. O difícil é as pessoas terem consciência desse preconceito", salienta.

Na entrevista, Morais admitia que os polícias que patrulham as zonas urbanas sensíveis, cujas comunidades são principalmente constituídas por afrodescendentes, "acabem por aprofundar o preconceito".

Morais "está a mais na polícia"

Na petição pública, que à hora desta notícia contava com perto de 200 assinaturas, o primeiro signatário, que diz ser sócio da ASPP, refuta qualquer comportamento racista na polícia. "Mesmo nos tempos de juventude, em que percorria os típicos bairros da Amadora, onde éramos apedrejados e cuspidos, como se fôssemos excremento. Mesmo aí, nunca vi ninguém usar da condição policial para ser arrogante, xenófobo ou racista."

Neste texto, assinala-se o timing da entrevista do agente do CI. "Agora, e depois da leitura da sentença dos nossos irmãos, sabendo nós que nenhum crime de racismo, tortura ou xenofobia teve condenação, vem o mesmo Manuel Morais constituir-se elemento fundamental de uma peça televisiva da SIC, em que vem, uma vez mais, afirmar que os polícias são racistas e xenófobos, não só na PSP, mas como no seio dos nossos outros irmãos polícias. Uma vez mais, pasme-se, o timing da peça televisiva seguramente é mera coincidência com a leitura da sentença do caso de Alfragide."

Para os signatários da petição, "em todos os lados há pessoas menos válidas; se na nossa PSP essa percentagem estiver abaixo de 1%, o vice-presidente Manuel Morais estará a mais na nossa polícia, porque ainda não percebeu que a essência de ser polícia não está na violência".

É exigido que a ASPP "se demarque imediatamente de todas as afirmações e lhe retire a confiança para o desempenho do cargo, demitindo-o imediatamente".

No último relatório de um grupo criado pela Comissão Europeia contra o racismo e a intolerância, foi assinalada a infiltração da extrema-direita nas forças de segurança portuguesa, existindo elementos que simpatizam com discursos de ódio, racistas e homofóbicos.

Dois dirigentes sindicais da PSP são candidatos ao Parlamento Europeu pela coligação Basta, que integra o partido Chega de André Ventura. O sindicato a que pertencem assumiu a defesa dos polícias acusados no processo de Alfragide e acreditam na inocência de todos.

Formado em Antropologia e sem medo de dar opinião

Manuel Morais está habituado a ser contestado na Polícia de Segurança Pública. Há um ano este agente principal e coordenador de equipa no Corpo de Intervenção foi criticado depois de ter reconhecido no seu trabalho de mestrado - "Relações das Polícias com os Jovens dos Bairros Periféricos" - que existia racismo e xenofobia na PSP. Resultado divulgado numa entrevista ao DN e que coincidiu com o início do julgamento dos 17 elementos da esquadra de Alfragide. A diferença agora, além da condenação recente a penas de prisão de oito daqueles elementos, é que a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP) vai ceder às pressões dos associados e, provavelmente, aceitar o pedido de renúncia ao cargo de vice-presidente que Manuel Morais garante ir apresentar. Na PSP desde abril de 1991, é formado em Antropologia, com o referido mestrado que tirou, tal como o curso, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Além disso, tem, ao longo dos anos, dirigido várias formações profissionais na sua área. Natural de Melgaço, Manuel Morais (53 anos) entrou para a PSP depois de terminar o serviço militar no Regimento de Comandos da Amadora.

Diário de Notícias

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