Manuel Morais, 53 anos, agente do
Corpo de Intervenção e vice-presidente do maior sindicato da PSP, provocou uma
onda de contestação interna ao alertar para o "preconceito racial"
nas polícias. E já há uma petição pública contra o agente.
Quem não está connosco está contra
nós - é o que fica subjacente no texto de uma petição pública a exigir a
"demissão imediata" de Manuel Morais, 53 anos, agente do Corpo de
Intervenção, da vice-presidência da Associação Sindical dos Profissionais da
Polícia (ASPP), o maior sindicato da PSP.
A ASPP, sabe o DN, vai ceder à
pressão e aceitar a demissão do seu dirigente histórico, que há 30 anos faz
parte da direção deste sindicato, e ousou reconhecer a existência de racismo
nas polícias.
Morais tem alertado para a
necessidade de "desconstruir" o preconceito racial "na sociedade
em geral", assumindo que o racismo e a xenofobia existem também nas forças
de segurança.
Mas a sua opinião, que há um ano tinha expressado ao DN - e que na altura já lhe causou problemas -, voltou a
ganhar força, nesta quinta-feira, numa reportagem
da SIC sobre a ação policial violenta em algumas zonas urbanas
sensíveis, provocando a ira na PSP, a começar pelos sócios da própria ASPP.
Paulo Rodrigues, presidente desta
estrutura sindical, não defende a opinião de Morais e admite que "neste
momento está muito difícil não ceder" à pressão quem vem dos associados, a
pedir que Morais seja expulso. Garante que a ASPP "desconhecia" a
participação do seu número dois no programa televisivo.
Caça aos associados
Assinala ainda o "momento
inoportuno" desta intervenção, numa semana em que oito polícias que eram da esquadra de Alfragide foram
condenados por agressões, injúrias, sequestros, denúncia caluniosa e
falsificação de documentos, contra seis jovens negros da Cova da Moura, em 2015.
Para a ASPP, há outra preocupação
ainda: com a nova lei sindical da PSP aprovada, que faz depender o
número de dirigentes com direito a folgas sindicais da representatividade dos
sindicatos, abriu a "guerra" entre as 17 estruturas para a "caça" ao sócio - e
perder associados é fragilizar o seu poder.
"O que nos preocupa é que as
declarações do Manuel Morais, apesar de terem sido a título pessoal, geraram
uma enorme onda de contestação de muitos sócios que entendem que a opinião dele
não representa os polícias", sublinha Paulo Rodrigues, que remete a
decisão sobre o destino do vice-presidente para a reunião de dirigentes
nacionais da ASPP prevista para segunda-feira.
Por seu lado, Manuel Morais
já adiantou ao DN que não pretende causar constrangimentos ao sindicato e
pretende "colocar o lugar à disposição" da direção. Não deixa, no
entanto, de lamentar a situação.
"É preciso que as organizações assumam as suas responsabilidades sociais, incluindo os sindicatos. Assumi um risco e vou pagar por isso, mas vou continuar a ter a minha opinião e a defender uma sociedade melhor. Não abdico um milímetro do que disse na reportagem: há um preconceito, não nos polícias, mas na sociedade, a desconstruir. O difícil é as pessoas terem consciência desse preconceito", salienta.
"É preciso que as organizações assumam as suas responsabilidades sociais, incluindo os sindicatos. Assumi um risco e vou pagar por isso, mas vou continuar a ter a minha opinião e a defender uma sociedade melhor. Não abdico um milímetro do que disse na reportagem: há um preconceito, não nos polícias, mas na sociedade, a desconstruir. O difícil é as pessoas terem consciência desse preconceito", salienta.
Na entrevista, Morais admitia que
os polícias que patrulham as zonas urbanas sensíveis, cujas comunidades são
principalmente constituídas por afrodescendentes, "acabem por aprofundar o
preconceito".
Morais "está a mais na
polícia"
Na petição pública, que à hora
desta notícia contava com perto de 200 assinaturas, o primeiro signatário, que
diz ser sócio da ASPP, refuta qualquer comportamento racista na polícia. "Mesmo
nos tempos de juventude, em que percorria os típicos bairros da Amadora, onde
éramos apedrejados e cuspidos, como se fôssemos excremento. Mesmo aí, nunca vi
ninguém usar da condição policial para ser arrogante, xenófobo ou
racista."
Neste texto, assinala-se o timing da
entrevista do agente do CI. "Agora, e depois da leitura da sentença dos
nossos irmãos, sabendo nós que nenhum crime de racismo, tortura ou xenofobia
teve condenação, vem o mesmo Manuel Morais constituir-se elemento fundamental
de uma peça televisiva da SIC, em que vem, uma vez mais, afirmar que os
polícias são racistas e xenófobos, não só na PSP, mas como no seio dos nossos
outros irmãos polícias. Uma vez mais, pasme-se, o timing da peça
televisiva seguramente é mera coincidência com a leitura da sentença do caso de
Alfragide."
Para os signatários da petição,
"em todos os lados há pessoas menos válidas; se na nossa PSP essa
percentagem estiver abaixo de 1%, o vice-presidente Manuel Morais estará a mais
na nossa polícia, porque ainda não percebeu que a essência de ser polícia não está
na violência".
É exigido que a ASPP "se
demarque imediatamente de todas as afirmações e lhe retire a confiança para o
desempenho do cargo, demitindo-o imediatamente".
No último relatório de um grupo
criado pela Comissão Europeia contra o racismo e a intolerância, foi assinalada
a infiltração da extrema-direita nas forças de segurança
portuguesa, existindo elementos que simpatizam com discursos de ódio, racistas
e homofóbicos.
Dois dirigentes sindicais da PSP
são candidatos ao Parlamento Europeu pela coligação Basta,
que integra o partido Chega de André Ventura. O sindicato a que pertencem
assumiu a defesa dos polícias acusados no processo de Alfragide e acreditam na inocência de todos.
Formado em Antropologia e sem
medo de dar opinião
Manuel Morais está habituado a
ser contestado na Polícia de Segurança Pública. Há um ano este agente principal
e coordenador de equipa no Corpo de Intervenção foi criticado depois de ter
reconhecido no seu trabalho de mestrado - "Relações das Polícias com os
Jovens dos Bairros Periféricos" - que existia racismo e xenofobia na PSP.
Resultado divulgado numa entrevista ao DN e que coincidiu com o início do
julgamento dos 17 elementos da esquadra de Alfragide. A diferença agora, além
da condenação recente a penas de prisão de oito daqueles elementos, é que a
Associação Sindical dos Profissionais da Polícia (ASPP/PSP) vai ceder às
pressões dos associados e, provavelmente, aceitar o pedido de renúncia ao cargo
de vice-presidente que Manuel Morais garante ir apresentar. Na PSP desde abril
de 1991, é formado em Antropologia, com o referido mestrado que tirou, tal como
o curso, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Além disso,
tem, ao longo dos anos, dirigido várias formações profissionais na sua área.
Natural de Melgaço, Manuel Morais (53 anos) entrou para a PSP depois de
terminar o serviço militar no Regimento de Comandos da Amadora.
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