Multiplicam-se, em todo o mundo,
as alianças entre donos do dinheiro e lúmpen-políticos. Por que o poder
econômico abandonou a direita “civilizada”? Como a esquerda “esqueceu-se” da
crítica radical ao sistema? É possível retomá-la?
Nick Dearden | Outras Palavras | Tradução:Marianna
Braghini
“Viajei 24 horas, de Manila ao
Rio, para estar aqui e ainda assim, politicamente, sinto que não deixei minha
casa”. Walden Bello, principal guia do “movimento anti-globalização” e
ex-deputado das Filipinas, refletiu sobre o ascenso dos “homens fortes” autoritários
de direita, das Filipinas até o Brasil. Juntei-me à ele no Brasil para avaliar
o que mudou nos últimos 20 anos desde que os protestos massivos em Seattle
levaram a Organização Mundial do Comércio a paralisar e anunciaram o nascimento
de um novo movimento internacional ao mundo. “Mas 20 anos atrás, Seattle era
uma questão exclusivamente da esquerda” continuou Bello. “Nós precisamos
entender como a extrema-direita conseguiu comer o nosso almoço”.
Como o capitalismo está passando
por uma de suas piores crises na história, uma galeria de desonestos,
financistas, empresários bilionários e os políticos mais establishment possível
conseguiram capturar, suficientemente, o imaginário popular e tomar o poder de
um dos maiores países do mundo? E onde está a esquerda internacional que, há 20
anos atrás, fermentou um dos movimentos mais internacionais e diversos que o
mundo já viu, mas atualmente parece defensiva e insular frente à uma crise que
previmos e alertamos a respeito?
Estávamos no Brasil para comparar
experiências, para aprender uns com os outros, para trabalhar em como
reconstruir um internacionalismo forte o suficiente para combater esta
tendência “trumpista”. Como a citação inicial de Walden Bello esclarece, as
similaridades enfrentadas por diversas sociedades ao redor do mundo é
surpreendente. O capitalismo está enfrentando sua mais profunda crise desde a
Segunda Guerra Mundial, uma crise que ameaça a própria existência deste modelo
econômico. Mas, ao passo que a esquerda política está recuada em diversos
lugares e fortemente focada em uma agenda defensiva e doméstica, a direita usou
este momento para construir uma assustadora rede global, sustentada com muito
dinheiro e capaz de se alimentar da insatisfação popular.
Em países incluindo Brasil,
Índia, as Filipinas e Turquia, homens-fortes autoritários têm sido eleitos para
o Executivo, alimentando movimentos de medo e ódio e, ainda, demonizando grupos
marginalizados, retrocedendo os limitados ganhos sobre as mudanças climáticas,
em equidade sexual e racial e até mesmo desafiando os espaços relativamente
democráticos nos quais nos organizamos. O chefão é Donald Trump, normalizando e
legitimando esta política, dando confiança às redes de extrema-direita,
encorajando o financiamento internacional. E as narrativas estão se espalhando
para muito além dos países onde estes homens-fortes governam, se infiltrando na
política em todos os lugares.
Trumpismo ao redor do mundo
Há 20 anos, o Brasil era uma das
plataformas de lançamento daquilo que se tornou conhecido como o movimento
anti-globalização. Foi aqui, sob um governo regional radical, que o primeiro
Fórum Social Mundial aconteceu, uma tentativa de fazer frente à reunião das
elites em Davos, na Suíça, conhecido como Fórum Econômico Mundial. O Fórum
Social Mundial era um espaço para encontrar, aprender e formular estratégias
com ativistas de todo o globo. Dois anos depois, Lula foi eleito presidente,
parte da “Onda Rosa” [em inglês Pink Tide] que varreu a América Latina e
colocou um espinho no capitalismo de livre mercado.
Atualmente, Lula esta na prisão e
o Brasil é governado por Jair Bolsonaro, um membro de extrema-direita da elite,
um apologista da ditadura militar que violou direitos humanos, que de alguma
forma conseguiu cultivar uma imagem popular e ganhar uma maioria. Ele chegou ao
poder denunciando terroristas ativistas da esquerda e movimentos social. Um
racista, um misógino e um homofóbico, Bolsonaro faz Trump parecer moderado.
Certamente, quando você chega ao
Brasil, você não vê stormtroopers [de Star Wars] ou suásticas. E
muitos turistas sequer irão notar que algo mudou. Mas, para a esquerda e para
os marginalizados, as coisas mudaram bastante. A polícia e os militares foram
soltos da coleira. Durante nossos cinco dias no país, soldados deram 80 tiros em
um carro com uma família dentro, sem avisos, assassinando um músico negro. Eles
alegaram que foi um caso de confusão na identificação. Um ano atrás, Marielle
Franco, uma vereadora negra e lésbica, que era porta voz dos pobres nas favelas
e contra a violência policial, foi assassinada junto com seu motorista. Dois
homens acabaram de ser presos por este crime, depois de muito clamor público,
mas sabemos que os reais mandantes do crime são associados à um sombrio grupo
criminoso, com conexões com a elite, incluindo o novo presidente. De forma mais
geral, grupos da sociedade civil estão sendo cada vez mais assediados e
qualquer pessoa que nutra o ódio na sociedade se sente empoderada para espalhar
suas visões intolerantes online e nas ruas.
O Brasil não está sozinho. O
atual presidente das Filipinas, mencionado por Walden Bello na abertura da
conferência, é Rodrigo Duterte. Duterte é responsável pelo assassinato de 20
mil usuários de drogas, vítimas da perversa guerra às drogas que por sua vez
tem sido um dos temas centrais de sua presidência. Duterte comparou a guerras
às drogas com a exterminação de judeus por Hitler. Ele se orgulha disso. Ele
encorajou esquadrões da morte a tomar parte na matança, que não só inclui
usuários de drogas, mas também crianças de rua e pobres marginalizados em
geral. E ele é um agressivo oponente de organizações de direitos humanos que
fazem qualquer crítica a essas políticas.
Também temos a Índia, governada
por Narendra Modi, um nacionalista hindu, cujo período no governo já viu uma
alta massiva de crimes de ódio, assassinatos, linchamentos, espancamentos
coletivos e gangues de estupro, especialmente contra muçulmanos e grupos de
baixa casta e, ao melhor estilo Trump, combinado com uma quantidade sem
precedentes de interferência política em — e às custas de — instituições
democráticas, do parlamento às cortes e até na mídia.
É claro, são apenas três países.
As ideias trumpistas estão se espalhando de forma mais ampla, incluindo na
Europa onde fascistas são uma parte importante do governo italiano e na
Hungria, que é essencialmente governada por um fascista. Até mesmo na
Grã-Bretanha, durante meu tempo no Brasil, uma pesquisa de opinião sugeriu que
54% da população concordava com a declaração “A Grã-Bretanha necessita de um
governo forte disposto à quebrar as regras”. Apenas 23% discordaram. No
Uruguai, uma sociedade estável, progressiva, sem nenhum histórico recente de
atividade de extrema-direita, o chefe das Forças Armadas, recentemente, deu um
passo inconstitucional para criticar o Judiciário pelas investigações de abusos
de direitos humanos. Após ser dispensado pelo presidente, ele se tornou uma
estrela populista em ascensão, que os ativistas temem disputar a eleição
presidencial neste ano.
A essência do trumpismo
Todas estas situações possuem
importantes diferenças. Pela natureza dos “homens-fortes”, há uma dose pesada
de excentricidade individual, às vezes beirando doenças mentais, nos líderes
ascendentes. Mas há convergências suficientes para começar a esboçar lições
desta situação que nos confronta.
Os líderes e movimentos
trumpistas sempre tendem a demonizar certos grupos vulneráveis na sociedade:
migrantes, classes inferiores (rotuladas como “criminosos” ou “drogados”),
muçulmanos ou grupos de baixa casta, mulheres, transsexuais, homossexuais. Isso
se provou ser um meio vital na construção da popularidade desfrutada por estes
líderes. A base popular dos trumpistas é bem masculina e alimenta uma sensação
de que os homens brancos (ou hindus, ou latinos) perderam espaço para grupos
mais marginalizados, que eles não podem mais falar o que quiserem sem serem
confrontados. Ainda que este confrontamento venha de grupos que
tradicionalmente nunca tiveram voz, e finalmente podem se expressar de alguma
forma, ele foi equacionado com sucesso para um projeto elitista liberal do
“politicamente correto”. O fascismo sempre apela para aqueles que tem algum
poder a perder – mesmo que pequeno. E, é claro, geralmente há alguém mais
ferrado que você, e se alguém lhe diz para “tomar cuidado com eles, eles estão
atrás de um pedaço do que você tem” – sejam migrantes, ou mulheres, ou
muçulmanos ou quem quer que seja – pode ser bem efetivo.
Nesse sentido, figuras
intrinsecamente ligadas ao establishment (Trump, o bilionário;
Bolsonaro e Modi, os políticos da elite; Jacob Rees-Mogg e Nigel Farage,
financistas da classe alta) tem conseguido se retratar como anti-establishment.
Após derrotar os sindicatos e capitular os sociais democratas para as forças do
livre mercado, estes políticos da elite se retrataram, com sucesso, como a voz
da ordinária e esquecida maioria, canalizando uma raiva, muitas vezes legítima,
a uma elite que passou os últimos 40 anos se enriquecendo às custas de todo os
outros.
Também explica o aspecto mais
assustador destes homens-fortes – sua popularidade. Nenhuma destas pessoas
chegou ao poder com um golpe. Elas foram democraticamente eleitas. Elas possuem
um apoio bem significativo da classe média e de porções da classe trabalhadora
que, na verdade, irão perder economicamente por conta das políticas econômicas
adotadas. O mortífero Duterte tem uma taxa de aprovação pairando em cerca de
80%. A Modi deve ganhar a próxima eleição indiana. Trump e Bolsonaro, mesmo que
não tão populares no cenário atual, podem facilmente ganhar um segundo mandato.
É assim que eles saíram impunes
de seus ataques sem precedentes às instituições da democracia liberal em todos
os setores, o desmantelamento destes sistemas que, embora fosse imperfeitos,
pelo menos nos permitiam espaços para nos organizar por nossos direitos e por
mudança. Como fascistas tradicionais, trumpistas estão determinados a subverter
qualquer forma de pluralismo ou de democracia que possa contrariar seu poder ou
permitir que uma resistência se construa e triunfe. Eles estão tentando remodelar
nossa política como um todo, em direção ao que represente seu poder e seus
programas, e irão desfrutar de uma longevidade para além de seus mandatos.
O que são estes programas? Em seu
núcleo, está deixar o capitalismo fora da (comprida) coleira. Muitos destes
líderes são negacionistas das mudanças climáticas. Trump se retirou do
principal acordo internacional climático e Bolsonaro deve fazer o mesmo,
independentemente dos termos extremamente fracos deste tratado. Trump começou a
abrir todos os mares estrangeiros à exploração de gás e petróleo, para expandir
massivamente o potencial do fracking[fraturamento hidráulico] e abrir
totalmente o mercado dos EUA aos canadenses. Bolsonaro prometeu remover
proteções da Amazônia e abri-la, sem limites, para a mineração. Modi está a
beira de despejar mais de um milhão de indígenas de terras que as corporações
extrativas estão desesperadas para explorar. Os indígenas, em todo o mundo, são
um grande alvo destes homens-fortes, pois mesmo que possam estar assentados nas
piores terras do mundo — para onde são empurrados — o capitalismo está tão
desesperado que agora precisa daqueles recursos também. E os indígenas estão
“no caminho”.
A visão do capitalismo é muito
mais autoritária e nacionalista do que vimos nos últimos quatro anos, mas os
grandes negócios e a grande financeirização ainda estão no núcleo de seu
modelo. Trump deu uma das maiores isenções tributárias às corporações
norte-americanas em toda história. Ele está arrebentando a leve regulamentação
financeira de Obama. Bolsonaro indicou um ministro da economia adepto de um
livre mercado radical, que baseia suas políticas no primeiro — e mais brutal e
autoritário — líder neoliberal, o General Pinochet do Chile, e declara que
“estamos criando uma sociedade aberta popperiana”, do ideólogo do livre
mercado Karl Popper. Duterte e Modi também estão envolvidos em uma radical
desregulamentação de investimentos financeiros e em privatizações.
Então o programa, em seu núcleo,
é sobre eliminar os limites que estão sendo colocados ao capital pelas mudanças
climáticas e pela oposição pública. Mas a desculpa de que o Estado-nação não é
importante para o capitalismo foi varrida. Parcialmente, porque o Estado será
necessário para lidar com a crescente indignação que resultará destas
políticas. Está claro que essas políticas, por exemplo, irão alimentar migração
em todo o globo. Não é de se admirar que construir muros mais altos e impor
regras mais duras para migração são parte deste programa. Uma abordagem, cada
vez mais autoritária, daqueles que oferecem resistência também será necessária
quando a situação explodir, o que explica o foco em solapar espaços para
oposição e o desmantelamento das instituições democráticas liberais.
É claro, o problema com estes
homens-fortes é que eles são difíceis de controlar, difíceis até de prever. Não
há manual. Duterte diz que se importa com o meio ambiente e até mesmo se
autointitula um socialista. Trump supostamente goza de relações mais produtivas
com alguns sindicatos do que os Democratas conseguiram em muito tempo. Modi
apoiou uma série de reformas econômicas ao se deparar com certa resistência.
Mas isso é muito imprevisível e a habilidade de rasgar o livro de regras da
política torna estes líderes tão necessários nesse tempo.
Um pouco disso também estará em
contradição com os valores de líderes corporativos individuais. Jeff Bezos,
dona da Amazon, não aprecia a retórica incendiária anti-imigração de Trump. Eu
acredito nele. Estou certo que muitos diretores de indústria não gostavam de
aspectos da retórica de Hitler ou Mussolini. Mas a questão não é que estes são
os regimes em que capitalistas individuais gostariam idealmente de viver. É que
há uma necessidade estrutural dessas políticas e o Vale do Silício precisa mais
do que a maioria. Pois a revolução em tecnologia e comunicações que está
acontecendo ameaça a automação, o que pode eliminar milhões de trabalhos
ordinários, dizimar pequenos negócios, permitir a conclusão da aquisição
corporativa do setor agricultor e aumentar massivamente a vigilância a que
estamos submetidos todos os dias.
Há soluções democráticas para
isso – socialização generalizada destas tecnologias. Mas isso significa que
Jeff Bezos e Mark Zuckerberg perdem o controle de seus impérios. Eles não
estarão muito interessados nesta solução. E a alternativa é que as coisas irão
de fato se complicar. Se eles pensam que estão sob escrutínio agora, eles ainda
não viram nada. Eles irão descobrir que precisam do capitalismo autoritário
mais do que qualquer um, gostem disso ou não.
Nos anos 1930, grandes
industriais e financistas descobriram o fascismo era mais palatável do que o
comunismo. Atualmente, eles o acham mais palatável até do que formas moderadas de
social-democracia – prova disso é horror gerado por Lula no Brasil e que,
agora, é despertado por Corbyn na Grã-Bretanha. Essa é a extensão da crise que
a elite atual observa.
Trump está chegando…ponha a mão
na massa
Trump é a peça-chave do plano B
do capitalismo. Sua eleição legitimou as novas formas políticas de
homens-fortes. Ainda que outros tenham o precedido, ele torna estas
políticas seguras por meio da normalização e do desmantelamento de instituições
internacionais, que anteriormente poderiam ter tornado a vida difícil para
estes homens-fortes. Trump também altera o discurso – centristas como Blair e
Hillary Clinton clamaram por um reforço nas políticas anti-migração para
“responder” aos trumpistas. Derrotá-lo ao se torná-lo. As redes de think tanks e dark
money [interferência corporativa monetária na política] estão encorajadas.
Elas irão espalhar o ódio ao direito ao redor de todo o mundo. Elas irão
utilizar novas tecnologias para manipular o eleitorado em formas que não
poderíamos ter imaginado dez anos atrás.
Como nós respondemos? Primeiro,
não ceder um centímetro. Nós não devemos sacrificar os mais impactados e
maiores opositores dos homens-fortes. Na verdade, precisamos empoderá-los. A
camada da sociedade norte-americana com menor probabilidade de ter votado em
Trump é formada pelos 20% de baixo, medida segundo níveis de riqueza na
sociedade norte-americana. Aqueles realmente marginalizados não gostam de nada
disso, e com boas razões. Ajudá-los a se organizar e tomar posições de
liderança em nosso movimento é essencial. E confrontar de forma visível Trump e
sua laia nas ruas – por exemplo quando vier para a Grã-Bretanha em 4 de junho
ou mais a frente no ano na reunião de cúpula da OTAN – é uma parte vital deste
confrontamento. É simplesmente mentira dizer que Trump merece uma visita
oficial porque ele é o presidente dos EUA. Esta é uma honra incomum que
simplesmente legitima seu programa e seu discurso de ódio.
Isso não significa que devemos
depreciar aqueles na classe trabalhadora que não são ultra racistas, mas que
foram atraídos pela retórica estilo Trump, pois o sistema econômico falhou
claramente com eles. Sem suavizar nossa defesa de migrantes, nossa oposição aos
anti-aborto e por aí vai, nós temos que admitir que estas mensagens sozinhas não
irão alcançar a todos. Elas só irão funcionar como parte de uma plataforma
radical de reestruturação econômica – colocar o poder nas mãos de pessoas
comuns por meio da socialização das coisas que precisamos – moradia, saúde,
educação, energia, comunicações. Precisamos mostrar claramente que nós estamos
ao lado daqueles que nada tem, não da elite. Muitos já estão envolvidos em
disputas locais para tomar de volta o controle da moradia e energia e para se
opor a desenvolvimentos que visam o lucro e não as pessoas. É por meio destas
lutas concretas que podemos ganhar a argumentação sobre migração.
Nossos lamentos do Brexit são
replicados em muitos outros países ao redor do mundo, enquanto a esquerda luta
para responder a direita autoritária. Nas Filipinas, alguns comunistas até
chegaram à administração de Duterte; na Tailândia, alguns esquerdistas apoiaram
o golpe militar; nos EUA há uma sensação de que alguns mais tradicionais da
extrema-esquerda eram muito suaves frente aos perigos de Trump. Isso criou muitas
divisões e quebrou a confiança no pior momento. Nós devemos encontrar um
caminho para além disso. É certo que uma pequena minoria (por exemplo, qualquer
um que defendeu o Partido Brexit nas eleições europeias) é inadmissível. Exceto
por eles, nós devemos tentar encontrar um terreno em comum, provavelmente
baseado mais em valores do que em políticas específicas.
Reinventar o internacionalismo é
chave para o nosso projeto também. Há 20 anos eu fui parte do movimento
“anti-globalização”, o maior movimento internacional que o mundo ja viu, que
também era de base e conseguiu algumas vitórias incríveis. Atualmente, enquanto
a extrema-direita desenvolveu assustadoramente impressionantes redes
internacionais, a esquerda nunca foi tão insular. Vamos aprender com a
história. Ao passo que a Primeira Guerra Mundial se aproximava, a Internacional
socialista se partiu em diferentes grupos nacionais e atrasou suas próprias
máquinas de guerra nacionais. Os horrores desencadeados foram sem precedentes.
É claro que não devemos dispensar a importância vital das lutas domésticas. Mas
devemos encontrar meios de internacionalizar nossas lutas, pois nunca
precisamos tanto de solidariedade internacional. Não é um luxo. O poder do
Estado nação irá nos levar somente até um ponto. Deparados com as mudanças
climáticas, poder corporativo transnacional e uma extrema direita bem
articulada, não podemos ganhar a Grã-Bretanha sozinhos. Na verdade, os
experimentos com democracia local – de Porto Alegre à Barcelona e até Preston –
podem ser a maneira perfeita de fazer pressão e dar poder às pessoas sem cair
nos Estados nação imperialistas como resposta. Uma forma do que podemos chamar
de internacionalismo local.
Não será fácil. As mudanças
climáticas e mesmo a enorme escala de degradação ambiental significa que
devemos repensar nossa visão linear de história e “progresso”. Nós não sabemos
como será o amanhã, mas terá que ser bem diferente e temos que aceitar isso.
Mesmo o nosso “inimigo” não é tão claro quanto no passado; a razão para a qual parte
da direita foi capaz de “comer nosso almoço” e parecer mais radical que a
esquerda.
Precisamos transmitir esperança e
isso pode ser um desafio a esse ponto da história. Mas tentemos manter a mente
aberta. Novamente, para um nível em que a nova direita fez isso melhor que a
esquerda, abandonar a ideologia neoliberal quando ela falhou em servir seus
valores (de fato, os únicos neoliberais remanescentes são aqueles no centro,
que para começar, jamais deveriam ter absorvido esse dogma).
Nós podemos encontrar esperança
no colapso do dogma “o mercado sabe melhor”, com o progresso agora sendo feito
no entendimento público das mudanças climáticas, na indignação sentida por
tantos no poder das gigantes de tecnologia, na inabilidade das lideranças
mundiais em completar grandes acordos comerciais como o Acordo de Parceria
Transatlântica de Comércio e Investimento. Nós precisamos ter confiança em
nossa causa, nossas ideias, nosso programa e não sermos tirados do trilho por
estes homens-fortes. Nós não podemos resolver todos os problemas dos últimos
200 anos. A tentativa iria nos sobrecarregar e nos paralisar. Mas nós podemos e
devemos começar algo. Como eu aprendi no Brasil, o que estamos sentindo também
está sendo sentido por todos ativistas como nós ao redor de todo o mundo. Vamos
aprender, compartilhar, tentar extrair energia uns dos outros.
O trumpismo é ainda um crescente
fenômeno global. Ele pode ser interrompido, mas somente com um programa radical
que, por sua vez, é local e global. Não será fácil. Mas certamente é possível.
Se não nós, então quem, se não agora, e quando?
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