Macau, China, 04 jun 2019 (Lusa)
- Trinta anos depois do massacre de Tiananmen, mais de duzentas pessoas em
Macau lembraram hoje as vítimas e disseram à Lusa temer que no futuro não
possam fazer esta homenagem, que é silenciada e proibida na China continental.
Entre as 19:30 e as 22:00 em
Macau (12:30 e 15:00 em Lisboa) manifestantes e turistas foram-se juntando em
frente a um palco onde os organizadores passaram filmagem dos acontecimentos de
há 30 anos em Pequim. Muitos dos manifestantes sentaram-se no chão e ergueram
velas em memória às vítimas que o Governo Central nunca admitiu.
A vigília decorreu de forma
pacífica no Largo do Senado, uma das maiores praças de Macau e um dos
principais pontos turísticos do território, apesar de alguns momentos de tensão
entre a organização e as forças de segurança, quando a polícia fez dois
corredores de segurança para, segundo as autoridades, facilitarem a passagem às
pessoas.
"Nós estamos muito
preocupados, todos os anos receamos que possa ser o último ano" que há
vigília em Macau, contou à Lusa o deputado pró-democracia Sulu Sou, frisando
que o território deve "cuidar da sua liberdade" e lembrou de seguida
uma frase do famoso escritor checo Milan Kundera: "a luta do homem contra
o poder é a luta da memória contra o esquecimento".
Em 1989, em Pequim, o exército
chinês avançou com tanques para dispersar protestos pacíficos liderados por
estudantes, causando um número de mortos nunca oficialmente assumido. Algumas
estimativas apontam para milhares de mortos.
"O sentimento de que há
direitos humanos é muito fraco no Governo" de Macau, disse o mais jovem
deputado do território, que deu como exemplo que as autoridades "utilizam
as razões de segurança pública para restringir, ou mesmo banir, as pessoas de
praticarem os seus direitos de se manifestarem".
Manifestantes questionados pela
Lusa, a maioria deles estudantes universitários, apontaram que o sentimento que
têm é que para já se sentem seguros em exercerem os seus direitos, porque
existe liberdade de expressão e liberdade de imprensa no território, mas temem
o que pode acontecer daqui a 30 anos (quando terminar o período de transição)
ou mesmo antes disso.
Um dos organizadores da vigília,
Luís Leong, disse à Lusa, enquanto distribuía jornais alusivos aos
acontecimentos de Tiananmen, que as pessoas que foram à manifestação
"desde os mais velhos aos mais novos, sabem que em Pequim se lutou pela
democracia há 30 anos".
"Espero que mais jovens se
comecem a preocupar com a justiça social e com a sociedade", apontou,
sublinhando que irá continuar a organizar "esta vigília e a honrar a
memória das vítimas até que o Governo Central peça desculpa".
Também presente na vigília, o
advogado português Jorge Menezes, que defendeu Sulu Sou de um crime de
desobediência qualificada enquanto participava numa manifestação em 2016,
afirmou à Lusa que "não era possível haver uma manifestação destas na
República Popular da China", mas que em Macau, apesar de tudo, "ainda
é possível".
"No entanto o que nós
sentimos é que há valores fundamentais", no Estado de Direito, "que
estão lentamente, não sei se a desmoronar, mas a enfraquecer", afirmou,
numa alusão às crescestes políticas de acelerar a integração do ex-território
administrado por Portugal nas estratégias definidas por Pequim.
Macau e Hong Kong são os dois
únicos locais da China onde Tiananmen pode ser publicamente recordado e nas
duas cidades realizam-se anualmente vigílias para lembrar as vítimas do
massacre.
A fórmula 'um país, dois
sistemas' serviu para a integração de Hong Kong e Macau na República Popular da
China, em 1997 e em 1999, respetivamente, com o estatuto de regiões
administrativas especiais, e garante que as políticas socialistas em vigor no
resto da China não se aplicam nos territórios, que gozam de "um alto grau
de autonomia", à exceção da Defesa e das Relações Externas, que são da
competência exclusiva do Governo Central chinês.
MIM (JPI) // ANP
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