Esta segunda-feira assinala-se o
Dia Nacional do Cigano. Antropólogo diz que a efeméride não resolve nada e que
são precisas medidas concretas de apoio a esta comunidade
O antropólogo e investigador José
Pereira Bastos afirmou este domingo que Portugal deveria pedir desculpa aos
ciganos e resolver o problema da habitação, defendendo que não adianta de nada
haver um dia nacional do cigano.
A efeméride assinala-se esta
segunda-feira, dia 24 de junho, mas José Pereira Bastos entende que "não
adianta nem atrasa" para os cerca de 85% de portugueses com preconceitos
contra os ciganos, "só piora".
"Para as pessoas que não têm
preconceito não melhora nada", criticou o cofundador do Núcleo de Estudos
Ciganos do Centro de Estudos de Migrações e Minorias Étnicas.
José Pereira Bastos considera
"tudo isso uma fraude" porque "nunca ninguém pegou, nem ninguém
pega nesta questão", sublinhando que em Portugal os ciganos "são
aquilo que em psicanálise se chama o 'mau objeto'". O investigador recorda
um estudo que fez em 1997 sobre as "Minorias Étnicas em Portugal",
cujo resultado "nunca lhe tinha passado pela cabeça", e que veio
mostrar que "não há qualquer comparação" entre o racismo de que
é alvo a comunidade cigana e qualquer outra comunidade.
"Resulta de um racismo
sistemático, estrutural, que vem desde que eles chegaram em 1500 cá e que
nenhum governo republicano ou monárquico ou socialista ou liberal fez nada até
hoje", apontou.
O investigador não tem dúvidas em
afirmar que "o único racismo português é dirigido ostensivamente e
totalmente aos ciganos.
Pela forma como os ciganos têm
vindo a ser tratados em Portugal ao longo dos séculos, José Pereira Bastos
defende que o país deveria "pedir desculpa aos ciganos, com a história dos
ciganos na mão".
"O que falta é pedir
desculpa aos ciganos por razões históricas", defendeu.
Por outro lado, o investigador
defende que deve ser feita discriminação positiva em relação a esta comunidade,
com políticas específicas para os ciganos, sublinhando que em Portugalhá cerca
de 100 mil ciganos, "dos quais imensos analfabetos, imensos pobres,
imensos à chuva, a passar fome, a ser batidos pela polícia e a serem expulsos
pelas populações".
Na opinião do investigador e
antropólogo, a área da habitação deveria ser a primeira a ser alvo dessas
políticas de discriminação positiva, recordando uma visita a Bragança, onde viu
"pessoas com menos de 10 graus a dormir em ruínas, em casas sem
eletricidade, abraçados uns aos outros para se aquecerem, à fome, ao frio, à
chuva".
"E vi a mesma coisa em
Mourão [distrito de Évora] e vi em várias partes do país. Vi os chamados
nómadas, no meio da lama, famílias trigeracionais, a avó, os filhos, os netos,
descalços, na lama, a comerem espargos selvagens", contou.
Relatou também o caso de uma
outra família, cuja história foi testemunhada por um aluno do antropólogo, que
foi obrigada a "fazer um périplo de 12 concelhos, desde Beja até às Caldas
da Rainha" para depois voltar para trás porque era expulsa pela polícia em
todos os locais por onde passava.
Pereira Bastos frisou que o
"problema da habitação é gravíssimo", sublinhando que o que não falta
no país são casas vazias, principalmente em Lisboa.
"Assegurar condições humanas
de habitação parece-me o 'bê-a-bá'. Se não querem falar dos ciganos então façam
uma lei que proíba a habitação para todas as pessoas que querem habitação e não
a têm e não falem dos ciganos", desafiou.
Relativamente à educação, apontou
que é importante, para além de todas as medidas de promoção e incentivo à
frequência escolar, que no fim da linha haja empregos para estas pessoas, sob
pena de continuarem dependentes da venda ambulante.
Defendeu ainda a criação de uma
fundação privada que trabalhe diretamente com o tecido empresarial para a
contratação de pessoas ciganas pelas empresas nacionais, à semelhança do que
acontece em Espanha como a Fundação Secretariado Gitano.
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