A Televisão Que Temos é
exatamente assim: abusadora e malcriada, pesporrente e peneirenta, sobranceira
e metediça.
Alfredo Barroso
| jornal i | opinião
1. Cozinha e comida para o povo
são o cimento que liga de cabo a rabo o famoso Programa da Cristina, nas manhãs
da SIC, por entre os risos escancarados e os silvos estridentes da
exibicionista, que adora provar de tudo - por exemplo, ao cheirar uma receita
de bacalhau antes de enfiar o “fiel amigo” num orifício bocal tão franzido como
um chocho, mas ainda ocluso... É certo, porém, que cozinha e comida para o povo
são também a argamassa de outros programas mexerucos e mariolas (nomeadamente o
do Goucha, na TVI) que preenchem manhãs, tardes e noites de vários canais de
TV, quer generalistas quer do cabo, que as operadoras nos oferecem ad nauseam,
ou seja, até ao enjoo e ao vómito... Isto mereceria um estudo aprofundado sobre
o génio dos orifícios - e são muitos! - para entendermos melhor a sua utilidade
cívica, já nem direi cultural, pelo menos antes que tais programas comecem a ir
ainda mais longe, optando por orifícios porventura mais excitantes e passando,
por exemplo, a surpreender as audiências com cenas de sexo ao vivo… E porque
não, se tal já se viu em camaratas do big brother embora a coberto de lençóis?!
E viva a SIC, viva a TVI e viva a CMTV!
2. No hilariante filme dos Monty
Python The Meaning Of Life (O Sentido da Vida), realizado em 1983 pelo Terry Jones
e o Terry Gilliam - com John Cleese, Michael Palin, Graham Chapman, Eric Idle e
os dois realizadores, entre tantos outros - constatamos o que pode suceder a um
grotesco lambão, como o que é interpretado pelo Terry Jones, que ingurgita
comida desalmadamente até inchar como um balão e acabar por rebentar como um
fogo-de-artifício de apertar o nariz tal o pivete exalado pelo lambão feito em
“merda”... Será que a histérica Cristina, o histórico Goucha, a evanescente
Fátima “Bomba” Lopes e outros entertainers já terão visto o filme dos Monty
Python ou, pelo menos, a cena do grande lambão?
3. Curioso. Há poucos dias vi -
num dos canais privados que impingem ao povo, diariamente, doses massivas de
comida em programas mexerucos e mariolas - uma reportagem sobre a obesidade que
ataca implacavelmente os portugueses desde as mais tenras idades - tão tenras
como um bife à Chateaubriand ou um tournedó à Rossini - e causa muitas maleitas
que dão cabo de tudo, mormente das vísceras, e não só do coração e dos dedos dos
pés... Em suma: o frívolo e o sério, a gula gargantuesca e a adiposidade
excessiva, a garfada e o dulcolax, coexistem na programação dos canais de TV
fatalmente popularuchos, nos quais se comete diariamente o pecado da gula, para
depois a denunciarem com toda a seriedade e compostura do jornalismo hipócrita,
reclamando, então, as curas de emagrecimento e a redenção dos pecadores, que se
impõem. Amen...
4. Passemos à vaidade
propriamente dita. Agora, na TVI, quando se trata de “jornalismo de
investigação” - seja lá isso o que for, e hoje é, preferencialmente,
espectáculo e entertainement - o que se promove não é tanto o tema de cada
investigação mas, sobretudo, a jornalista que investiga, elevada à condição de
heroína, de amazona, de Florence Nightingale do jornalismo pós-moderno, que
anda à cata de escândalos e os vasculha sem parar, chame-se ela Fulana de Tal
ou Beltrana de Tal, já que são duas, à compita... A jornalista-vedeta é que é,
na TVI, o espectáculo, porque é ela que “descobre as carecas”, que aponta o
dedo acusador, que fala aos visados com arrogância e desdém, que lhes perfura
os bestuntos, que os julga como se fosse juíza, e que os condena sem apelo nem
agravo... Fulana de Tal e Beltrana de Tal abundam em arrogância e estoiram de
vaidade. Desconfia-se que nenhuma delas terá cometido, alguma vez na vida,
pequenos, médios ou grandes pecados. São santas criaturas - aliás, todos os
jornalistas em Portugal são criaturas santas! - sem sombra de pecado e, por
isso mesmo, puras e virginais - não no sentido bíblico, presumo! - elevando-se
no firmamento da comunicação social lusitana como jornalistas não menos do que
geniais, viragos excepcionais, exemplos a imitar, cuja autoridade profissional
e ética lhes consente que espreitem, esgravatem, escarafunchem, escavaquem,
perfurem e denunciem o que topam logo como sendo trafulhices, sujeiras, fraudes
- de alto, médio e baixo coturnos - grandes e pequenas sacanices inadmissíveis
e vigarices intoleráveis, em suma: as “merdices” de todo o tipo, verdadeiras ou
nem por isso, que preenchem o quotidiano a que as audiências da TV têm direito,
faça sol na eira ou chuva no nabal... Mas a TQT (Televisão Que Temos) é
exactamente assim: abusadora e malcriada, pesporrente e peneirenta, sobranceira
e metediça, voyeurista e desprezível, histérica e estúpida, comilona e
lambareira, clamorosa e voraz! Eis a triste sina de quem vê TV...
* TQT é o acrónimo de “Televisão
Que Temos”, que utilizei sistematicamente nas minhas crónicas sobre TV
publicadas no semanário O Independente em meados dos anos 1990.
O autor escreve sem adopção das
regras do acordo ortográfico de 1990
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