Pedro Ivo Carvalho | Jornal de
Notícias | opinião
A estatística devia sossegar-nos.
Afinal, a perceção dos portugueses sobre a corrupção está em linha com a média
europeia. Estagnamos no índice da Transparência Internacional. Mas depois somos
sacudidos pela outra realidade que não a dos números inspirados na lógica
sensorial e que nos ecoa nos ouvidos com a cadência de um martelo pneumático.
Não há semana que passe sem uma nova história sobre corrupção, um esquema
ardiloso, um emaranhado de cumplicidades espúrias. Porque não parece haver
tréguas possíveis nessa torrente incessante e circular em que emergem o tráfico
de influências, o peculato, a participação económica em negócio e a fraude
fiscal. Em todos estes comportamentos desviantes (vamos chamar-lhes assim), há
um denominador comum: nós. Os lesados da corrupção. Vítimas involuntárias que
assistem a tudo na bancada, lançando os cheques em branco com que os
serventuários ocasionais do regime forram o caminho.
O favorzinho, o dê lá um jeitinho
que é para um amigo, progride com naturalidade na cadeia de valor. Para os
patamares dos milhões de euros cozinhados nos gabinetes ministeriais, nos
escritórios ensolarados das multinacionais, nos corredores das autarquias e nos
bastidores de outras extensões do Estado. Esse outro Estado que floresce na
penumbra, que espreme a vitalidade do Estado funcional, de que dependemos para
as tarefas essenciais, que se esgueira pelos interstícios do sistema, que quer
estar longe, mas que não sabe estar noutro lugar que não seja perto, a sugar os
recursos. Aqui a força das palavras é necessária, porque não é simbólica. As
quantidades alarmantes de euros que se esvaem neste processo endémico são os
nossos impostos. O nosso trabalho. As nossas pensões. O combate à corrupção
deve, porquanto, ser assumido como um desígnio e não como uma obrigação
pré-eleitoral dos partidos do poder que geram mais arguidos ou condenados. As
crises ideológicas dão certamente discussões interessantes, mas esta crise é
sobre o modelo de desenvolvimento de um país que, por uma benigna perversão,
até transferiu mais dinheiro dos impostos para a solidariedade. Inscrever a
corrupção nos programas eleitorais não chega. É preciso músculo legislativo,
punições exemplares e doutrina. É imperioso atacar esta parcela do Portugal que
vive em fuga permanente.
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