sexta-feira, 21 de junho de 2019

Portugal | A República de Abril



Somos o que temos. Temos o que somos.

Prestes a atingir o centenário, a Seara Nova propôs aos colaboradores desta edição, os que fizeram e viveram a Revolução de Abril e os que sempre e só conheceram a democracia, uma reflexão sobre os 45 anos decorridos num país em mudança num mundo acelerado.

Ao apresentar a Seara, em Outubro de 1921, Raul Proença, numa reflexão sobre todo o século anterior, e não apenas sobre os tempos difíceis que a República então atravessava, dizia: “A Seara Nova não comunga no sofisma de que são os políticos os únicos culpados da nossa situação. A verdade é que os políticos não são melhores nem piores do que o permitem as condições gerais da mentalidade portuguesa. Todo o país tem de aceitar a responsabilidade que lhe cabe; todo o país, e em especial a sua élite.”

Entre 25 de Abril/1.º de Maio de 1974 (golpe militar do MFA e excelsa festa popular) e 2 de Abril de 1976 (sessão da Assembleia Constituinte em que foi aprovada pela Constituinte e promulgada pelo Presidente Costa Gomes a Constituição da República), Portugal e os portugueses viveram intensamente o profundo corte histórico que a revolução democrática provocou.

Cumprido o programa que se tinham proposto, no que respeita ao D do termo da guerra colonial e das colónias, os militares do MFA regressaram a quartéis, num tempo e num modo por vezes discutíveis, deixando os destinos da Pátria à democracia e aos democratas que, com as formações partidárias que a liberdade viabilizara, trataram de pôr de pé o país possível, levando por diante a democratização e o desenvolvimento dos DD em falta.

A concretização desses objectivos veio a coincidir, a partir de meados dos anos oitenta, com profundas alterações na Europa e no Mundo. A integração do país no espaço político-económico europeu, o crescente predomínio de um poder económico-financeiro transnacional sobre o poder político, o desenvolvimento aparatoso das novas tecnologias, das comunicações e dos transportes, a alteração das relações de poder entre nações e estados, a desinquietação de populações inteiras, tudo faz de um mundo efervescente, que encolhera, uma realidade pouco consentânea com o biorritmo de outras eras.

É então para este outro mundo que a nossa atávica ruralidade e as persistentes taxas de pobreza têm de encontrar resposta, num quadro constitucional que baliza e define os objectivos e os meios que condicionam as práticas para os atingir. Apesar das sete revisões que já sofreu (significativas, em boa parte, da hipocrisia de uma quase unanimidade na aprovação do seu conteúdo progressista e libertador – só o CDS votou contra) a Constituição de 1976 mantém potencial bastante para dar corpo às políticas necessárias à construção de um país decente, desenvolvido e moderno, em que a dignidade das pessoas, a dignidade de todos os seus cidadãos, seja a prioridade das prioridades.

Só a distorção, quando não a perversão, do texto constitucional tem possibilitado a prática de políticas que, ao longo deste anos de democracia directa, participativa, mantiveram o país longe das metas para que apontavam os alvores do regime democrático. A definição das linhas divisórias entre o público e o privado, com a privatização obscena, quando não criminosa, em sectores estratégicos da economia e da finança, as políticas ostensiva e concebidamente erradas, escandalosamente ofensivas do interesse nacional, o deficiente funcionamento de sectores decisivos, como a educação, a saúde e a justiça, o descaso da política do território e da defesa eficaz do ambiente, o dinheiro fácil e abundante conseguido pela via da pouca-vergonha do compadrio, do amiguismo e da partidice – tudo chagas que fazem descrer na democracia e dão alento a manifestações patológicas de sociedades sem norte.

Há muito a fazer para completar o projecto de Abril, que continua ao nosso alcance. Para tanto a Seara Nova mantém a confiança de sempre na sabedoria do nosso povo miúdo.

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