sexta-feira, 21 de junho de 2019

Sanções económicas dos EUA: sabotagem económica mortífera, ilegal e ineficaz


Medea Benjamin [*] e Nicolas J. S. Davies [**]

Enquanto o mistério de quem é responsável pela sabotagem dos dois petroleiros no Golfo de Omã continua sem solução, está claro que a administração Trump tem sabotado as remessas de petróleo iranianas desde 2 de maio, quando anunciou sua intenção de " reduzir as exportações de petróleo do Irão a zero, negando ao regime a sua principal fonte de rendimento ". Esta ação foi dirigida à China, Índia, Japão, Coreia do Sul e Turquia, nações que compram petróleo iraniano e agora enfrentam ameaças dos EUA se continuarem a fazê-lo. Os militares dos EUA podem não ter explodido fisicamente petroleiros transportando petróleo bruto iraniano, mas as suas ações têm o mesmo efeito e devem ser consideradas atos de terrorismo económico.

A administração Trump está também a cometer um roubo maciço de petróleo ao confiscar 7 mil milhões de ativos de petróleo da Venezuela – impedindo o governo de Maduro de obter acesso ao seu próprio dinheiro. De acordo com John Bolton, as sanções à Venezuela afetarão 11 mil milhões de dólares em exportações de petróleo em 2019. A administração Trump também ameaça as companhias de navegação que transportam petróleo venezuelano. Duas empresas – uma baseada na Libéria e outra na Grécia – já foram punidas com penalidades pelo envio de petróleo venezuelano para Cuba. Não há buracos nos seus navios, mas há no entanto sabotagem económica.

Seja o Irão, Venezuela, Cuba, Coreia do Norte ou um dos 20 países sob a bota das sanções dos EUA, o governo de Donald Trump está a usar o seu peso económico para tentar mudanças de regime ou mudanças políticas importantes em muitos países pelo mundo afora. 

Mortais 

As sanções dos EUA contra o Irão são particularmente brutais. Embora os EUA não tenham conseguido avançar nas metas de mudança do regime provocaram crescentes tensões com parceiros comerciais dos EUA em todo o mundo e infligiram terríveis sofrimentos ao povo do Irão. Embora alimentos e medicamentos estejam tecnicamente isentos de sanções, as sanções dos EUA contra os bancos iranianos como o Parsian Bank, o maior banco não estatal do Irão, tornam quase impossível processar pagamentos por bens importados – e isso inclui alimentos e remédios. A escassez resultante de medicamentos certamente causará milhares de mortes evitáveis no Irão e as vítimas serão trabalhadores comuns, não Ayatolahs ou membros do governo.

Os grandes meios de comunicação dos EUA têm sido cúmplices no pretexto de que as sanções dos EUA são uma ferramenta não violenta para pressionar os governos-alvo a fim de forçar algum tipo de mudança democrática de regime . Os relatórios norte-americanos raramente mencionam o impacto mortal das sanções sobre o comum das pessoas culpando os governos visados pelas crises económicas resultantes.

O impacto mortal das sanções é muito claro na Venezuela, onde as sanções económicas dizimaram uma economia já sofrendo com a queda dos preços do petróleo, a sabotagem da oposição, a corrupção e más políticas do governo. Um relatório conjunto sobre mortalidade na Venezuela em 2018 realizado por três universidades venezuelanasconcluiu que as sanções dos EUA foram grandemente responsáveis por pelo menos 40 mil mortes adicionais naquele ano. A Associação Farmacêutica da Venezuela relatou uma escassez de 85% de medicamentos essenciais em 2018.

Na ausência das sanções dos EUA, a recuperação dos preços globais do petróleo em 2018 deveria ter levado a pelo menos uma pequena recuperação na economia da Venezuela e a importações mais adequadas de alimentos e medicamentos. Em vez disso, as sanções financeiras dos EUA impediram a Venezuela de renegociar as suas dívidas e privaram a indústria petrolífera de dinheiro para peças, reparações e novos investimentos, levando a uma queda ainda mais dramática na produção do que nos anos anteriores de baixos preços do petróleo e depressão económica. A indústria petrolífera fornece 95% divisas estrangeiras da Venezuela, portanto, estrangulando a sua indústria petrolífera e cortando a possibilidade da Venezuela aceder a empréstimos internacionais. As sanções previsivelmente – e intencionalmente – aprisionaram o povo da Venezuela numa espiral económica depressiva.

Um estudo de Jeffrey Sachs e Mark Weisbrot para o Centro de Pesquisas Económicas e Políticas, intitulado"Sanções como castigo coletivo: o caso da Venezuela" , informou que o efeito combinado das sanções dos EUA de 2017 a 2019 deve levar a uma espantosa redução de 37,4% do PIB real da Venezuela em 2019, na esteira de um declínio de 16,7% em 2018 e a queda de mais de 60% nos preços do petróleo entre 2012 e 2016.

Na Coreia do Norte, décadas de sanções , juntamente com longos períodos de seca, deixaram milhões de pessoas do país de 25 milhões de habitantes malnutridos e empobrecidos . As áreas rurais, em particular, têm falta de remédios e água limpa . As sanções ainda mais rigorosas impostas em 2018 proibindo a maior parte das exportações do país, reduziram a capacidade do governo para pagar por alimentos importados para aliviar a escassez.

Ilegais 

Um dos elementos mais notórios das sanções dos EUA é o seu alcance extraterritorial. Os EUA atacam empresas de países terceiros com penalidades por "violarem" sanções dos EUA. Quando os EUA deixaram unilateralmente o acordo nuclear com o Irão e impuseram sanções, o Departamento do Tesouro dos EUA gabou-se de que em apenas um dia, 5 de novembro de 2018, sancionou mais de 700 indivíduos, entidades, aeronaves e embarcações que faziam negócios com o Irão. Em relação à Venezuela, a Reuters informou que em março de 2019 o Departamento de Estado havia "instruído as empresas petrolíferas e refinarias em todo o mundo para reduzirem ainda mais as transações com a Venezuela ou enfrentarem sanções, mesmo que negociações comerciais não sejam proibidas pelas sanções tal como publicadas pelos EUA.

Uma fonte da indústria petrolífera lamentou-se à Reuters: "É assim que os Estados Unidos operam hoje em dia. Eles têm regras escritas e depois ligam-nos para explicar que também existem regras não escritas que eles querem que sejam cumpridas."

Autoridades norte-americanas dizem que as sanções beneficiarão o povo da Venezuela e do Irão ao pressioná-los a derrubarem os seus governos. Desde que o uso da força militar, golpes e operações secretas para derrubar governos estrangeiros demonstraram-se catastróficos no Afeganistão, Iraque, Haiti, Somália, Honduras, Líbia, Síria, Ucrânia e Iémen, a ideia de usar a posição dominante dos EUA e do dólar nos mercados financeiros internacionais, como uma forma de "poder brando" para alcançar uma "mudança de regime", pode parecer aos políticos dos EUA uma forma mais fácil de coerção para apresentar a um público nos EUA cansado de guerras e a aliados difíceis.

Mas a mudança do "choque e pavor" do bombardeio aéreo e ocupação militar para os assassinatos silenciosos por doenças evitáveis, desnutrição e pobreza extrema está longe de ser uma opção humanitária e não mais legítima sob o Direito Internacional Humanitário do que o uso da força militar.

Denis Halliday foi Secretário-Geral Adjunto da ONU, serviu como Coordenador Humanitário no Iraque e demitiu-se da ONU em protesto contra as sanções brutais contra aquele país em 1998.

"Sanções abrangentes, quando impostas pelo Conselho de Segurança da ONU ou por um Estado sobre um país soberano, são uma forma de guerra, uma arma contundente que inevitavelmente pune cidadãos inocentes", disse Denis Halliday: "Se as sanções forem deliberadamente ampliadas quando as suas consequências mortais são conhecidas, podem ser consideradas genocídio. Quando a embaixadora dos Estados Unidos Madeleine Albright disse em no programa "Sessenta minutos" da CBS em 1996 que matar 500 mil crianças iraquianas para tentar derrubar Saddam Hussein tinha "valido a pena", a continuação das sanções da ONU contra o Iraque ajusta-se à definição de genocídio".

Atualmente dois relatores especiais da ONU nomeados pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU são autoridades independentes e sérias sobre o impacto e a ilegalidade das sanções dos EUA à Venezuela, as suas conclusões gerais aplicam-se igualmente ao Irão. Alfred De Zayas visitou a Venezuela logo após a imposição das sanções financeiras dos EUA em 2017 e escreveu um extenso relatório sobre o que lá encontrou. Ele encontrou impactos significativos devido à dependência de longo prazo da Venezuela em petróleo, má governação e corrupção, mas também condenou veementemente as sanções e a "guerra económica" dos EUA.

"As sanções económicas e os bloqueios modernos são comparáveis aos cercos medievais das cidades", escreveu De Zayas. "As sanções do século XXI tentam colocar não apenas uma cidade, mas países soberanos de joelhos". O relatório de De Zayas recomendou que o Tribunal Penal Internacional investigasse as sanções dos EUA contra a Venezuela como um crime contra a humanidade.

Um segundo relator especial da ONU, Idriss Jazairy, emitiu contundente declaração em resposta ao fracassado golpe apoiado pelos EUA na Venezuela em janeiro. Ele condenou a "coação" vinda de poderes externos como uma "violação de todas as normas do direito internacional". "Sanções que podem levar à fome e à falta de assistência médica não são a resposta à crise económica e humanitária na Venezuela", disse Jazairy. (…) "precipitar uma crise económica e humanitária não é uma boa base para a solução pacífica de disputas."

As sanções também violam o Artigo 19 da Carta da Organização dos Estados Americanos que , que proíbe explicitamente a intervenção "por qualquer motivo, nos assuntos internos ou externos de qualquer outro Estado". Acrescenta que "proíbe não apenas a força armada, mas também qualquer outra forma de interferência ou tentativa de ameaça contra personalidades do Estado ou contra elementos políticos, económicos e culturais ".

O artigo 20 da Carta da OEA é igualmente pertinente: "Nenhum Estado poderá usar ou encorajar o uso de medidas coercivas de caráter económico ou político para forçar a vontade soberana de outro Estado e obter dele vantagens de qualquer natureza".

Nos termos da lei dos EUA, as sanções de 2017 e 2019 contra a Venezuela baseiam-se em declarações presidenciais infundadas de que a situação na Venezuela criou uma dita "emergência nacional" nos Estados Unidos. Se os tribunais federais dos EUA não tivessem tanto medo de responsabilizar o poder executivo em questões de política externa, isso poderia ser questionado e muito provavelmente descartado por um tribunal federal de forma ainda mais rápida e fácil do que o caso de uma emergência nacional na fronteira mexicana, que pelo menos está geograficamente ligado aos Estados Unidos.

Ineficazes 

Há mais uma razão crítica para poupar o povo do Irão, Venezuela e outros países alvo dos impactos mortais e ilegais das sanções económicas dos EUA: elas não funcionam.

Há vinte anos, quando as sanções económicas reduziram o PIB do Iraque em 48% em cinco anos e estudos sérios documentaram seu custo humano genocida, eles mesmo assim não conseguiram derrubar o governo de Saddam Hussein do poder. Dois Secretários-Gerais Adjuntos da ONU, Denis Halliday e Hans Von Sponeck, renunciaram aos altos cargos na ONU em protesto, em vez de apoiarem essas sanções assassinas.

Em 1997, Robert Pape, então professor do Dartmouth College, tentou resolver as questões mais básicas sobre o uso de sanções económicas para alcançar mudanças políticas noutros países, reunindo e analisando os dados históricos de 115 casos em que isso foi feito entre 1914 e 1990. No seu estudo, intitulado Why Economic Sanctions Do Not Work concluiu que as sanções só obtiveram sucesso em cinco dos 115 casos.

Pape também colocou uma questão importante e provocadora: "Se as sanções económicas raramente são eficazes, por que é que os estados continuam a usa-las?"

Ele sugeriu três respostas possíveis: 


"Os decisores que impõem sanções sistematicamente sobrestimam as perspetivas de sucesso coercivo das sanções". 

"Líderes que planeiam o uso da força como último recurso, muitas vezes esperam que a imposição de sanções aumente a credibilidade das ameaças militares subsequentes". 
"A imposição de sanções geralmente gera maiores benefícios políticos para os líderes que a recusa de impor sanções ou o recorrer à força".

Acreditamos que a resposta é provavelmente uma combinação de "todas as alternativas acima". Mas acreditamos firmemente que nenhuma combinação dessas ou de qualquer outra justificação pode justificar o custo humano genocida das sanções económicas no Iraque, Coreia do Norte, Irão, Venezuela ou em qualquer outro lugar.

Enquanto o mundo condena os recentes ataques contra os petroleiros e tenta identificar os culpados, a condenação global deve também concentrar-se no país responsável pela guerra económica mortal, ilegal e ineficaz no coração desta crise: os EUA. 

[*] Medea Benjamin:   ativista política americana, mais conhecida por ser co-fundadora do Code Pinkjuntamente com o ativista e autor Kevin Danaher, o grupo de defesa do comércio justo Global Exchange 

[**] Nicolas J.S. Davies:   autor de Blood On Our Hands: the American Invasion and Destruction of Iraq . Também escreveu os textos de "Obama at war" em "Grading the 44th President: a Report Card on Barack Obama's First Term as a Progressive Leader." 

O original encontra-se em www.informationclearinghouse.info/51778.htm
e em www.codepink.org/... 


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

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