sexta-feira, 5 de julho de 2019

Angola | UMA PRIMEIRA “PEDRADA NO CHARCO”!


Martinho Júnior, Luanda 

… E se o que estiver mal e pronto a corrigir, for muito mais do que aquilo que está bom e merece ser melhorado?...

01- Apesar de não ter tido ainda fim o ciclo de terapia neoliberal que tem infestado Angola desde 2002, na sequência do choque protagonizado por Savimbi por via da sua “guerra dos diamantes de sangue”, o primeiro ano do exercício do General João Lourenço na Presidência da República tem sido uma primeira “pedrada no charco” dos “acomodados”.

A “acomodação”, decorrente de mais de 33 anos de instalada deriva instalando o capitalismo neoliberal, estabeleceu-se com:

- Uma vulnerabilização progressiva do estado angolano, que acabou por ser tutelado por poderosas máfias intestinas e internacionais, num alucinado projecto de “100 novos-ricos”;

- Um “mercado” (?) selvagem que contribuiu para desequilibrar mais ainda a sociedade, provocando ainda mais assimetrias e aumentando a dependência ao sector do petróleo, apesar da desvalorização do preço do barril;

- Um esbanjamento crónico de recursos económicos e financeiros em resultado da perda de mérito, competência e rigor, favorecendo na razão inversa uma corrupção cada vez mais desenfreada e exclusivista, aparentemente “sem limites”, sob os mais diversos rótulos e justificações;

- Uma retrógrada deriva social-democrata, camuflando velados expedientes de assimilação com identidade neocolonial, em prejuízo da identidade patriótica que daria sentido a um coerente Programa Maior ao movimento de libertação…

No fundo procurou-se cortar definitivamente com o sentido histórico do movimento de libertação, ainda que mantendo os rótulos, desalojando a criatura “antiga” residente natural da concha, a fim de albergar um “novo” e injectado indivíduo, apagando ou subvertendo tanto quanto o possível a própria história.


02- Os parâmetros dessa “acomodação” lesa-pátria, em nome duma glasnost não anunciada muito menos democratizada, com o início da Presidência do General João Lourenço esgotou-se no cúmulo desse processo contraditório, “chocando contra a parede”!

Gerir um estado fiel depositário dos legítimos interesses e aspirações do povo angolano, mas fragilizado pela “doença holandesa” do “deus”petróleo que amarra curto o país a uma dependência crónica, tornou-se ademais incompatível com o grau de corrupção, a nível interno e a nível dos induzidos relacionamentos internacionais.

Angola prova assim o “petróleo enquanto excremento do diabo”, quando no tempo do exercício da administração republicana de George W. Bush a imagem do petróleo para todo o Golfo da Guiné era passada como de “petróleo ara o desenvolvimento”, a tal ponto que facilitou a gestação discreta do laboratório AFRICOM!

Enquanto a “acomodação” se instalava e o estado angolano adoecia com tumores intestinais, a “acomodação” que nos termos protagonizados pelo comportamento, a atitude e o carácter da “nova elite” angolana do após Savimbi se foi tornando pantanosa e imbuída visceralmente na química da corrupção, agora com a Presidência do General João Lourenço sofreu uma primeira “pedrada no charco” que tem provocado“ondas de incómodo”, desde logo nessas mesmas “novas elites” sujeitas a compressão.

Por incrível que possa parecer aquelas antigas palavras de ordem em relação à agricultura, ganharam novo vigor dada a urgência da diversificação económica…

Está-se a sair duma sulfúrica letargia para uma dinâmica social que começa a inventariar as suas próprias energias, por que o início do combate à corrupção que se começou a instalar há mais de 33 anos a esta parte, acelerada desde 2002, começa a sacudir os adormecidos, os palúdicos e até os que absorveram a mentalidade-padrão formatada pelos subversivos expedientes de assimilação.

03- O momento é de contração e dor para o estado angolano que vai minguar com as receitas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, que vai colocar nas mãos de privados alguns dos “pesos” que são herança…

Será que o Presidente João Lourenço, vendo-se livre do atoleiro da terapia neoliberal que levou à “acomodação” da corrupção com clientela mafiosa própria, não estará a cair noutro atoleiro em função de dívidas que dificilmente se poderão amortizar?

Estará o povo angolano suficientemente desperto e motivado para enfrentar os decorrentes desafios?

Não se resumindo a vida à luta contra a corrupção, quais vão ser as nossas respostas face aos desafios?

Quanto mais não seja, com saudável consciência crítica, com sentido pedagógico, na trilha duma inevitável lógica com sentido de vida protagonista duma paz que para o ser se deve abrir à justiça social, só posso estar com os milhões de “incomodados desta terra”, começando a agilizar nossas titubeantes pernas nos caminhos do futuro.

04- Se para a corrente de “acomodados”, o sucessor do Presidente José Eduardo dos Santos era a “cereja em cima do bolo” que poderia fazer continuar as suas inquinadas projecções, a pesada herança mercenária e antipatriótica está a tornar o actual Presidente no para já decisivo prático “incomodado”, ainda que as suas medidas se situam pela ramagem da árvore que se plantou e cresceu desde 1986!

A incógnita é saber até onde esse “incómodo” irá, por que se fica pela ramagem, se fica pela poda, a hegemonia unipolar do império, com seu arsenal “soft power” de ementas, tem sempre a oportunidade e os recursos de voltar aos propósitos de sua essência, com outras doses de ingerência e manipulação de que Angola aliás tem vindo a sofrer.

Passar da ramagem para o tronco e do tronco para a raiz dessa árvore, regenerando a sua seiva, é um dos grandes desafios para a década até 2025, quiçá ainda para a década seguinte…

Alinhando o país ao poder da hegemonia unipolar não haverá capacidade para se chegar à raiz da árvore, por que nem o capitalismo proteccionsta de Donald Trump conseguiu neutralizar os falcões reitores do choque e terapia neoliberal instalados pelo capitalismo financeiro transnacional que se aplicam a nível global, continental, regional e país a país, Estados Unidos incluídos…

Angola não tem poder, nem capacidades, nem meios vocacionados para resistir, por que até se está a arriscar a ser constantemente mobilizada para se moldar!

Da minha parte e no sentido da purificação da seiva, bato-me por uma doutrina, por uma filosofia e por uma ideologia patriótica, capaz de possibilitar avançar-se nos parâmetros práticos e inadiáveis duma geoestratégia para um desenvolvimento sustentável cultora de vida, de independência, de soberania e de aprofundamento da democracia!

Clarividência em relação aos processos imperialistas em curso, torna-se essencial para alguma vez se trilhar esse caminho!

Martinho Júnior - Luanda, 25 de Junho de 2019

Imagem: Campanha  da candidatura de João Lourenço em 2017, sob o “moderado” lema “melhorar o que está bem e corrigir o que está mal”…

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