A Lava Jato passa a realizar -
tacitamente ou não - um trabalho em linha com quem busca desestabilizar o
governo venezuelano. (Jornal
GGN)
Gilberto Maringoni
Sob vários aspectos, as
revelações feitas pelo Intercept neste domingo, 7, são as mais graves entre
todas as trocas de mensagens que vieram à luz até aqui. Paradoxalmente, são as
de menor impacto público.
O que desvendam tais diálogos
virtuais? Que – ao buscar vazar delações sobre a ação da Odebrecht na Venezuela
– a Lava Jato transformou-se numa organização de âmbito internacional, capaz de
manipular e influenciar cenários políticos além fronteiras. E exibem, pela
segunda vez, a cumplicidade de Fernando Henrique Cardoso com o grupo baseado em
Curitiba.
A INTERVENÇÃO DE DELTAN
DALLAGNOL, em 6 de agosto de 2017, expressa o que estava em jogo:
“Deltan – (…) Não vejo problema
de soberania. E há justificativa para fazer qto à Venezuela e não outros pq
destituiu a procuradora geral e é ditadura. (…) O propósito de priorizar seria
contribuir com a luta de um povo contra a injustiça, revelando fatos e
mostrando que se não há responsabilização lá é pq lá há repressão”.
O procurador evangélico demonstra
saber dos problemas diplomáticos que tais decisões – vazar as informações –
poderiam acarretar. Mas as justifica para “contribuir com a luta de um povo
contra a injustiça”. Quem delegou a Dallagnol e seus comparsas a prerrogativa
de agir como um templário togado ao arrepio da Constituição Federal? A Carta,
como se sabe define o seguinte sobre o tema:
“Art. 4º A República Federativa
do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
(…)
III – autodeterminação dos povos;
IV – não-intervenção”.
Os milicianos das araucárias não
desconhecem tais cláusulas, que se originam nas formulações do Barão do Rio
Branco, há mais de um século. A evidência está no seguinte diálogo de 5 de
agosto de 2017, revelado pelo Intercept:
[procurador] Paulo [Galvão]– (…)
Vejam que uma guerra civil lá é possível e qq ação nossa pode levar a mais
convulsão social e mais mortes (ainda que justa ou correta a ação). Lá não é
Brasil.(…) Não estou dizendo que sim ou que não, apenas que precisa ser
refletido
Roberson [Pozzobon] – Caraaaaaca
Orlando [Martello] – (…) Não dá
para abrir simplesmente o que temos. (…) Não dá para arriscar um descumprimento
de acordo, inclusive com consequências cíveis de nossa parte, bem como da
União. (…) A solução que vejo é fazer uma comunicação espontânea para o próprio
país. No caminho isso certamente vazará em algum lugar, sem qq participação
nossa. Isso posso fazer de imediato”.
A LAVA JATO PASSA a realizar –
tacitamente ou não – um trabalho em linha com quem busca desestabilizar o
governo venezuelano. Em português claro, soma-se à conduta do departamento de
Estado dos EUA e aos serviços de inteligência daquele país. Repetindo:
tacitamente ou não.
De forma explícita, trama-se ali
uma diplomacia paralela, violando frontalmente a Constituição. A hesitação é
tanta, diante da gravidade da iniciativa, que, a dada altura, os membros da
força tarefa consultam o ex-presidente FHC. A tarefa cabe a Bruno Brandão,
diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil:
“Bruno – Estou num debate sobre
Venezuela na Fundação FHC e queria comentar que a TI está defendendo, junto à
FTLJ, que se abram processos extraterritoriais contra autoridades venezuelanas.
(…) FHC veio conversar comigo no final e disse que é uma boa ideia”.
A TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL é
uma espécie de UDN global, criada em 1993, logo após a queda dos regimes do Leste
Europeu, em pleno período de unipolaridade estadunidense. A ONG tem como
atividade-fim o combate à corrupção, sem levar em conta – aparentemente –
contextos e condicionantes políticos. Em seu site, ela cita sua parceira
preferencial por aqui:
“O Brasil assistiu nos últimos
anos àquela que vem sendo provavelmente a mais impressionante onda de
investigações e denúncias envolvendo corrupção na história do país. A operação
Lava Jato ganhou manchetes no mundo inteiro e virou até marchinha de Carnaval
(o hit de 2016 “Ai, meu Deus, me dei mal / Bateu à minha porta o japonês da
Federal”). Bilhões de reais foram recuperados”.
As investigações sobre Sergio
Moro devem ganhar, a partir dessas revelações, novos raios de ação. Não estamos
apenas diante de uma ação que trabalhou em linha com setores da direita – mídia
e capital financeiro – e da extrema-direita brasileiras. A Lava Jato é uma
organização com ramificações internacionais e sem escrúpulo algum em suas
iniciativas.
A Lava Jato mostra-se cada vez
mais como o porão do bolsonarismo e ferramenta importante na consolidação de
uma articulação reacionária sem limites. Não estamos diante de amadores e nem
de caipiras deslumbrados.
GGN | Foto: iG
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