Um mundo à beira do precipício.
Acordo diplomático, longamente negociado, foi rompido. A megapotência sufoca um
país mais frágil, porém altivo. Envia tropas. Provoca. Uma fagulha pode detonar
um conflito global. Como deter a escalada?
Joe Cirincione e Mary Kaszynski,
no Lobelog | Outras Palavras | Tradução: Gabriela Leite e Simone
Paz
Não é simulação. Uma nova guerra
no Oriente Médio vem aí, quiçá muito em breve. Somente uma ação política
dramática dos cidadãos e líderes políticos estadunidenses poderia detê-la.
O Presidente Trump diz que não
quer entrar em guerra com o Irã. Talvez todo esse medo da guerra seja só outro
impulso neurótico. Ou pode ser que ele acredite que está, definitivamente, numa
simulação de “fogo e fúria”, assim como fez antes com a Coreia do Norte, em que
ele ameaça com uma guerra e com o “fim do Irão”, somente para recuar e depois
dar palestras. Seu último
descaso sobre a alegação dos ataques aos navios petroleiros no Golfo,
referindo-se a eles como “de pouca importância”, mostram que esse é, sem
dúvida, o seu jogo.
Mas quanto mais ele entra nessa,
mais difícil fica de sair. Não aposte que isso vá desaparecer sem consequências.
Os aliados mais próximos de Trump (e seus parceiros de negócios) na região —
Arábia Saudita, Emirados Árabes e Israel — insistem para que haja ataques
militares. “O próximo passo lógico”, segundo um editorial de
um proeminente jornal saudita, “deveria ser de ataques cirúrgicos”. Seus
conselheiros mais próximos na Casa Branca, o Departamento de Estado, e a Fox
News também
querem guerra, e afirmam isso repetidamente. Relacionam-na
explicitamente aos “40 anos de agressões iranianas”. Habilmente alimentam os
repórteres com pitadas de rumores e “inteligência” selecionada para que relatem
as “atividades malignas” do Irão na região. Com a aprovação ou ignorância de
Trump, deram uma série de passos, a começar pela revogação imprudente e
desnecessária do acordo anti nuclear do Irão, para provocar um conflito.
Sua provocação está funcionando.
Oficiais da inteligência dos EUA disseram
que uma postura militar recente do Irão “é em resposta aos passos
agressivos da administração ao longo dos dois últimos meses”. Mas em uma outra
espiral de conflito, as ações dos EUA são ignoradas nas declarações oficiais.
“A Estratégia de Segurança Nacional lista o Irão como uma das quatro principais
ameaças, e nós só precisamos ter clareza de que temos capacidade de privá-los
desse tipo de atividade, ameaçando vidas e instalações norte-americanas,
ameaçando o mercado internacional de petróleo”, disse o Assessor de Segurança
Nacional, John Bolton, sobre a nova implantação de mil tropas norte-americanas
para o Golfo, e acrescentou que “eles estariam cometendo um erro grave se
duvidassem da determinação do presidente sobre isso.”
O Secretário de Estado Mike
Pompeo, enquanto isso, está trabalhando noite e dia para estabelecer as bases
para os ataques militares. Em uma reunião
de instruções a portas fechadas, recentemente, com membros do Congresso,
Pompeo sugeriu que a Autorização para Uso de Força Militar de 2001 — a
autoridade legal para a guerra no Afeganistão — permite que a administração
lance ataques militares contra o Irão. Ele visitou os quartéis generais do
Comando Central dos EUA em Tampa, na Flórida, na terça-feira, e está coordenando
com os rivais regionais e religiosos do Irão.
Com a retórica subindo a
temperaturas muito quentes, Trump talvez esteja sendo coagido para entrar em
uma guerra que não entende ou não deseja. Príncipes árabes e radicais dirão a
ele que ele não pode mais recuar, ou parecerá fraco. Vão prometer a ele que um
pequeno ataque de “nariz sangrento” irá “restaurar a dissuasão” e fazer com que
o Irão desista. É fácil, sussurrarão, a não ser, é claro, que o presidente
esteja com medo de atacar…
É um método clássico de manipular
indivíduos profundamente inseguros. Pense nos insultos de “frango” (“covarde”)
que sempre afetaram o personagem de Michael J. Fox do filme De Volta para
o Futuro, Marty McFly, a cometer as desventuras mais insensatas. Nesse caso,
Trump vai causar estragos não com a cronologia ficcional dos fatos, mas com o
Oriente Médio inteiro, além da economia global.
O resto do mundo observa,
descrente. Mesmo para esse governo, o nível de imoralidade e duplicidade é de
tirar o fôlego. Toda a América, a maior parte dos europeus e os aliados
asiáticos estão profundamente céticos em relação às reivindicações da equipe de
Trump, à necessidade de forças militares, e à estratégia por trás dessa crise
autoescalante.
Neste ano, desde que Trump se
afastou dos compromissos dos EUA no acordo antinuclear com o Irão, prometendo um
“acordo melhor”, o governo falhou em alcançar qualquer de seus objetivos com o
Irão e deteriorou severamente a credibilidade norte-americana. Estabeleceu um
recorde mundial para a escala e frequência de mentiras ditas em vários pódios,
em entrevistas e via Twitter. A Guarda Revolucionária Iraniana pode, inclusive,
estar por trás dos ataques, mas não se pode confiar nesse governo para provar
isso. Apenas uma investigação independente poderá mostrar a verdade.
Aliados dos EUA e a vasta
maioria dos antigos
oficiais e especialistas em segurança nacionalapoiam o acordo antinuclear
do Irão. Negociado através de muitos anos com aliados da Europa, China e Rússia,
o acordo foi um triunfo da diplomacia internacional. Bloqueou com sucesso todos
os caminhos do Irão para fabricar a bomba, sem provocar um conflito militar. O
acordo funcionou. O Irão finalizou suas atividades nucleares perigosas, e
submeteu-se às mais intrusivas inspeções e monitoramento de regime que existem
hoje.
Apesar da revogação de Trump —
tecnicamente, os EUA estão violando o acordo, dado o fato de que não há nenhum
mecanismo de retirada — os europeus e iranianos têm mantido vigente o tratado. O Irão permanece em conformidade total, de acordo com a inteligência dos EUA e
de Israel, e segundo os relatórios da Agência Internacional de Energia Atómica.
Isto é o que Trump tem ouvido de
seu secretário de defesa, diretor da inteligência nacional e diretor da CIA,
que atestou repetidas vezes que o acordo está funcionando. Trump dispensou as
avaliações profissionais.
Líderes europeus foram até
Washington para implorar a Trump que continuasse no tratado, alertando que isso
seria vital para a segurança da Europa. Trump os ignorou. Encorajado por Pompeo
(um crítico de longa data do Irão) e por Bolton (um torcedor férreo da guerra do
Iraque), Trump violou o acordo, voltou a impor sanções que os EUA haviam
prometido retirar, e embarcou numa campanha de “máxima pressão” para deixar o
Irão de joelhos.
Agora, provocado e sem os
benefícios Económico prometidos no acordo, o Irão — como já era previsto —
anunciou que em breve começará a violar alguns limites. Embora lamentável e
desnecessário, estes são passos relativamente menores e reversíveis. Não há
risco de que o Irão recorra a uma bomba, mesmo com o pequeno aumento do urânio
pouco enriquecido que acontecerá em breve.
Esta não é uma crise nuclear,
certamente nada que não possa ser resolvido com o simples retorno dos EUA ao
acordo nuclear. Esse retorno manteria todos os limites em seus devidos lugares
e realizaria o objetivo que Trump diz querer: privar o Irã da capacidade de
construir uma bomba nuclear.
Se o governo continuar a provocar
o Irão, porém, isso se tornará uma nova crise nuclear, totalmente criada por
Trump.
Felizmente, uma estratégia
alternativa vem se construindo. Tanto a Câmara como o Senado apresentaram uma
legislação que poderia barrar uma guerra ilegal e não autorizada com o Irão.
Todos os principais candidatos presidenciais democráticos têm se comprometido
publicamente a reintegrar o acordo antinuclear, voltando assim às conversas
diplomáticas com o Irão e nossos aliados, reconstruindo a credibilidade norte
americana e sua liderança global. Ativistas, organizações de veteranos e
massivos grupos de movimentos estão se mobilizando para prevenir uma guerra que
faria com que as guerras contra o Iraque e o Afeganistão parecessem apenas um
aperitivo.
Estes ativistas e líderes
políticos sacaram a idiotice da estratégia Pompeo-Bolton: a de que, de algum
jeito, o Irão seria tão poderoso, a ponto de ser a fonte de todo o mal no Médio Oriente, porém, tão frágil, que com um pequeno ataque
de mísseis de cruzeiro a uma usina nuclear civil iraniana, seria derrubado.
Mas será que o público norte americano está tão sobrecarregado com os repetidos
ultrajes de Trump que fracassará em compreender o perigo real do momento atual?
Esta é uma corrida entre a paz e
a guerra, entre a razão e a fantasia. A menos que aqueles que defendem a paz e
a razão aumentem significativamente seus esforços, os EUA irão, mais uma vez,
enganados e conduzidos a uma guerra desnecessária, de consequências
catastróficas.
———————
-- Joseph Cirincione é presidente do Fundo
Ploughshares, uma fundação de segurança global e apresentador do podcast “Press
the Button”.
-- Mary Kaszynski é diretora de
política adjunta do Fundo Ploughshares e colaboradora do “Press the
Button”.
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