quinta-feira, 18 de julho de 2019

Portugal | A direita e os impostos


Ricardo Paes Mamede | Diário de Notícias | opinião

Abriu a corrida à descida dos impostos. Primeiro o PSD depois o CDS vieram propor que o Estado português abdique de receitas superiores a três mil milhões de euros. Não é surpreendente: a redução da "carga fiscal" tem sido uma bandeira distintiva das direitas. Mas há três problemas. Primeiro, PSD e CDS foram responsáveis há apenas seis anos pelo maior aumento de impostos de que há registo - e não foi por acaso. Segundo, a diminuição das receitas fiscais que propõem tornaria mais difícil resolver os problemas que PSD e CDS acusam o governo de ter descurado. Terceiro, quando se defende uma medida política convém justificá-la - e a justificação que apresentam é menos válida do que pode parecer.

Foi no final de 2012 que o governo PSD-CDS anunciou, pela boca do então ministro das Finanças Vítor Gaspar, um "enorme aumento de impostos". O número de escalões de IRS foi reduzido de oito para cinco (aumentando assim a taxa efetiva do imposto) e criou-se uma sobretaxa de quatro pontos percentuais. Como resultado, a receita fiscal aumentou em 4,5 mil milhões de euros entre 2012 e 2013, o equivalente a 2,3% do PIB. Desde que há dados disponíveis nunca houve em Portugal um aumento de impostos tão significativo.

Dir-se-á, com razão, que o enorme aumento de impostos de Gaspar foi uma resposta excecional a uma situação de urgência e que hoje a situação é distinta. A questão que se coloca é: e se ocorresse uma nova crise internacional, o que faria um futuro governo do PSD e do CDS? Voltaria a subir os impostos como fez em 2013? Se sim, esta instabilidade fiscal não teria custos elevados na reputação do país junto de investidores internacionais? Se não, como iria o governo compensar a perda de receita fiscal (assumindo que não poria em causa o cumprimentos das regras orçamentais da UE)? Por outras palavras, em que despesas públicas iria o governo cortar? E por que não o fizeram em 2013? Haverá mais para cortar hoje do que havia na altura?


Isto remete-nos para o segundo problema das propostas do PSD e do CDS. Estes partidos têm acusado o atual governo de maltratar os serviços públicos, de adiar o investimento e de não reduzir a dívida do Estado ao ritmo desejável. Mas reforçar o investimento e os serviços públicos implica aumentar a despesa. Da mesma forma, só é possível diminuir a dívida pública a um ritmo mais acelerado se houver recursos para isso. Recursos que o Estado obtém através da receita dos impostos. A tal receita de que PSD e CDS dizem querer abdicar.

Na verdade, ambos os partidos sabem bem o que está em causa. Não foi por amor à despesa pública que optaram por aumentar impostos em vez de cortar ainda mais nos gastos. Depois da proposta pífia de Paulo Portas para a "Reforma do Estado" em 2013, são já poucos os que acreditam que é possível fazer mais e melhor com menos dinheiro. É legítimo defender a redução da presença do Estado na educação, na saúde, nos transportes, na proteção social, na habitação, etc., passando esses custos a ser suportados pelas famílias. Mas é incoerente afirmar que é preciso reforçar a intervenção do Estado naqueles domínios ao mesmo tempo que se abdica dos recursos para o fazer.

A terceira dificuldade com as propostas do PSD e do CDS para reduzir os impostos tem que ver com a ausência de uma justificação clara para as medidas avançadas. Ambos os partidos afirmam que em Portugal se pagam demasiados impostos e que a "carga fiscal" tem vindo a aumentar. Este é o primeiro motivo pelo qual defendem a descida das taxas de IRS e de IRC. Mas o argumento é fraco, por dois motivos. Por um lado, o total da receita do Estado português em percentagem do PIB é já inferior à média da UE (43,5 versus 45,0%) e a diferença ainda é maior quando olhamos apenas para as receitas de impostos. Por outro lado, sendo um facto que a "carga fiscal" aumentou desde 2015, esse aumento nada tem que ver com os impostos que PSD e CDS se propõem reduzir.

Na verdade, entre 2015 e 2018 as receitas de impostos sobre os rendimentos e a riqueza diminuíram em percentagem do PIB (de 10,9% para 10,4%). O aumento que se verificou na "carga fiscal" tem que ver fundamentalmente com o IVA e outros impostos sobre a produção e as importações (que são responsáveis por um aumento das receitas equivalente a 0,8 pontos percentuais do PIB).

Ou seja, os impostos que PSD e CDS se propõem reduzir já geram receitas para o Estado português inferiores à média europeia e o seu peso no PIB tem vindo a diminuir desde 2015.

Neste contexto, é difícil não escapar à conclusão de que as propostas de redução de impostos dos partidos de direita são pouco mais do que bandeiras eleitorais mal fundamentadas. É preciso uma dose grande de incompetência ou desonestidade para acreditar que a redução dos impostos poria Portugal a crescer ao ritmo da Irlanda - como sugeriu a presidente do CDS. Seria preciso uma dose ainda maior para defender que uma redução de impostos de tal ordem, no momento atual, não teria custos para o país.

*Economista e professor do ISCTE-IUL

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