quinta-feira, 18 de julho de 2019

Brasil | Universidades: a “nova” estratégia do governo


Pressionado pelas ruas, Planalto tenta sair da defensiva com o “Future-se”. Sentido é claro: vasta privatização. Mas objetivo principal pode ser criar cortina de fumaça para confundir resistência e manter desmonte do ensino público

Maria Caramez Carlotto | Outras Palavras

Antes de entrar na análise do conteúdo do Future-se, é fundamental considerar o contexto em que esse projeto surge.

A educação era uma das áreas mais mal avaliadas do governo. No centro das críticas, estavam o caráter excessivamente ideológico da cúpula do MEC e a completa ausência de projeto por parte dela. Somou-se a isso que o corte de verbas foi profundamente mal recebido pela sociedade e uniu e mobilizou o setor de educação contra a atuação do MEC. As maiores manifestações populares contra o governo aconteceram nessa área e a educação transformou-se, não por acaso, em catalisadora e vanguarda política da oposição ao governo.

O Future-se tem o potencial de mudar drasticamente esse quadro ao contornar essas três críticas principais. Se der certo, devolve a iniciativa ao governo e coloca o movimento da educação na defensiva. Como?


1˚) Ele apresenta-se como um programa de modernização da gestão universitária e nada parece mais técnico e, portanto, menos ideológico, do que “a gestão”. Ao adotar a linguagem e a estética da gestão, o MEC dialoga com uma parcela maior da sociedade e, com isso, vai tentar transformar em “ideológicos” os críticos à ideia de modernização gerencial (segundo eles, uma mera técnica sem qualquer conteúdo político).

2˚) O Future-se apresenta-se, ainda, como um projeto amplo e complexo, com a pretensão de revolucionar o funcionamento das universidades esvaziando, com isso, a crítica de que o governo não tem propostas na área. Queriam projeto? Agora têm à disposição um projeto imenso e aparentemente radical para decifrar, discutir e criticar ou defender.

3˚) Por fim, ao colocar um projeto dessa magnitude e radicalidade em consulta pública por apenas quinze dias, o governo obriga toda a comunidade acadêmica a parar para entender e debater as propostas feitas ali. Não por acaso, nenhuma delas é muito clara e sobram dúvidas e ambiguidades (voltarei a isso em outra nota). Quanto mais tempo e energia perdermos em torno desse projeto, melhor para o governo porque isso, além de gerar divisões em um movimento antes unido, muda o foco do debate político. Antes, todo mundo criticava os cortes na educação, agora, todo mundo passa a debater um projeto grande, complexo e confuso, que pretende resolver o problema do financiamento das universidades. Vamos começar a nos digladiar internamente, enquanto as universidades seguem sem dinheiro para pagar as contas básicas.

É fundamental ter isso em mente para saber como debater esse projeto e, mais do que isso, como fazer isso sem esquecer que as universidades precisam, ainda, de milhões de reais até o final do ano para seguir funcionando.

Por fim, duas últimas notas fundamentais de contexto:

Na audiência pública sobre os cortes da educação superior que ocorreu na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados no começo de julho, já ficou claro que a cúpula política do MEC recorreu a funcionários de carreira, dispostos à colaborar com o projeto do atual governo, para assumir a dianteira das propostas e conversas sobre educação. É cada vez mais com esses “técnicos” que vamos dialogar. Não por acaso, o ministro ficou menos de meia hora na reunião de apresentação do Future-se para os reitores ontem. As outras duas horas e meia ficaram a cargo de “técnicos”. O tom da conversa será totalmente outro, porque ninguém ali nega a razão e a ciência, ao contrário, fazem tudo em nome dela, cegamente.

Quando o Congresso voltar do recesso, vai começar para valer o debate sobre o orçamento de 2020. Aí é que o estrangulamento do financiamento às universidades pode vir com força. Com o argumento de que não tem dinheiro, com toas as áreas se batendo por recursos escassos e com um projeto engatilhado de diversificação do financiamento – no qual o sistema privado de ensino superior (que no Brasil concentra os maiores grupos empresariais do mundo) tem todo o interesse, vai ficar complexo defender (mais) verbas para o ensino superior público.

Em suma: a conjuntura se complexificou muito e, mais do que nunca, é preciso inteligência política.

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