Pepe Escobar, Asia
Times
A Rússia está avançando
meticulosamente nos movimentos sobre o tabuleiro de xadrez eurasiano,
movimentos que têm de ser observados em conjunto, com Moscovo propondo ao Sul
Global abordagem diametralmente oposta às sanções, ameaças e guerra económica
que lhes faz o ocidente. Aqui vão três exemplos recentes.
Há dez dias, via um documento
oficialmente aprovado pela ONU,[1] o Ministério
de Relações Exteriores da Rússia apresentou um novo conceito de segurança coletiva
para o Golfo Persa.
Moscovo destaca que “o trabalho
prático de lançar o processo para criar um sistema de segurança no Golfo Persa”
deve começar com “consultas bilaterais e multilaterais entre partes
interessadas, incluindo países da região e também de fora dela,” além de
organizações como o Conselho de Segurança da ONU, Liga Árabe, Organização de
Cooperação Islâmica e Conselho de Cooperação do Golfo.
O passo seguinte deve ser uma
conferência internacional sobre segurança e cooperação no Golfo Persa, seguida
do estabelecimento de organização dedicada à tarefa – com certeza nada que se
assemelhe à imprestável Liga Árabe.
A iniciativa russa deve ser
interpretada como uma espécie de contrapartida e ainda mais como complemento da
Organização de Cooperação de Xangai, que finalmente começa a desabrochar como
corpo de segurança, económico e político. Conclusão inevitável é que os
principais agentes da OCX – Rússia, China, Índia, Paquistão e, em futuro
próximo, Irão e Turquia – serão fortes agentes influenciadores na direção da
estabilidade regional.
O Pentágono não vai gostar.
Manobras, baby, manobras
Quando o comandante da Marinha
Iraniana Hossein Khanzadi visitou recentemente São Petersburgo para a
celebração do Dia da Marinha Russa, o Comandante do Estado-maior das Forças
Armadas do Irão e o Ministério da Defesa da Rússia assinaram um memorando de entendimento
sem precedentes.
Khanzadi acertou ao destacar que
o memorando “pode ser considerado ponto de virada nas relações entre Teerão e
Moscovo ao longo da trajetória de defesa.”
Resultado direto disso é que
Moscovo e Teerão, antes de março de 2020, farão um exercício de manobras navais
conjuntas no – e onde poderia ser?! – Estreito de Ormuz. Como Khanzadi disse à
agência de notícias IRNA: “O exercício pode ser feito na parte norte do Oceano
Índico, que flui para o Golfo de Omã, no Estreito de Ormuz e também no Golfo
Persa.”
A Marinha dos EUA, que planeia
uma “coligação internacional” para garantir a “liberdade de navegação” no
Estreito de Ormuz – liberdade que o Irão sempre, historicamente, garantiu – não
vai gostar. Nem a Grã-Bretanha, que prefere “coligação europeia”, mesmo com o Brexit aproximando-se.
Khanzadi também observou que
Teerão e Moscovo estão profundamente envolvidas em como reforçar a cooperação de
defesa no Mar Cáspio. Já houve no passado exercício de manobras no Cáspio, mas
nunca, até agora, no Golfo Persa.
Exercício conjunto
O Distrito Militar Oriental da Rússia participará do exercício antiterroristas da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ANSA) na Tailândia e na China, no início do próximo mês. Segundo o Distrito Militar Oriental, o treinamento é parte das “preparações para uma fase prática de exercício de manobras antiterrorismo da ANSA na China.” Dentre outras coisas, significa que soldados russos estarão usando armamento pesado chinês.
O Distrito Militar Oriental da Rússia participará do exercício antiterroristas da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ANSA) na Tailândia e na China, no início do próximo mês. Segundo o Distrito Militar Oriental, o treinamento é parte das “preparações para uma fase prática de exercício de manobras antiterrorismo da ANSA na China.” Dentre outras coisas, significa que soldados russos estarão usando armamento pesado chinês.
Esses exercícios incluem grupos
táticos ‘mistos’ que tentam libertar reféns presos em prédios oficiais; busca e
descarte de explosivos; reconhecimento interno e externo de radiação e
reconhecimento químico e biológico.
Deve-se interpretar tudo isso
como interação direta entre práticas da OCX e da ANSA, complementando o
aprofundamento da interação entre a União Económica Eurasiática e a ANSA.
Esses três desenvolvimentos
ilustram o quanto a Rússia está envolvida num largo espectro, do Mar Cáspio e
do Golfo Persa até o Sudeste da Ásia.
Mas o elemento chave ainda é a
aliança Rússia-Irão, que deve ser lida como um nodo chave no massivo projeto de
integração da Eurásia no século 21.
O que o Secretário de Segurança
Nacional da Rússia Nikolai
Patrushev disse claramente naquele recente histórico encontro
trilateral, ao lado do Conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca John
Bolton e do Conselheiro de Segurança Nacional de Israel Meir Ben-Shabbat
Jerusalém deve ser ouvido com atenção: “O Irão sempre foi e continua a ser nosso
aliado e parceiro, com o qual estamos consistentemente desenvolvendo relações
bilaterais e também dentro de formatos multilaterais.”
Com isso se descarta a infindável
especulação, sem qualquer base real, de que Moscovo estaria “traindo” Teerão em
vários fronts, da guerra económica de terra arrasada desencadeada pelo governo
Donald Trump, à resolução da tragédia na Síria.
Para Nur-Sultan e o Comitê
Constituinte Sírio
E isso nos leva à continuação do
processo de Astana sobre a Síria. Moscovo, Teerão e Ankara estarão em reunião
trilateral em Nur-Sultan, capital do Cazaquistão, possivelmente na
gigantescamente significativa data de 11 de setembro, segundo fontes
diplomáticas.
Realmente importante nessa nova
fase do processo de Astana, contudo, é a instalação do Comité Constituinte
Sírio. É coisa já acertada desde janeiro de 2018 em Sochi: um comité – que
reunirá representantes do governo, da oposição e da sociedade civil, cada grupo
com 1/3 dos assentos com direito a voto – competente para redigir a nova
Constituição da Síria.
A única solução possível e viável
para a tragédia infindável da guerra por procuração contra a Síria será, pois,
construída por Rússia, Irão e Turquia. Isso inclui a aliança Rússia-Irão. E isso
inclui e expande a visão da Rússia quanto à segurança do Golfo Persa, ao mesmo
tempo em que sinaliza na direção de uma Organização de Cooperação de Xangai
expandida no Sudeste da Ásia, atuando como mecanismo de pacificação
pan-asiático e séria frente anti-OTAN.
Em Oriente Mídia | Traduzido por
Vila Mandinga
[1] A única referência que encontrarmos a
esse documento, com link para o texto em várias línguas, aparece na
página do Ministério de Relações Exteriores da Rússia, acima indicada. Não
conseguimos confirmar a informação de que o documento teria sido “oficialmente
aprovado pela ONU”, mas essa informação repete-se em várias publicações em todo
o mundo. Talvez a aprovação tenha a ver com o fato de que o documento foi
apresentado em Moscou, dia 23 de julho, pelo Representante Especial do
presidente Putin para Oriente Médio e África e vice-ministro de Relações Exteriores
Mikhail Bogdanov, em reunião da qual participaram representantes de estados
árabes, do Irã, da Turquia, dos cinco membros permanentes do Conselho de
Segurança, da União Europeia, da Liga Árabe e dos países BRICS com
representação em Moscou, como se lê na versão
em inglêsde artigo sobre o assunto (orig. em russo) publicado na página do
Ministério de Relações Exteriores da Rússia [NTs
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