Se não o meterem antes numa
camisa-de-forças, Bolsonaro vai tirar as calças pela cabeça em público a
qualquer momento.
Ruy Castro* | Diário de Notícias
| opinião
Já não me lembro o motivo, mas o
presidente Jair Bolsonaro recomendou noutro dia ao povo brasileiro que só faça
cocó - caca - dia sim, dia não. Não me consta que, alguma vez, em toda a
história, um governante tenha descido a esses detalhes na condução de seus
governados. Teria talvez alguma influência no sistema de águas e esgotos das
cidades, na produção de estrume, no bom funcionamento dos intestinos?
Não. Bolsonaro é apenas assim -
gosta de usar imagens fecais, anais ou urinárias para dizer o que pensa. No
Carnaval passado, em sua página na internet, ele divulgou um vídeo em que
mostrava um homem urinando em outro. No domingo passado, um influente
jornalista brasileiro chamou-o, no título de sua coluna, de coprófilo - aquele
que, segundo os dicionários, "tem atração patológica por fezes ou pelo ato
de defecação". Eu próprio já escrevi, há algumas semanas, que ele tem
"fezes na cabeça". E Bolsonaro não pode se queixar porque é ele quem
provoca essas imagens.
E, afinal, de que adianta ao povo
brasileiro seguir sua recomendação de só fazer cocó dia sim, dia não, se o
próprio presidente faz todo dia - e em público, sem o menor pudor, diante das
câmaras e dos microfones? Estou falando figuradamente, claro. Não é que
Bolsonaro abaixe as calças, fique de cócoras e despeje à vista dos outros -
pelo menos, até agora não fez isto. Basta-lhe abrir a boca.
Em seus 130 anos de República, o
Brasil já teve toda espécie de presidentes e, alguns, tão absurdamente ineptos
(Delfim Moreira, 1919-1920; Jânio Quadros, 1961; Dilma Rousseff, 2010-2015),
que é um milagre termos chegado até aqui. Mas Jair Bolsonaro está batendo todos
os recordes. Em oito meses de mandato, já declarou seu ódio ou desprezo por
índios, gays, transexuais, feministas, crianças, professores, estudantes,
cientistas, pesquisadores, artistas, jornalistas, pacifistas, imigrantes,
deficientes mentais, dependentes químicos, presidiários, desaparecidos
políticos, familiares de desaparecidos políticos, ambientalistas, veganos e
pessoas oriundas do Nordeste do Brasil. Não é pouco - isso deve representar
oitenta por cento da população brasileira.
Ao mesmo tempo, vive manifestando
seu apreço e sua admiração por torturadores da ditadura militar, milicianos (policiais
corruptos que dominam e extorquem os habitantes das favelas), chacinadores
(assassinos profissionais), fabricantes de armas, devastadores do ambiente,
garimpeiros ilegais em terras indígenas, disseminadores de agrotóxicos,
exploradores do trabalho infantil, criminosos do volante (mandou acabar com os
controles de velocidade nas estradas), censores de artes e espetáculos e
promotores de rodeios onde animais são maltratados. Sua preferência é sempre
pelas piores pessoas do país, em cuja companhia adora ser fotografado. Mas,
nesse ponto, é até coerente - porque ele próprio é uma das piores pessoas do
país.
Bolsonaro agride diariamente
alguma instituição brasileira digna de admiração. Fez isto com o Itamaraty, o
nosso ministério dos estrangeiros, cujos diplomatas sempre foram considerados
modelos em nível internacional. Fez também com a Fundação Oswaldo Cruz,
organização científica na área da pesquisa sobre o mosquito, pioneira no mundo.
Demonstrou sua cavalar insensibilidade ao nunca dizer uma palavra de
solidariedade ao Museu Nacional, tragicamente incendiado há um ano - um museu
que por 150 anos atraiu cientistas do mundo inteiro. Bolsonaro faz tudo para
humilhar o Ibama, instituto de proteção ao ambiente, e a Funai, de proteção aos
índios. E há pouco comprou briga com os advogados brasileiros ao atacar a
também mais do que centenária OAB, Ordem dos Advogados do Brasil.
Para não falar dos países
estrangeiros, a quem ofende com olímpico desembaraço, como se o Brasil
estivesse sozinho no planeta e não dependesse de ninguém. Outro jornalista fez
há dias uma lista dos países que ele já insultou desde que tomou posse:
Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Chile, Cuba, França, Irão, Israel, Japão,
Paraguai, Noruega e Venezuela. Sobre a Alemanha, que cancelou um fundo de
milhões de euros que doava para conter o nosso desmatamento, Bolsonaro disse
que ela enfiasse o dinheiro nas suas próprias matas. Sobre o Japão, sugeriu que
os japoneses tinham pénis pequenos. Sobre a Argentina, que é a terceira maior
parceira comercial do país, afirmou que o Brasil não precisava dela. Vamos ver
o que dirá quando esses países atingirem o Brasil no seu ponto mais sensível -
o comércio exterior.
Temos um demente no poder, capaz
de, a qualquer hora, resolver tirar as calças pela cabeça durante uma cerimónia
oficial. Os mais sensatos só esperam que, numa dessas, Bolsonaro faça algo
realmente tão absurdo, tão maluco, tão grave, que terão de providenciar uma
camisa-de-forças para ele. E, então, você perguntará: "Mas os brasileiros
não votaram nele?"
Sim. Mas quais brasileiros? Se
você tirar os milhões que só votaram em Bolsonaro porque estavam fartos da
corrupção dos quinze anos do partido de Lula no poder, o que lhe sobraria?
Apenas os fanáticos de extrema-direita, que votariam nele de qualquer maneira e
que, no Brasil, não chegam a vinte por cento da população - menos, talvez, do
que nos Estados Unidos, na Inglaterra e na França. E que, neste momento, já são
os únicos que estão obedecendo à sua ordem de fazer cocó dia sim, dia não.
*Jornalista e escritor
brasileiro, autor de livros como O Anjo Pornográfico - A Vida de Nelson
Rodrigues (Tinta-da-China).
Sem comentários:
Enviar um comentário