Valter Hugo Mãe | Jornal de Notícias | opinião
Um Museu Salazar na casa onde o
ditador nasceu não é possível que seja isento de saudosismo. Há uma atmosfera
de capela na ideia impossível de apagar. Qualquer que seja o nome que se dê a
este espaço, o perigoso enfoque está criado. Por mais que se destituam os
conteúdos de ideologia, o gesto corrompe-se por definição. Os malfeitores devem
ser lembrados pelos lugares onde mataram e onde morreram, é isso que nos ensina
e nos urge lembrar.
Não é verdade que favorecer a
memória de Salazar como um "filho da terra", figurão na História do
país, seja só uma liberdade democrática, porque não é. É uma desfaçatez.
Salazar mandou assassinar, criou campos de concentração, torturou, mentiu,
falseou eleições, dispôs do país e das colónias como se fossem sua mercearia e
seu jogo de soldadinhos. Por isso, o que diz respeito à saudade de Salazar não
é opinião, é desfaçatez. Não é exercício democrático, é branqueamento de um
regime que assassinou, torturou, mentiu e empobreceu os bolsos e os espíritos
dos portugueses e de todos os povos de que os portugueses tiveram a ilusão de
ser proprietários.
O museu que tinha de haver era o
que se perdeu com a sede da PIDE. Aí, sim, haveria de se espanar o saudosismo.
A simples ostentação daquelas portas e daquelas paredes serviria para se contar
a História a partir do prisma da decência; aquele que imediatamente diz que
nenhum poder se pode arrogar a perseguir os seus opositores. Ninguém nos pode
voltar a diminuir na liberdade de pensamento e de expressão. Não nos podem
matar.
O entusiasmo de Leonel Gouveia,
eleito pelo PS na autarquia de Santa Comba Dão, é, no mínimo, inusitado. Já
sabemos que o diabo encontra meios de colocar os néscios ao seu serviço, também
já suspeitávamos que muita da Esquerda trabalhasse na verdade para a mais pura Direita.
Que fizesse um favor tão grande ao fascismo é que não estaria à espera. De
Centro Interpretativo a lugar de velas é um passo. Com o rumo que o Mundo leva,
se não formos mais espertos, o que vemos a acontecer espantados em outros
países regressa ao nosso em esplendor. Quero dizer, para matar as saudades dos
assassinatos e dos desaparecimentos, e da tortura e da mais elementar mentira.
Vai ser uma curiosidade, depois, ver onde nasceu o novo ditador para cuidar de
lhe manter a casinha em pé e ir para lá interpretar o raio que parta.
*Escritor
Sem comentários:
Enviar um comentário