Os países que menos contribuem
para as mudanças climáticas são aqueles que mais sofrem seus efeitos. Enquanto
nações ricas emitem altos níveis de CO2, as mais pobres temem pela
segurança alimentar de seus habitantes.
Nos últimos anos, ambientalistas
e cientistas vêm alertando que os países mais pobres, que têm pegadas de
carbono muito baixas, estão sofrendo o impacto das emissões de dióxido de
carbono da fatia mais rica do mundo. Um relatório da agência beneficente britânica Christian Aid mostra
essa disparidade.
O relatório Greve de Fome: o
índice de vulnerabilidade climática e alimentar aponta que os dez
países que registram os maiores índices de insegurança alimentar no mundo geram
menos de meia tonelada de CO2 por pessoa. Combinados, eles geram
apenas 0,08% do total de CO2 global.
"O que realmente me
surpreendeu e me chocou foi a forte correlação negativa entre pobreza alimentar
e a baixíssima emissão per capita", diz a autora do
relatório, Katherine Kramer. "É muito maior do que
esperávamos."
No topo do ranking está o
Burundi, na África Central, que registra 0,027 toneladas, a menor emissão de
CO2 per capita entre todos os países. O número é tão baixo que é muitas vezes
arredondado para zero. Em comparação, os alemães, americanos e sauditas geram,
em média, a mesma quantidade de CO2 que 359, 583 e
719 burundeses, respectivamente.
Conforme destacado no último
relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a
insegurança alimentar é uma das principais ameaças à vida humana que podem ser
provocadas pelas mudanças climáticas. Esse risco é especialmente maior no
Hemisfério Sul, onde as pessoas dependem da agricultura em pequena escala e são
mais vulneráveis a secas, inundações e condições climáticas
extremas.
No Burundi, que já vem
enfrentando insegurança alimentar como resultado da instabilidade política – e
onde a prevalência de desnutrição crônica é a mais alta do mundo – a mudança
dos padrões climáticos é encarada com preocupação.
As chuvas no país africano foram
muito esporádicas nos últimos três anos, particularmente em algumas regiões
dependentes da agricultura. E o relatório prevê que inundações e
secas extremas resultarão em um declínio da produção de entre 5% e 25% nas próximas
décadas.
"O Burundi é uma testemunha
vivo da injustiça da crise climática", diz Philip Galgallo,
diretor do braço da Christian Aid para o Burundi. "Apesar
de produzirmos quase nenhuma emissão de carbono, nos encontramos na linha de
frente das mudanças climáticas, sofrendo com temperaturas mais altas, produção
mais baixa das colheitas e chuvas cada vez menos regulares."
É uma história parecida com a do
segundo país com maior índice insegurança alimentar do mundo: a República
Democrática do Congo (RDC), que também tem a segunda menor pegada de carbono. A
elevação rápida das temperaturas implica um risco ainda maior de disseminação
de doenças entre os animais e nas lavouras. Além disso, os padrões de chuva
estão mudando, deixando os agricultores congoleses inseguros sobre quando
plantar e quando colher.
As mudanças climáticas não afetam
apenas a produção das plantações e a capacidade de cultivar alimentos.
O CO2 também afeta diretamente os nutrientes presentes nas
colheitas.
Um estudo recente da revista
científica Lancet Planetary Health analisou como as
mudanças climáticas e os níveis crescentes de dióxido de carbono na atmosfera
estão reduzindo a prevalência de nutrientes em alimentos básicos, como arroz,
trigo, milho e soja. Cerca de 50% das calorias consumidas do mundo vêm desses
grãos.
O estudo constatou que, nos
próximos 30 anos, a disponibilidade de nutrientes críticos para a saúde humana,
incluindo ferro, proteína e zinco, poderá ser significativamente reduzida se o
planeta continuar a produzir emissões de CO2 no mesmo ritmo.
"Vamos enfrentar uma redução
de 14% a 20% na disponibilidade global de ferro, zinco e proteína em nossa
dieta", prevê o autor do estudo Seth Myers.
E as implicações dessa
redução são muito significativas.
"A deficiência de ferro e
zinco nos alimentos hoje já faz com que cerca de 60 milhões de anos de vida
sejam perdidos anualmente. Então essas deficiências já provocam grandes cargas
globais de doenças", afirma Myers.
"Como resultado do aumento
dos níveis de CO2, centenas de milhões de pessoas vão passar a correr risco
de morrer por causa de deficiências de zinco e proteínas. E cerca de um bilhão
de pessoas que já têm essas deficiências vão vê-las serem exacerbadas",
diz.
Tais deficiências aumentam a
mortalidade infantil por doenças e enfermidades como malária, pneumonia e
diarreia.
As pessoas mais afetadas estarão
no Hemisfério Sul, diz Myers. Isso porque aquelas que correm maior risco
de sofrer com essas deficiências nutricionais já contam com dietas menos
diversificadas e um menor consumo de alimentos de origem animal, como carne, leite,
ovos, queijo e iogurte.
"E isso não deixa de ser
meio irônico, já que essas são as pessoas que têm menos responsabilidade pela
emissão de dióxido de carbono que está tornando os alimentos menos
nutritivos", explica Myers. Ele descreve a situação como uma
emergência de saúde pública e uma crise moral.
"Não há desculpa para não
agir com a máxima urgência quando são as emissões da parte mais rica do mundo
que estão colocando as pessoas mais pobres do planeta em perigo", afirma.
Senso de urgência moral
Kramer,
da Christian Aid, por sua vez, diz que existem várias medidas que o
mundo desenvolvido precisa adotar para combater a insegurança alimentar e
ajudar a combater as mudanças climáticas.
"A primeira e mais
importante é reduzir drasticamente e muito rapidamente suas próprias
emissões", diz ela. "Podemos continuar a nos refugiar em
ambientes fechados, com nossos ventiladores e ar-condicionado. Temos acesso a
estoques de água para nos refrescar. As mudanças ainda não nos atingiram da mesma
maneira, mas já estão afetando o mundo em desenvolvimento."
Myers concorda. "Temos
que parar de queimar combustíveis fósseis. Precisamos fazer a transição para
fontes renováveis e evitar as emissões de dióxido de carbono o mais rápido
possível. Precisamos também ter um senso de urgência moral para essa
transição", afirma.
Outro passo importante é dar
apoio aos países em desenvolvimento. Kramer diz que isso pode ser
feito com incentivo financeiro ou com o fornecimento de tecnologia e
educação, principalmente para a instalação de sistemas de alerta prévios que
permitam que os países prevejam quando um desastre natural está prestes a
acontecer e possam se preparar adequadamente.
Ainda segundo Myers, também é
preciso ajudar os países em desenvolvimento a melhorar sua produtividade e
resiliência (capacidade de resistência e recuperação de um ecossistema).
Por meio do Acordo de Paris sobre
o clima, quase todos os países desenvolvidos do mundo já se comprometeram a
fornecer recursos para ajudar países em desenvolvimento a combater os efeitos
das mudanças climáticas, mas não estão previstas penalidades para aqueles que
não cumprirem suas promessas.
É por isso
que Kramer acredita que as pessoas precisam pressionar seus governos
a cumprir as metas. "Se não diminuirmos nossas emissões e resolvermos
a crise climática como uma comunidade global, os impactos serão cada vez
piores, e milhões de vidas estarão em risco", conclui.
Anne-Sophie Brändlin (jps) | Deutsche
Welle
Sem comentários:
Enviar um comentário