sábado, 21 de setembro de 2019

Anatomia e imagens do grande protesto global


Não foi apenas a maior manifestação já realizada contra a destruição do planeta. Foi um sinal claro de que aumenta a consciência sobre as causas do problema e de que o movimento pode tornar-se ator central na contestação do capitalismo

Antonio Martins | Outras Palavras

Se não é possível ocultar um protesto, tente esvaziá-lo de sentido. A Greve Global pelo Clima estava convocada há dois meses, mas a velha mídia brasileira fez o possível para não vê-la – muito menos, narrá-la.

Agora que isso tornou-se impossível, pois milhões foram às ruas no primeiro dia da semana de ações, as fotos se espalharão pelos portais, jornais e noticiários de TV. Os textos tomarão, no entanto, o cuidado de omitir três pontos centrais. Primeiro: cresce, junto com as marchas, a consciência de que o planeta não é ameaçado “pelo ser humano” – mas por um sistema que obriga multidões a devastarem a natureza (ao privá-las de outro modo de subsistência) e que promove, em busca do lucro, o consumismo, o desperdício e a obsolescência programada. Segundo: esta consciência deixou de ser um fenômeno restrito às sociedades ricas ou às classes com mais acesso à informação. À medida em que as consequências do aquecimento global espalham-se, surgirá talvez um fenômeno oposto: as maiorias pobres, principais vítimas, podem converter-se na grande força a tomar as ruas e exigir mudança. Terceiro: a omissão dos políticos tem um preço. Embora tenha se difundido pelo mundo, os protestos foram e tendem a ser maiores e mais ácidos nos países cujos governantes desdenham da crise.

Oceania

A jornada desta sexta-feira começou na Oceânia, quando o resto do planeta ainda dormia. Na Nova Zelândia, onde a primeira ministra Jacinta Ardern defende a imigração e a luta contra o aquecimento global, as manifestações ocorrerão no próximo dia 27. Mas a Austrália, onde governa Scott Morrison, um primeiro-ministro alinhado à direita e aos planos geopolíticos de Trump, viveu talvez os maiores protestos de rua de sua história. Multidões formaram-se nas principais cidades – Sidney, Camberra, Adelaide, Brisbane – e uma centena de centros urbanos menores. Reuniram 300 mil pessoas, num país de população nove vezes menor que a brasileira. Muitas portavam cartazes contra Morrinson. Outras lembravam: “negação não é política”, referindo-se ao fato de que o enorme litoral australiano e a concentração dos habitantes na costa torna o país especialmente vulnerável à elevação dos mares.

Situadas a Nordeste da Austrália, as Ilhas Salomão também foram palco manifestações. Lá, uma população de 560 mil pessoas está ameaçada de desaparecer rapidamente. A altitude média é de centímetros acima do mar. Muitas casas são montadas sobre palafitas fincadas diretamente no solo oceânico. Ciclones, antes inexistentes, estão se tornando cada vez mais comuns. Houve protestos em que se lia: “Não estamos afundando. Estamos lutando”.

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