António Sampaio, da agência Lusa
Díli, 03 set 2019 (Lusa) --
Pequenas portas de madeira, fabricadas por artesãos timorenses, por trás das
quais se escondem fotografias que retratam a vida de quem as cria, em vários
pontos de Timor-Leste, são o elemento central de uma exposição inaugurada em
Díli.
A exposição é um diálogo entre
criação artesanal - em madeira e tecido, com os tradicionais tais -- e imagens
de Bernardino Soares, um dos nomes mais sonantes da fotografia artística
timorense, já com vários projetos completados.
Estátuas, máscaras, peças
esculpidas em madeira de artesãos do enclave de Oecusse, surgem aqui
intercaladas com fotografias gigantes, que mostram artesãos a trabalhar ou
momentos do quotidiano da vida mais rudimentar, mais antiga e mais tradicional.
A exposição, que se insere no
programa da comemoração dos 20 anos do referendo em que os timorenses
escolheram a independência é iniciativa da empresa Things & Stories -- um
dos principais motores de artesanato em Timor-Leste, com colaboração com 800
artesãos que produzem produtos tradicionais e modernos para várias lojas em
Díli.
"Queríamos reunir a parte
tradicional que está disponível nas lojas, mas que as pessoas não veem desta
forma, mas também o lado contemporâneo, com os jovens artistas timorenses como
o Bernardino Soares. Um projeto que juntasse as duas partes, a tradição e uma
visão contemporâneo de um jovem timorense através de fotografia", diz à
Lusa João Ferro, da Things & Stories.
"Trabalhamos com os artesãos
para, respeitando a tradição, encontrar formas de apelar aos mercados e, com os
mercados, para abrir portas e canais que permitam que os artesãos vendam os
seus produtos e aumentem o seu rendimento", explicou.
"Kik mas Boot", joga
com palavras que, além de serem 'pequeno' e 'grande' em tétum, acabaram por
assumir em Timor-Leste outras conotações, referindo-se a gerações mais jovens
ou mais idosas, ao povo e aos grandes líderes nacionais ou até ao sentido do
individual e do grupo.
Mas aqui KIK é também uma sigla,
a de Kultura, Identidade e Korajen - a grafia em tétum das mesmas palavras em
português -- um retrato contemporâneo de misturar o sagrado, o antigo, e a
modernidade de um país ainda jovem.
Bernardino Soares explica que o
projeto foi uma grande lição, uma oportunidade de mergulhar no processo de
fabrico, no que cada peça representa.
"Sempre começo a fotografar
com uma pergunta e a resposta vem durante o processo. E neste caso, comecei por
perguntar porque é que estas peças, estas janelas, os tais, são tão
caros", diz à Lusa.
"E a resposta é de tem a ver
com o processo. Fazer um tais, por exemplo, sacrificamos o nosso tempo, há que
fazer a coloração. Há uma história. Não se compra um objeto só, compra-se a
tradição, o ritual, o lulik (sagrado) que vem com o próprio tais",
explica.
Num momento de celebração da
independência, o fotógrafo diz que muita gente sabe quem são os veteranos da
luta e os líderes do país, mas que esta exposição quer "celebrar a
identidade cultural e a coragem dos timorenses".
"Os artesãos são os
guardiães da nossa identidade e muitas vezes as pessoas esquecem-se disso. Esta
é uma oportunidade de falar sobre quem está por trás destes panos, destas
estátuas, destas peças", diz.
"Tradução e ritual foram uma
grande parte da luta pela independência. Mas hoje muitos falam de política, mas
esquecem-se de que estes artesãos também são heróis, preservaram, protegeram,
sacrificaram-se para preservar e dar continuidade a esta tradição",
afirma.
Joana Bobotano, uma das artesãs
envolvidas no projeto, trouxe a Díli exemplos do tais da sua aldeia, Bobometo,
próximo de Oesilo, no enclave de Oecusse-Ambeno.
Obras que, explica à Lusa, estão
a ajudar a empoderar as mulheres locais, a fortalecer a economia de muitas
famílias e também a mostrar um pouco da tradição timorense a um público
nacional e internacional.
A exposição é o arranque de um
projeto, em parceria com a USAid do qual sairão um livro de fotografia e vários
filmes documentais sobre o processo de criação artesanal em Timor-Leste, entre
outros projetos.
ASP // VM
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