Salazar e o culto da saudação nazi identificam-no, a ele e ao seu Estado Novo nazi-fascista |
Manuel Carvalho Da
Silva* | Jornal de Notícias | opinião
Andou muito bem a Assembleia da
República (AR) ao aprovar, no passado dia 11, o voto de condenação "Da
criação de um "museu" dedicado a Salazar em Santa Comba Dão",
apresentado pelo Partido Comunista Português. Há que desmontar os clamores
contra a Esquerda "proibicionista" e denunciar as tentativas de
"normalização" pretensamente neutra, na avaliação da sociedade sobre
as figuras da nossa história. É criminoso colocar no mesmo plano quem espezinhou
a democracia, as liberdades e valores do progresso e quem, com enorme
sacrifício, por vezes da própria vida, os defendeu.
A aprovação deste voto de
condenação não matará o assunto, mas é muito importante a legitimação política
e institucional dada à crítica que foi sendo feita a este processo nos últimos
meses. Ela prestigia a AR e obriga a um aprofundamento de argumentos para
anular a iniciativa, que pode regressar com o argumento de que nunca esteve em
causa qualquer museu laudatório de Salazar, mas sim um Centro Interpretativo do
Estado Novo.
É necessário que os portugueses
sacudam "passividades bucólicas" (expressão de Pedro Adão e Silva),
que muitas vezes nos têm marcado negativamente, e situem melhor o lugar e o
valor da memória. José Saramago dizia que "somos a memória que temos e a
responsabilidade que assumimos". Tratemos então da memória, tarefa
primeira dos historiadores, mas também obrigação de pessoas de muitas outras
áreas do saber. E não nos distanciemos do que sabem, sentem ou sentiram os
"simples cidadãos", porque a responsabilidade é de todos.
A iniciativa posta em andamento é
objetivamente local, mesmo que a sua amplitude seja intermunicipal, dada a
natureza da entidade que coordena a rede de estudo e a afirmação de Figuras
Históricas. O suporte científico do CEIS20 propiciou o envolvimento de
historiadores insuspeitos. Mas estes, na minha modesta opinião, encasularam-se
e deixaram-se enredar num processo profundamente contraditório e escorregadio.
Luís Reis Torgal afirmou que esta equipa "jamais seria capaz de criar um
museu hagiológico sobre Salazar". Mas não bastam as intenções e até
empenhos de partida.
Não é de todo viável criar ali um
verdadeiro Centro Interpretativo do Estado Novo. Que tipo de
"espólio" podia ser levado para Santa Comba? E seria observado numa
mescla em que entraria a utilização turística da figura de Salazar?
Aquele é o espaço que, por
natureza, tenderá sempre a colocar em relevo os traços e comportamentos menos
tenebrosos ou mais simpáticos do ser humano Salazar - todo o ser humano os tem.
Ora, esses são os mais distanciados do pensamento, da vida e, acima de tudo,
dos atos políticos do ditador e fascista Salazar, que impôs um regime
fortemente repressivo e autocrático e colocou o país desfasado na história -
veja-se os indicadores de desenvolvimento que o país tinha. Salazar,
conscientemente, espezinhou as liberdades e direitos humanos, provocou violento
sofrimento aos portugueses e cometeu imensas atrocidades sobre os angolanos, os
moçambicanos, os guineenses, os cabo-verdianos, os são-tomenses, os timorenses
e os goeses.
Na democracia que se fez
duramente contra Salazar não há lugar, nem para reabilitações, nem para
avaliações pretensamente neutras da sinistra figura.
* Investigador e
professor universitário
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