Neurociências apontam: falas que
provocam medo, tensão e estresse estimulam o cérebro a reagir primitivamente e
bloqueiam o pensamento elaborado. A ultradireita aprendeu a manipular este
mecanismo. É preciso desarmá-lo
George Monbiot | Outras Palavras | Tradução: Inês
Castilho
Será a espiral de morte da
democracia? Estaremos mergulhando, em todo o mundo, num ciclo letal de fúria e
reativismo, que bloqueia a conversa fundamentada da qual depende a vida cidadã?
Oportunistas políticos que usam
agressão, mentiras e indignação para abafar os argumentos existiram em todos os
tempos. Mas, ao menos desde a década de 1930, nunca tantos deles foram bem
sucedidos ao mesmo tempo.
Donald Trump, Bois Johnson,
Narendra Modi, Jair Bolsonaro, Rodrigo Duterte, Nicolás Maduro, Viktor Orbán e
muitos outros descobriram que a era digital oferece farto leque de escolhas. A
raiva e os desentendimentos que as redes sociais geram, exacerbados por
fábricas de insultos, robôs e publicidade
política secretamente financiada, vazam para a vida real.
Os políticos e comentaristas usam
agora uma linguagem de violência que era impensável poucos anos atrás. No Reino
Unidos, o primeiro ministro Boris Johnson zomba
da memória do deputado assassinado Jo Cox. Um dos líderes do Brexit,
Nigel Farage, refere-se aos funcionários públicos prometendo que “quando o
Brexit for concluído, vamos passá-los
na faca“. Brendan O’Neill, editor do site Spiked, uma publicação que
recebeu financiamento dos irmãos Koch, disse
à BBC que deveria haver motins pela demora em concretizar o Brexit.
Todos devem saber, particularmente em vista das ameaças e agressões sofridas
pelas deputadas mulheres, que a linguagem violenta autoriza a violência. Mas
essas declarações parecem lançadas exatamente para desencadear uma agressão
irracional.
Os eleitores irão agora acordar
desse pesadelo, demitir aqueles que fabricaram as crises e restaurar a política
pacífica e fundamentada da qual depende nossa segurança? Infelizmente, não
parece tão fácil assim.
Ramos fascinantes da neurociência
e da psicologia sugerem que, na vida pública, as ameaças e o estresse tendem a
se autoperpetuar. Quanto mais ameaçados nos sentimos, mais nossas mentes são
dominadas por reflexos involuntários e reações impensadas.
O mais estranho desses efeitos é
descrito num estudo
dos
neurocientistas Stephen Porges e Gregory Lewis. Eles mostram que, quando
nos sentimos ameaçados, não conseguimos ouvir vozes calmas e coloquiais. Quando
nos sentimos seguros, os músculos do ouvido médio se contraem, com um efeito
similar a esticar o couro de um tambor. Isso silencia os sons do ambiente e nos
permite sintonizar as frequências usadas na fala humana comum.
Mas quando nos sentimos
ameaçados, são os ruídos ambientais profundos que precisamos ouvir. No tempo
evolutivo, eram esses sons (rugidos, combustão, o estofo de patas ou o estrondo
de cascos, trovões, um sinal de inundação num rio) que pressagiavam o perigo.
Por isso, nesses casos, os músculos do ouvido médio relaxam, impedindo a escuta
das frequências de conversação. No contexto político, quando as pessoas estão
gritando conosco, as vozes moderadoras são fisicamente ignoradas. Todo mundo
tem de gritar para ser ouvido, aumentando o nível de estresse e ameaça.
Quando nos sentimos
particularmente ameaçados ou irados, surge uma resposta de luta-ou-fuga,
anulando a capacidade de raciocinar – fenômeno que alguns psicólogos chamam de sequestro da
amígdala. A amígdala fica na base do cérebro e canaliza sinais emocionais
fortes que podem neutralizar o córtex pré-frontal, impedindo-nos de tomar
decisões racionais. Nós atacamos irracionalmente, dizendo coisas estúpidas que
desencadeiam depois o sequestro de amígdala em outras pessoas. É mais ou menos
assim que as redes sociais funcionam.
Tudo isso é exacerbado pelo modo
frenético e cego com que buscamos um espaço de segurança quando nos sentimos
inseguros. Segurança é o que os psicólogos chamam de um clássico “valor de falta”:
aqueles que valorizamos quando sentimos que estão ausente; e que neutralizam
outros valores. Isso possibilita às próprias pessoas que nos deixaram inseguros
apresentarem-se como “homens fortes”, a quem podemos recorrer em busca de
proteção contra o caos que eles mesmos criaram. Uma perturbadora pesquisa realizada
pela Hansard Society em abril revelou, na Grã-Bretanha,atualmente 54% dos
entrevistados concordam com a seguinte afirmação: “O país precisa de um
governante forte e disposto a quebrar as regras”. Apenas 23% discordam.
Suspeito que os demagogos – ou
seus conselheiros – saibam o que estão fazendo. Instintiva ou explicitamente,
eles compreendem que reagimos irracionalmente a ameaças, e sabem que para
vencer precisam nos fazer parar de pensar. Por que Boris Johnson parece querer
tanto um Brexit sem acordo? Talvez porque esta hipótese gere as respostas de
ameaça e estresse de que depende seu sucesso. Se não quebramos essa espiral,
ela pode nos arrastar para um lugar por certo muito sombrio. Mas o que podemos
fazer? Como discutimos, em particular, situações de fato alarmantes, tais como
a crise climática, sem disparar reações de ameaça?
A primeira coisa que a ciência
sugere é: trate todos com respeito. A coisa mais estúpida que você pode fazer,
se quiser salvar a democracia, é chamar seu oponente de estúpido.
Nunca se deixe arrastar por uma
batalha de gritos, por mais ofensiva que a outra pessoa possa ser. Não se
distraia com as tentativas de induzir indignação: traga a conversa de volta às
questões que você deseja discutir. Devemos nos espelhar na força calma de Greta
Thunberg quando responde ao
vendaval de ofensas que enfrenta: “Como você deve ter notado, os odiadores
estão mais ativos que nunca. Vão atrás de mim, de minha aparência, minhas
roupas, meu comportamento e minhas diferenças. (…) Mas não perca seu tempo
dando-lhes nenhuma atenção.”
Depois de estudar o sucesso ou
fracasso de outros movimentos políticos, o Extinction Rebellion [Rebelião
da Extinção, em tradução literal] desenvolveu um protocolo para ativismo que
parece um modelo de boa psicologia política. Ele usa humor para desviar
agressão; distribui folhetos explicando cada ação e se desculpando pelo
transtorno; treina ativistas para resistir à provocação e realiza oficinas sobre
desarmar confrontos, ensinando as pessoas a reduzir discussões agressivas em
conversas fundamentadas. Pede “respeito
ativo” a todos, inclusive à polícia.
Ao criar reuniões de pessoas,
procura criar um espaço cidadão no qual outras vozes possam ser ouvidas. Como
aponta outro
artigo, de Stephen Porges, o neurocientista cujo trabalho fez tanto para
explicar nossos reflexos, nossos cérebros não nos permitem sentir compaixão
pelos outros até que nos sintamos seguros. Criar espaços serenos para explorar
nossas diferenças é um passo essencial para a reconstrução da vida democrática.
Tudo isso pode soar como senso
comum. Mas entender como nossas mentes funcionam ajuda a ver quando elas estão
trabalhando inconscientemente para os demagogos. Romper a espiral significa
restaurar o estado mental que nos permite pensar.
Gostou do texto? Contribua para
manter e ampliar nosso jornalismo de profundidade: OUTROS QUINHENTOS
1 comentário:
Your article is extraordinarily smart.I love to browse your diary's posts everyday and that i got vast facilitate from your blog and developed a replacement app golden apple fruit you'll check.Thanks for wonderful diary.
Enviar um comentário