PS. Costa quer renovar a
‘geringonça’. “Se for possível, excelente; se não, havemos de encontrar
caminho”
Líder socialista anuncia
conversações com PCP e BE para repetir acordos à esquerda, e inclui PAN e Livre
nos contactos. Prefere nova 'geringonça', mas também admite acordos pontuais
que garantam quatro anos de legislatura
Foi o resultado que o PS esperava,
cumprindo quase todos os items do melhor cenário possível. A maioria absoluta -
que chegou a ser admitida no intervalo da projeção Expresso/SIC - nunca foi
tida como uma hipótese real, e cedo os socialistas ajustaram as suas
expectativas: as contas davam entre 106 e 111 deputados (excluindo os da
emigração, que só serão apurados para a semana). Esse resultado encaixava
naquilo que António Costa esperava: o PS tem mais deputados do que a direita
toda junta, o que significa que apenas precisa de abstenções à esquerda para
fazer passar leis, e nos caso em que precise de garantir maiorias absolutas,
não fica dependente de um único parceiro potencial; pode antes virar-se para
dois: BE e PCP. Mais: o BE não reforçou o seu peso relativo. Para ser (quase)
perfeito para o PS, era o PCP não cair tanto e o PAN poder também fazer maiorias.
Mas na hora de cantar vitória,
Costa, sem maioria absoluta, fez questão de fazer exatamente o que havia dito
que faria: desafiou PCP e BE para que repitam a solução de maioria dos últimos
quatro anos. E anunciou que o PS falará com mais dois partidos com vista a
entendimentos à esquerda - o PAN e o Livre. É essa, diz Costa, a mensagem que
os eleitores quiseram deixar neste domingo: reforçar o peso do PS, mas mantendo
a força dos seus parceiros, o que sinaliza, na leitura de Costa, a necessidade
de repetir a' geringonça'.
A vitória socialista, como o
líder do partido a apresentou, vale em toda a linha. “O PS ganhou as eleições e
reforçou claramente a sua posição política em Portugal” - “aumentou e ganhou em
votos, aumentou e ganhou em mandatos, é o único partido político que elege
deputados em todos os círculos eleitorais do território nacional (e espero que
também nos dois círculos eleitorais que faltam apurar [da emigração]), e ganhou
em 15 dos 20 círculos”. Conclusão de Costa: “Somos não só um grande partido
popular, como somos um grande partido nacional”.
À volta do PS, António Costa
identificou duas tendências: o afundamento da direita, e a persistência da
esquerda. “O PSD e o CDS, mesmo com o reforço da Iniciativa Liberal e do
Chega!, tiveram a maior derrota histórica da direita em Portugal”, declarou.
Já “os partidos que apoiaram a
atual solução política, PCP e BE, consolidaram no essencial a sua posição
eleitoral”, e o PAN “registou um reforço politicamente relevante”.
É importante reter este pormenor:
Costa equiparou sempre o PCP e o BE, usando sempre para ambos a mesma fórmula
vaga e cautelosa: “consolidaram no essencial a sua posição”. Porém, se isto é
verdade para o BE, que desceu ligeiramente em percentagem e manteve o número de
deputados, é uma manifesta simpatia em relação à CDU, que perdeu cinco lugares
no Parlamento. O esforço de Costa para almofadar a queda dos comunistas foi
notório, na sua tentativa de evitar que PCP e PEV fechem as portas a novos
entendimentos com o PS.
“Os portugueses desejam um novo
Governo do PS reforçado para governar com estabilidade no horizonte da próxima
legislatura”, “os portugueses gostaram da 'geringonça' - é verdade mesmo! - e
desejam a continuidade da atual solução política, agora com um PS mais forte”.
É esse o plano A de Costa: “Vamos procurar junto dos nossos parceiros
parlamentares renovar a solução política que os portugueses disseram querer que
tenha continuidade”. E vão alargar os contactos ao PAN, com quem chegou a haver
conversações sem resultado em 2015, e ao Livre, cuja entrada no Parlamento foi
aplaudida durante a festa socialista.
E SE NÃO HOUVER 'GERINGONÇA'?
“ASSUMIRÃO AS SUAS RESPONSABILIDADES”
Com o governo em peso nas
primeiras filas a aplaudir a vitória (e a respectiva recondução, pois Costa
manterá o essencial da equipa), a questão em que os jornalistas mais insistiram
na parte de perguntas e respostas foi sobre os contornos desse eventual novo
acordo à esquerda e as alternativas para se isso não acontecer. Costa não se
desviou do plano. “Vamos ver se é possível. O PCP já disse que o quadro é
diferente, vamos ver se é assim ou se pode evoluir na sua posição. BE disse que
podia ser assim e também que podia ser de forma diferente...”
Pragmático como sempre, Costa assumiu que tem duas alternativas pela frente:: “Se for possível dessa forma, excelente, se não for possível dessa forma havemos de encontrar caminho para assegurar a estabilidade”.
Mas fica já o aviso: “Se os
outros não nos acompanharem assumirão as suas responsabilidades.” Ou seja, o PS
não tenciona mesmo deixar cair a herança da 'geringonça'.
A alternativa que existe sempre,
caso falhem acordos de legislatura, é a de negociação caso a caso, orçamento a
orçamento. Cada partido terá os seus cadernos de encargos, mas Costa deixou
claro que fará pesar o grupo parlamentar reforçado com que conta agora em São
Bento. “O caderno de encargos de cada partido é conhecido, é o respetivo
programa eleitoral - cada um teve o apoio que teve.” Mas, acrescentou, “não são
só os outros que têm caderno de encargos, nós também temos, é o que
apresentámos aos portugueses e que os portugueses sufragaram.”
Uma vitória é uma vitória, e
Costa parece ter bem definido o papel que cabe a cada parte da 'geringonça'.
“Não tendo nós maioria sozinhos, temos a responsabilidade de procurar maiorias
que garantam estabilidade por quatro anos”. Mas essa responsabilidade, frisou,
“é uma responsabilidade partilhada. A nossa responsabilidade é tomar a
iniciativa, a dos outros é não fechar a porta”. E “quem pôs como objetivo de
campanha impedir a maioria absoluta tem responsabilidade acrescida”, lembrou
Costa, chamando à responsabilidade comunistas e bloquistas.
António Costa, que foi comparado
durante a campanha com António Guterres - por não ter dramatizado a maioria
absoluta - ficou, como Guterres, a pouca distância desse objetivo. Se o PS
conseguir, como presume, três deputados pela emigração, terá uma bancada com
109 lugares, a sete da maioria absoluta. O discurso de Costa na noite eleitoral
- todo focado na estabilidade para quatro anos - parecia ter como um dos objetivos
espantar o fantasma de Guterres. O do tal governo que caiu a meio da
legislatura por já não conseguir encontrar soluções de maioria. Essa é a parte
da história em que Costa quer fazer diferente do outro António.
Filipe Santos Costa | Expresso
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