Manuel Carvalho Da Silva
| Jornal de Notícias | opinião
A composição e características do
conjunto dos ministros do novo Governo e as explicações acerca da sua estrutura
e objetivos, expandidas até agora pelo indigitado primeiro-ministro (PM),
confirmam três ideias fundamentais: i) o Partido Socialista (PS) utiliza o seu
reforço para dar uma guinada ao centro; ii) observam-se mais alterações de
forma que de conteúdo na estrutura do Governo, apesar de umas pinceladas de
modernidade simpática na designação de alguns ministérios; iii) surgem
indicadores de que a este Governo está reservada uma missão de combates de
curto prazo, que não serão apenas o da presidência da União Europeia em 2020,
mas ainda outros que, por agora, estão apenas na cabeça do PM.
António Costa e o PS optaram pelo
enterro da "geringonça"? Sem dúvida, mas esse não será o grande
problema pois ela era dificilmente repetível e há desafios colocados aos
partidos à sua Esquerda que exigem a estes uma maior liberdade de movimentos e
acutilância. Poderá colocar-se outra questão: vão o PS e o seu líder enterrar
as políticas de recuperação de rendimentos, de preocupações com a justiça
social e com princípios progressistas no emprego e nos direitos sociais
fundamentais, distanciando-se daquilo que levou os portugueses a "gostarem
da geringonça"? Os sinais dados até agora parecem apontar nesse sentido,
embora a capacidade negocial do primeiro-ministro por vezes nos surpreenda.
O entusiasmo de representações
patronais conservadoras com o poder atribuído ao ministro da Economia emerge da
capacidade deste como estratega de políticas económicas, ou da sua experiência
como advogado de negócios? Aquilo que se conhece da ministra da Coesão
Territorial indica que não se vai tratar a sério deste relevante problema, mas
antes coser uma teia de interesses que estão no terreno e criar identidade com
o que pretende o presidente da República. Para a Administração Pública os
sinais parecem ser de que vai haver mexidas nas carreiras profissionais, mas
não está garantido que seja para reforçar capacidade e valorização do Estado.
Na área do trabalho há que esperar para ver, todavia não cheira a valorização
do trabalho, mas sim à impregnação de conceções de desresponsabilização e
precarização características das "novas" plataformas digitais e da
economia low-cost.
O PM já reconheceu a estagnação
dos salários reais médios como um problema e a necessidade de uma efetiva
"política de rendimentos". O problema é que tende a reduzir a
política de rendimentos a uma vaga intensão de negociação entre as partes, no
Conselho Permanente de Concertação Social, incluindo aí a evolução muito tímida
do salário mínimo (SMN), quando sabe que a decisão pública molda o mercado e
que a relevância do SMN e a articulação deste com a negociação coletiva, é bem
distinta numa perspetiva de estagnação salarial como temos tido, ou de
crescimento dos salários como se impõe *.
Uma política de rendimentos é
muito mais do que propõe António Costa. Evolve reconfiguração do enquadramento
regulatório das relações de trabalho, de práticas remuneratórias do Estado e de
políticas de proteção social que podem ser negociados em sede de Concertação,
mas incumbem em última análise ao Governo e Parlamento, sob pena de nada mudar.
*Caderno n.º14 do Observatório
sobre Crises e Alternativas "Quando a decisão pública molda o mercado: a
relevância do salário mínimo em tempos de estagnação salarial" em https://www.ces.uc.pt/observatorios/crisalt
*Investigador e professor
universitário
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