Os desafios futuros para a
esquerda, contra a tralha neoliberal e os populismos em marcha, não são fáceis.
Há que lutar, contra todas as evidências, sabendo de ciência certa que a razão
está do lado da esquerda mesmo.
Manuel Augusto Araújo |
AbrilAbril | opinião
Pela primeira vez três partidos,
Livre, Iniciativa Liberal (IL) e Chega, meteram o pé na porta da Assembleia da
República (AR), colocando um deputado cada e o outro, o PAN, que já tinha
metido o pé na porta nas eleições anteriores elegendo um deputado, viu aumentada
a sua representação para quatro deputados. A direita viu a sua presença na AR
ampliada em número de partidos embora com menos 18 deputados do que tinha em
2015. As esquerdas, embora aumentassem o número de deputados em relação a 2015,
mais dezasseis deputados, perderam quase 50 mil votantes, o que deve preocupar.
Nestas contas direitas/esquerdas não entra o PAN que afirma não ser de direita
nem de esquerda. Uma espécie de partido sem eira nem beira, de um oportunismo
sem peias.
Embora o espaço da direita se
tenha reduzido o seu futuro não se advinha adverso. A comunicação social já
anda a bolinar a seu favor, veja-se o tempo concedido sobretudo à Iniciativa
Liberal e a lavagem do Chega classificado de extrema-direita populista, uma
forma simplista de mascarar a readaptação do fascismo de que é herdeiro, ao
contexto actual em nova versão.
Igualmente a Iniciativa Liberal,
que elege um deputado na primeira vez que concorre, é travestida de liberal
quando de liberal nada tem. É a grande corrupção intelectual por não se
assumirem o que realmente são, ultra-liberais em linha com Hayek e os Chicago
Boys que renegam os liberais, de Stuart Mill a Keynes e seus continuadores
actuais, que defendem a educação pública, universal e gratuita, impostos
progressivos, a protecção social universal, a expansão do investimento e do
emprego público, a repressão dos especuladores financeiros, um Estado
interventivo no combate à sucessivas crises do capitalismo e que, nos dias de
hoje, são as políticas dos partidos socialistas e sociais-democratas que as
praticam com enormes e devastadoras concessões ao capital, uma das mais graves
é terem abdicado de moeda própria, deixando o financiamento do Estado nas mãos
de especuladores internacionais. Essa gente do IL tem o desplante, a
incomensurável lata de pregarem um pseudo-liberalismo económico contra o
excesso de intervencionismo do Estado, quando nas últimas décadas se privatizou
tudo o que havia para privatizar, excepto a Caixa Geral de Depósitos, o serviço
público da comunicação social, onde ocupam, directa e indirectamente, um espaço
desmesurado em comparação com a esquerda, o Serviço Nacional de Saúde e a
Educação que paulatinamente tem sido entregue aos privados. É esse pouco que
ainda resiste aos ataques dos ultra-liberais que agora está na sua mira.
Sem uma ruga de vergonha, coisa
que não sabem o que é, fingem que a liberalização do sistema financeiro e a
livre circulação de capitais não são os responsáveis pelo exponencial aumento
do endividamento público e privado e que as leis do trabalho que têm facilitado
os despedimentos, os horários flexíveis, a precarização não estão
suficientemente desregulamentadas porque o que desejam é voltar à barbárie, aos
mitos neoliberais do séc. XIX. A política fiscal que propõem é um ascensor para
aumentar as desigualdades. A meritocracia que usam como brilhante emblema na
lapela é a adulteração do verdadeiro mérito para favorecer os de sempre.
Os próceres da Iniciativa Liberal
proclamam – a sua campanha eleitoral é um relambório de manhosices, um manual
completo de manipulação eleitoral – que querem colocar Portugal a crescer. A
realidade é que as ideias que defendem são exactamente as que têm sido postas
em prática desde a década de 80 e que nos fazem crescer de forma frágil. Que
por causa delas Portugal é um dos países mais pobres da Europa, onde as
desigualdades sociais são das mais brutais. São essas evidências que negam com
uma desfaçatez, uma insolência todo-o-terreno. O perigo dos próximos anos é
terem uma desencabulada voz na AR para ampliar a voz que já têm numa
comunicação social ao serviço da plutocracia e também no chamado serviço
público.
O Chega, carinhosamente apelidado
de extrema-direita populista, diz-se anti-sistema, o que dá imenso jeito num
país em que o descrédito da política e dos políticos, o desencantamento com a
política que os media, produzindo e propondo uma visão cínica do mundo político
nas notícias, na selecção das notícias, nas perguntas das entrevistas, nos
comentários políticos, instalam com contumácia preparando e adubando o terreno
para as simplificações demagógicas, que foi bem explorado também pelo IL e que
também já tinha sido e continua ser explorado pelo PAN. É esse o terreno que o
Chega vindima sem descanso, que o fez obter os resultados eleitorais que
obteve. Acresce a notoriedade pública do seu líder iniciada em Loures pelo
lugar que Passos Coelho lhe outorgou, consolidada pelo comentarismo desportivo,
leia-se futebol, que é um campo fértil para se alcandorarem na política,
lembrem-se de Santana Lopes e Fernando Seara, entre outros.
O PAN cavalga sem freio a causa
ambiental. Cavalga mas não sai da pista de corrida da lavagem verde que o
capitalismo iniciou e que teve e tem em Al Gore um dos rostos mais mediáticos
em que agora todos, mesmo Christine Lagarde e Vítor Gaspar, se empenham em
apregoar. Eles são adeptos convictos de que verde é a cor do dinheiro que
continua a dominar o sistema financeiro internacional.
Contra esse ambientalismo neoliberal tem sido lembrado
recorrentemente e com razão a frase de Chico Mendes, sindicalista-ambientalista
brasileiro assassinado em 1988, de que «ambientalismo sem luta de classes é
jardinagem». Depois
do discurso pungente de Greta Thunberg na ONU, que tem sido usado com
desonra pela lavandaria ambiental e destratado grosseiramente pelos arautos
neoliberais, nas acções de massas das Sexta-Feiras pelo Ambiente surgiu com
força a ideia nuclear de que o capitalismo não é verde, de que a luta ecológica
tem de colocar a questão da superação do capitalismo, como escreveu João Rodrigues no blogue Ladrões de
Bicicletas coloca de forma clara e sintética.
Para o PAN essa não é a equação,
a jardinagem é o que está a dar, a vender bem na Feira da Ladra da ecologia. A
ver vamos se os vigésimos premiados continuam sem prazo de validade a render
votos.
Os desafios futuros para a
esquerda, contra a tralha neoliberal e os populismos em marcha, não são fáceis.
É urgente uma nova política económica em que o Estado agarre as alavancas do
investimento e da banca para reduzir as desigualdades sociais, combater o
desemprego, valorizar o trabalho em vez do capital, colocar em prática uma nova
ordem ambiental, e essa não é agenda de alguma esquerda que só muito empurrada
faz algumas, poucas, cedências.
Há que traduzir essa urgência em
votos, o que com o panorama comunicacional manipulador existente vai exigir
esforços acrescidos. Há que lutar, contra todas as evidências, sabendo de
ciência certa que a razão está do lado da esquerda mesmo, apesar e contra as conjunturas,
o que não é garante de nenhuma certeza mas vitamina a luta.
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