Em entrevista a The Real News
Network, John Pilger comenta a forma como vem sendo conduzido no Reino Unido o
processo de extradição para os EUA de Julian Assange, e a forma vergonhosa como
grandes media – que se aproveitaram de forma muito lucrativa do seu trabalho
jornalístico – agora ignoram este processo inteiramente arbitrário e o atacam.
Greg Wilpert: Bem-vindo a The
Real News Network. Eu sou Greg Wilpert em Arlington, Virgínia.
Julian Assange perdeu
recentemente uma tentativa judicial de adiar a próxima audiência de extradição
em Fevereiro de 2020. A audiência sobre o adiamento ocorreu em 21 de Outubro e,
de acordo com observadores presentes, ele mal conseguia enunciar frases coerentes.
Reagindo à audiência o relator de Direitos Humanos da ONU, Nils Melzer, alertou
na sexta-feira passada que Assange continua a mostrar sintomas de tortura
psicológica. Melzer visitou Assange em Maio quando realizou uma extensa revisão
da sua condição física e psicológica. Na sua declaração de sexta-feira, Melzer
disse: “Apesar da urgência médica do meu primeiro recurso e da gravidade das
supostas violações, o Reino Unido não adoptou quaisquer medidas de
investigação, prevenção e reparação exigidas pela lei internacional”.
Para além das preocupações como
Assange é tratado na prisão de Belmarsh nos arredores de Londres, muitos
levantaram também preocupações sobre a imparcialidade dos processos contra ele.
Assange foi preso em Abril passado, quando a Embaixada do Equador, onde lhe
fora concedido asilo político, permitiu que a polícia o prendesse. Ele recebeu
então uma pena de 50 semanas por ter escapado à prisão em 2012. Desde então o
governo Trump solicitou a extradição de Assange por 17 acusações de espionagem
pelas quais poderia caber-lhe uma sentença de 170 anos de prisão nos Estados
Unidos.
Juntando-se a mim agora para
discutir os últimos desenvolvimentos no caso de Julian Assange está John
Pilger. Ele tem observado de muito perto o caso Assange e esteve presente na
audiência de 21 de Outubro. É um jornalista premiado e documentarista. O seu
filme mais recente é The Coming War on China. Obrigado por se juntar a nós
novamente, John.
John Pilger: Com muito gosto.
Greg Wilpert: Vamos começar pela
a condição de Assange. Como foi dito, esteve presente na última audiência. Qual
foi a sua percepção do estado dele e como se apresentou ele?
John Pilger: Sim, estive na
última audiência e vi Julian cerca de uma semana antes disso, portanto vi-o de
perto recentemente em várias ocasiões. Penso que posso concordar com a
avaliação de Nils Melzer. É muito difícil dizer. A sua condição física mudou
dramaticamente. Perdeu cerca de 15 quilos de peso. Vê-lo no tribunal
esforçando-se para dizer o seu nome e a sua data de nascimento foi realmente
muito tocante. Vi-o quando visitei Julian na prisão de Belmarsh, quando ele
fica primeiro muito perturbado e depois se controla. Fico sempre impressionado
pela a pura resiliência deste homem, porque, como diz Melzer, absolutamente
nada foi feito para mudar as condições que lhe são impostas pelo regime
prisional. Nada foi feito pelas autoridades britânicas.
Isso quase foi sublinhado pela
forma desdenhosa como esta audiência recentemente foi conduzida por esse juiz,
por esse magistrado. Havia entre todos nós que estávamos lá a sensação de que
toda a charada, e parecia uma charada, fora pré estabelecida. Tinha, sentados à
nossa frente, numa mesa comprida, quatro norte-americanos que eram da embaixada
dos EUA aqui em Londres, e um dos promotores corria para trás e para a frente
para receber instruções deles. A juíza viu isso, e permitiu-o. Era
absolutamente ultrajante.
Quando Julian tentou falar e
dizer que, basicamente, lhe estavam sendo negadas os meios necessários para
preparar seu caso, foi-lhe negado o direito de chamar o seu advogado
norte-americano. Foi-lhe negado o direito de ter qualquer tipo de processador
de texto ou laptop. Foram-lhe negados certos documentos. Como ele disse, “até
me foram negados os meus próprios escritos”, como lhes chamou. Ou seja, as suas
próprias anotações e manuscritos. Isto não mudou de forma nenhuma, e é claro
que o efeito disso na sua moral, para dizer o mínimo, tem sido muito
significativo, e isso foi visível no tribunal.
John Pilger: Conheço muito bem o
advogado dele, Gareth Peirce, e ela não é uma pessoa que realmente se irrita
assim. Mas vi-a antes e depois da audiência, e ela estava bastante irritada com
o facto de, como ela disse: “Aqui temos uma audiência de extradição, baseada
num tratado entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, e há uma seção nesse
tratado que diz, tal como você mencionou, que “ninguém pode ser extraditado
se”, e parafraseio, se a dita ofensa for de algum modo política. Está na lei,
não é uma questão de opinião. São políticas. Todas excepto uma das acusações inventadas
na Virgínia, são baseadas na Lei de Espionagem de 1917, que era uma peça
política de legislação usada para expulsar os objectores de consciência durante
a Primeira Guerra Mundial.
É político. Não há acusação. Não
há base nem fundamento para permitir que estes procedimentos de extradição
avancem, e quase perversamente o juiz pareceu reconhecê-lo no seu desprezo
pelos trâmites. Sempre que Julian Assange falava, ela fingia um desinteresse,
um tédio e, sempre que os seus advogados falavam a mesma coisa. Sempre que o
promotor falava, estava atenta. Os aspectos teatrais desta audiência foram
bastante notáveis. Nunca vi nada parecido. Então, muito apressadamente, quando
o advogado de Julian Assange solicitou um adiamento quando o processo começar
realmente em Fevereiro, eles disseram: “Não estaremos preparados em Fevereiro”,
e ela descartou-o de imediato.
Não só isso, ela disse que o
processo de extradição seria realizado num tribunal que é de facto adjacente à
prisão de Belmarsh. É quase parte da prisão. Está muito longe de Londres.
Portanto ter-se-á, se não um julgamento secreto, um julgamento em que, ou uma
audiência de extradição em que muito poucos lugares estão disponíveis ao
público. É muito difícil chegar a esse local. Portanto foram colocados todos os
obstáculos para que Assange tenha uma audiência justa. E apenas posso repetir:
é um editor e um jornalista que de nada foi condenado, acusado de nada na
Grã-Bretanha, cujo único crime é o jornalismo. Pode parecer um slogan, mas é
verdade. Eles querem condená-lo por expor o tipo de ultrajantes crimes de
guerra, Iraque, Afeganistão, aquilo que se supõe que os jornalistas deveriam
fazer.
Greg Wilpert: Certo. Por fim,
quero perguntar-lhe também sobre o apoio que Assange parece ou não ter
recebido. Parece que as organizações de media que beneficiaram tremendamente
com o trabalho de Assange praticamente não mencionam o seu caso, e muito menos
o apoiam. Além disso, grupos de direitos humanos como a Amnistia Internacional
instaram o Reino Unido a não extraditar Julian, mas não insistiram no caso.
Acabei de o verificar. Não o elevaram ao estatuto de uma campanha, como
normalmente fazem para presos políticos. Como explica essa ausência de
interesse pela situação de Assange entre os media e os grupos de direitos humanos?
John Pilger: Porque muitos grupos
de direitos humanos são profundamente políticos, a Amnistia Internacional nunca
atribuiu a Chelsea Manning a condição de prisioneiro de consciência. Uma coisa
realmente vergonhosa. Chelsea Manning, que foi efectivamente torturada na
prisão e, como você diz, não elevaram o caso de Julian. Por quê? Bem, eles são
uma extensão. Eles são uma extensão de um estabelecimento que agora está quase
sistematicamente caindo sobre qualquer forma de dissidência real. Nos últimos cinco,
seis anos, as últimas abertas, as últimas fissuras, os últimos espaços dos
media dominantes para jornalistas, de jornalistas comuns aos do tipo de
Assange, e não apenas de Assange, para pessoas como eu e outros, esses espaços
fecharam.
Os media dominantes, e certamente
na Grã-Bretanha, sempre mantiveram abertos esses espaços. Fecharam, e penso que
geralmente há um medo, em todos os media, de se opor ao Estado em algo como o
caso Assange. Vê-se a forma como toda a obsessão com a Rússia tem consumido os
media com tantas histórias disparatadas. A hostilidade, a animosidade em
relação a Julian. A minha própria teoria é que o seu trabalho envergonhava
muitos jornalistas. Ele faz o que os jornalistas deveriam ter feito e deixaram
de fazer. Fez o trabalho de um jornalista. Apenas isso o pode explicar. Quero
dizer, quando se pega num jornal como The Guardian, que publicou originalmente
as revelações do WikiLeaks sobre o Iraque e o Afeganistão, e se voltou contra
Julian Assange da forma mais cruel possível.
Eles exploraram-no por uma coisa. Vários jornalistas saíram-se extremamente bem com os seus livros, argumentos em Hollywood e assim por diante, mas voltaram-se pessoalmente contra ele. Foi um dos espectáculos menos edificantes que eu já vi no jornalismo. O mesmo aconteceu no New York Times.
Mais uma vez, só posso supor a razão disso. É que ele os envergonha. Temos neste momento um deserto de jornalismo. Existem alguns que ainda fazem o seu trabalho; que ainda se levantam contra o poder do establishment; que ainda não estão atemorizados. Mas há tão poucos agora, e Julian Assange é totalmente destemido nisso. Ele sabia que iria ter muitos problemas com o Estado na Grã-Bretanha, o Estado nos Estados Unidos - mas foi em frente de qualquer maneira. Esse é um verdadeiro jornalista.
Greg Wilpert: Bem, teremos que
deixá-lo por enquanto, mas é claro que continuaremos acompanhando o seu caso
dele, como temos feito desde o início. Estiva conversando com John Pilger,
jornalista premiado e documentarista. Obrigado novamente, John, por se ter
juntado a nós hoje.
John Pilger: Muito obrigado,
Greg.
Greg Wilpert: Obrigado por
se juntarem à The Real News Network.
Fonte:
https://therealnews.com/stories/julian-assange-extradition-process-charade
Publicado em O Diário.info em
9.11.2019
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