Martinho Júnior, Luanda
A noção contemporânea de
liberdade não é relativa, muito menos moderada, a noção de liberdade não passa
no crivo da rarefacção de democracia de que se alimenta a própria NATO,
devoradora até da vontade institucional dos povos!...
Perante tal rarefacção, nem a
representatividade democrática subsiste e qualquer participação ou
protagonismo, ainda que procure seguir o rumo da lógica com sentido de vida,
torna-se um “produto tóxico” que a aristocracia financeira mundial
exclui deliberadamente, intragável para o processo em curso de domínio do
império da hegemonia unipolar!
Está a ser assim paulatinamente
no Google, no Facebook, ou no Twitter, para citar três exemplos de fermentação
progressiva de censura!
01- De “mercado” em “mercado”,
de consumismo em consumismo, a busca irracional do lucro, cada vez mais lucro
ainda que seja lucro alcançado por via da especulação financeira, está
inexoravelmente a esgotar os recursos da Terra e paulatinamente a azotar os
povos e a asfixiar a própria natureza, cada vez mais ávida de água e de
oxigénio!...
A degradação ambiental está
intimamente associada ao processo de concentração de riqueza e de poder em cada
vez menos mãos no âmbito da poderosa aristocracia financeira mundial que se
capacitou para os expedientes de domínio e usa a dialética para seu próprio
proveito, o proveito de 1% sobre o resto da humanidade!
Nação alguma, país algum, estado
algum, povo algum escapa a esse poder concentracionário, mesmo que as economias
locais, regionais e até continentais alcancem uma importante capacidade de
diversificação, por que as tecnologias fluem a partir dos processos dominantes
e só a partir deles, garantindo por via de processos sofisticados de “soft
power” e duma assentada, as dependências, as ingerências e as manipulações,
explorando a vocação irracionalmente consumista do homem!
A democracia nestes termos é
simultaneamente uma ilusão, uma alienação e um processo filtrado de fomento
ideológico que abre espaços à inércia dum conservadorismo de séculos que
exaustivamente se alimentam as religiões e seus artificiosos ambientes
socioculturais e sociopolíticos!
02- Portugal, que os portugueses
se desprendam das ilusões e das alienações, nem com o 25 de Abril de 1974
conseguiu escapar à malha que a globalização tece e a prova mais evidente é a
de que, definitivamente, o 25 de Novembro de 1975 garantiu a prisão drástica
do “jardim à beira-mar plantado” à NATO, de que isoladamente é muito
difícil algum país europeu conseguir-se escapar!
A tolerância que a NATO teve para
com o fascismo e o colonialismo português, a ponto de garantir um prolongado
estertor do império colonial lusitano que resistiu treze anos em guerra contra
o movimento de libertação em África após séculos de domínio escravocrata, é a
tolerância implicada com a utilização e nas suas próprias “redes stay
behind”, cuja superestrutura ideológica assenta no ultraconservadorismo
(fundamentalista e radical) do cristianismo apregoado de “democrático” e
cuja infraestrutura assenta no “lobby” dos minerais, da energia e do
armamento, que continua a dar vigor aos Estados Unidos e à Europa, à custa das
nações, estados e povos que compõem a Tricontinental!
O hiato entre o 25 de Abril de
1974 e o 25 de Novembro de 1975 em Portugal, só foi possível por que esse curto
período de pouco mais de um ano existiu a cavalo num inquinado histórico de
descolonização, em que foi impossível fazerem-se parar as ingerências e as
manipulações por parte das grandes potências, em especial as que integravam o
império da hegemonia unipolar e a NATO, nos contenciosos de autodeterminação e
liberdade africana!
Assim, só imediatamente após o 11
de Novembro de 1975 am Angola (Angola que foi a última colónia que travou luta
armada de libertação a ganhar a independência), passaram a haver condições
objectivas e subjectivas para em Portugal a NATO finalmente “moderar” sobre
brasas, as brasas a que não estão alheias as acções de sabotagem que se
assistiram durante o penoso “verão quente” português sucedâneo do 11
de Março de 1975!
O golpe do 25 de Novembro de 1975
em Portugal, deu sequência ao “ariete” declaradamente anticomunista e
antidemocrático do 11 de Março de 1975!...
O general António Spínola e seus
instrumentalizados seguidores, que levaram a cabo a campanha do “verão
quente” em Portugal saíram derrotados “no terreno”, mas a NATO
conseguiu entre a tese derivada do “Le Cercle” e a antítese do PREC,
realizar a síntese de feição, repescando a nata política e militar de sua velha
aderência, apta a moldar os processos democráticos de sua inteira conveniência
e indo buscar a “referência” do “spinolismo” a fim de
reforçar o quadro ideológico e político a que ficou moldado o processo
histórico português do “Arco da Governação” e mais recentemente da
própria “Geringonça”!...
A “democracia à portuguesa” do
após 25 de Novembro de 1975 só existe graças aos expedientes de inteligência
arquitectados por via da hegemonia unipolar, movendo detectáveis actores como o
Departamento de Estado e o Pentágono dos Estados Unidos, assim como a NATO e a
própria União Europeia na Europa e na sua expressão no Mundo!
03- É claro que essa fluência se
tornou importante por que “Arco de Governação” e “Geringonça” se
tornaram indispensáveis enquanto “correias de transmissão”, para o quadro
de ingerências que a globalização do império da hegemonia unipolar desde o fim
da IIª Guerra Mundial tece em África e sobretudo na direcção de Angola, África
Central e Austral!
O projecto neoliberal de gerar
uma elite dócil em todos os componentes da África Central e Austral, passa
pelas “osmoses” de Londres, Paris, Bruxelas (duplamente enquanto
reino e sede da União Europeia) e Lisboa, elas próprias também capitais de
potências coloniais agora implicadas na formatação dos conceitos que levaram o
Pentágono à decisão do AFRICOM...
Só uma Lisboa vivenciada num
golpe como o de 25 de Novembro de 1975 estaria preparada para uma tal “experiência” extra
continental no flanco sul da NATO e o neoliberalismo, se antes se obrigou ao
choque em Angola (entre 31 de Maio de 1991 e o 4 de Abril de 2002), ganhou o
espaço africano com a sua terapia de 4 de Abril de 2002 aos nossos dias, uma
terapia que passa pela avassaladora assimilação das elites angolanas ao próprio
histórico redundantemente inspirado nesse golpe em Portugal!
4- O “pensamento estratégico
de Agostinho Neto” (parafraseando o Comandante Iko Carreira), ao não se
limitar à concretização do Programa Mínimo do MPLA, foi um obstáculo à
capacidade do “Arco de Governação” enquanto “correia de
transmissão” da globalização neoliberal tecida pela aristocracia
financeira mundial contra Angola, por que impôs coerentemente a luta contra
o “apartheid” como um alongamento da luta armada de libertação
nacional em África!
Essa coerência animou-se ainda de
lógica com sentido de vida e segurança vital, fielmente interpretadas sobretudo
pelas componentes libertárias na África Central e Austral, assim como pela
Revolução Cubana no cerne do Não Alinhamento activo de então!
A leitura da sucessão de esforços
libertários nas Caraíbas, na América Latina e em África, tenho eu próprio vindo
a fazer, por que é a leitura vivenciada com os olhos e as perspectivas do sul a
que eu próprio me obrigo, o sul que não para de se mover teluricamente em busca
de sua tão legítima aspiração à autodeterminação e liberdade!
Sensibilidades importantes
do “Arco de Governação”, devido à sua fidelidade canina à tecelagem da
globalização neoliberal (entenda-se os 9 sublevados do golpe do 25 de Novembro
de 1975, bem como vários clãs sociopolíticos portugueses como os de Mário
Soares ou de Cavaco Silva), foram chocando contra ou tentando subverter a
República Popular de Angola enquanto ela existiu (confirmo-o por que fui além
do mais Chefe do Sector NATO do Departamento de Estrangeiros da Contra
Inteligência da Segurança do Estado de Angola)… para depois se irem adequando,
no seguimento do 31 de Maio de 1991 em Bicesse!...
O Presidente José Eduardo dos
Santos teve muitas dificuldades a nível interno e externo para se sobrepor
ao “pensamento estratégico de António Agostinho Neto”, tornando-se num
dirigente “pragmático” face a tão fortes pressões conjunturais
internacionais!
A moldagem “cristã-democrática” (em
termos ideológicos) da Segurança do Estado de Angola (não esquecer onpesoda
influência dos parâmetros ideológicos do “Le Cercle” e suas “redes
stay behind”), teve de vencer resistências que eram componentes vitais do rumo
protagonizado pelo próprio Presidente Neto e seus fiéis seguidores, com um
clímax em 1986 antecipando Cuito Cuanavale, o fim do “apartheid”, as
independências do Zimbabwe e da Namíbia, a democracia representativa na base de
1 homem = 1 voto na África do Sul e o 31 de Maio de 1991 em Bicesse, quando em
remate final se pôs termo às Forças Armadas Populares de Libertação de Angola,
FAPLA!
A trajectória do general António
José Maria, que foi por isso tanto tempo o Chefe da Contra Inteligência Militar
em Angola, é identificável por dentro dos instrumentos de poder do estado
angolano, como um elemento “estratégico” da linha de conduta “cristã-democrática” de
que se foi alimentando a moldagem do carácter do exercício de décadas do
Presidente José Eduardo dos Santos, com direito a foto nos “Jogos
Africanos” da autoria do assumido homem do “Le Cercle”, conspirador
da racista FRA (“Frente de Resistência Angolana”, efemeramente criada em Luanda
em 1975), assessor de Savimbi e Dlakhama, que dá pelo nome de Jaime Nogueira
Pinto!
Em Março de 1986 eu e meus
camaradas que instruíram o processo 105/83 contra traficantes de diamantes que
em 1983 delapidavam a economia de Angola, fomos detidos, julgados e condenados
a prisões maiores (no meu caso de 16 anos), por “golpe de estado sem efusão
de sangue”, ou seja, perdendo-se na luta intestina face às sementes de
neoliberalismo que então se começaram “pragmaticamente” a deitar no
chão de Angola na própria direcção do estado angolano, abrindo-se caminho ao
longo e “indigestivo” processo da corrupção resultante das
ingerências e manipulações externas desde então!
O Presidente José Eduardo dos
Santos não foi signatário da Proclamação das FAPLA a 1 de Agosto de 1974 e o
seu “proverbial pragmatismo” ia-se moldando irremediável e
paulatinamente ao que a globalização foi tecendo directa ou indirectamente em
Angola, em todas as transversalidades dessa implicação, simultânea à formatação
do processo histórico português do após 25 de Novembro de 1975 e sua influência
sincronicamente cada vez mais palpável em Angola!
O processo da neo-assimilação das
elites angolanas, tem tudo a ver com o antecedente histórico secular
dasassimilações na escravatura e no colonialismo (reportando-se até a algumas
das mesmas famílias de Luanda) e é só possível por via da reinterpretação de
correntes ultraconservadoras que, integrando a tecelagem da globalização
neoliberal na direcção de Angola, ganharam também capacidade de moldagem em
Lisboa, com a utilização do “spinolismo” que é também uma referência
ideológica e prática do “Le Cercle”, do “Bilderberg” e do “Clube
1001”, com todas as suas linhas de ingerência, de manipulação e de influência
transcontinentais!...
25 de Novembro de 1975?... são
precisamente assim coisas de “Portugal e o futuro”!
Martinho Júnior -- Luanda, 25de Novebro de 2019
Imagem:
Segundo o Jornal de Angola
de 25 de Novembro de 2019 (rótulo que acompanha a foto): “General Ramalho
Eanes (à esquerda) teve grande influência no grupo de militares moderados que
evitou uma guerra civil”; não percam o texto do JA que acompanha a foto sobre
a “dramática aventura”, aqui: http://jornaldeangola.sapo.ao/mundo/25-de-novembro-a-dramatica-aventura-que-ditou-o-fim-da-revolucao-em-portugal
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