segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Portugal | 25 de Novembro de 1975: Moderação da NATO imposta aos portugueses


Martinho Júnior, Luanda 

A noção contemporânea de liberdade não é relativa, muito menos moderada, a noção de liberdade não passa no crivo da rarefacção de democracia de que se alimenta a própria NATO, devoradora até da vontade institucional dos povos!...

Perante tal rarefacção, nem a representatividade democrática subsiste e qualquer participação ou protagonismo, ainda que procure seguir o rumo da lógica com sentido de vida, torna-se um “produto tóxico” que a aristocracia financeira mundial exclui deliberadamente, intragável para o processo em curso de domínio do império da hegemonia unipolar!

Está a ser assim paulatinamente no Google, no Facebook, ou no Twitter, para citar três exemplos de fermentação progressiva de censura!

01- De “mercado” em “mercado”, de consumismo em consumismo, a busca irracional do lucro, cada vez mais lucro ainda que seja lucro alcançado por via da especulação financeira, está inexoravelmente a esgotar os recursos da Terra e paulatinamente a azotar os povos e a asfixiar a própria natureza, cada vez mais ávida de água e de oxigénio!...

A degradação ambiental está intimamente associada ao processo de concentração de riqueza e de poder em cada vez menos mãos no âmbito da poderosa aristocracia financeira mundial que se capacitou para os expedientes de domínio e usa a dialética para seu próprio proveito, o proveito de 1% sobre o resto da humanidade!

Nação alguma, país algum, estado algum, povo algum escapa a esse poder concentracionário, mesmo que as economias locais, regionais e até continentais alcancem uma importante capacidade de diversificação, por que as tecnologias fluem a partir dos processos dominantes e só a partir deles, garantindo por via de processos sofisticados de “soft power” e duma assentada, as dependências, as ingerências e as manipulações, explorando a vocação irracionalmente consumista do homem!

A democracia nestes termos é simultaneamente uma ilusão, uma alienação e um processo filtrado de fomento ideológico que abre espaços à inércia dum conservadorismo de séculos que exaustivamente se alimentam as religiões e seus artificiosos ambientes socioculturais e sociopolíticos!


02- Portugal, que os portugueses se desprendam das ilusões e das alienações, nem com o 25 de Abril de 1974 conseguiu escapar à malha que a globalização tece e a prova mais evidente é a de que, definitivamente, o 25 de Novembro de 1975 garantiu a prisão drástica do “jardim à beira-mar plantado” à NATO, de que isoladamente é muito difícil algum país europeu conseguir-se escapar!

A tolerância que a NATO teve para com o fascismo e o colonialismo português, a ponto de garantir um prolongado estertor do império colonial lusitano que resistiu treze anos em guerra contra o movimento de libertação em África após séculos de domínio escravocrata, é a tolerância implicada com a utilização e nas suas próprias “redes stay behind”, cuja superestrutura ideológica assenta no ultraconservadorismo (fundamentalista e radical) do cristianismo apregoado de “democrático” e cuja infraestrutura assenta no “lobby” dos minerais, da energia e do armamento, que continua a dar vigor aos Estados Unidos e à Europa, à custa das nações, estados e povos que compõem a Tricontinental!

O hiato entre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975 em Portugal, só foi possível por que esse curto período de pouco mais de um ano existiu a cavalo num inquinado histórico de descolonização, em que foi impossível fazerem-se parar as ingerências e as manipulações por parte das grandes potências, em especial as que integravam o império da hegemonia unipolar e a NATO, nos contenciosos de autodeterminação e liberdade africana!

Assim, só imediatamente após o 11 de Novembro de 1975 am Angola (Angola que foi a última colónia que travou luta armada de libertação a ganhar a independência), passaram a haver condições objectivas e subjectivas para em Portugal a NATO finalmente “moderar” sobre brasas, as brasas a que não estão alheias as acções de sabotagem que se assistiram durante o penoso “verão quente” português sucedâneo do 11 de Março de 1975!

O golpe do 25 de Novembro de 1975 em Portugal, deu sequência ao “ariete” declaradamente anticomunista e antidemocrático do 11 de Março de 1975!...

O general António Spínola e seus instrumentalizados seguidores, que levaram a cabo a campanha do “verão quente” em Portugal saíram derrotados “no terreno”, mas a NATO conseguiu entre a tese derivada do “Le Cercle” e a antítese do PREC, realizar a síntese de feição, repescando a nata política e militar de sua velha aderência, apta a moldar os processos democráticos de sua inteira conveniência e indo buscar a “referência” do “spinolismo” a fim de reforçar o quadro ideológico e político a que ficou moldado o processo histórico português do “Arco da Governação” e mais recentemente da própria “Geringonça”!...

A “democracia à portuguesa” do após 25 de Novembro de 1975 só existe graças aos expedientes de inteligência arquitectados por via da hegemonia unipolar, movendo detectáveis actores como o Departamento de Estado e o Pentágono dos Estados Unidos, assim como a NATO e a própria União Europeia na Europa e na sua expressão no Mundo!

03- É claro que essa fluência se tornou importante por que “Arco de Governação” e “Geringonça” se tornaram indispensáveis enquanto “correias de transmissão”, para o quadro de ingerências que a globalização do império da hegemonia unipolar desde o fim da IIª Guerra Mundial tece em África e sobretudo na direcção de Angola, África Central e Austral!

O projecto neoliberal de gerar uma elite dócil em todos os componentes da África Central e Austral, passa pelas “osmoses” de Londres, Paris, Bruxelas (duplamente enquanto reino e sede da União Europeia) e Lisboa, elas próprias também capitais de potências coloniais agora implicadas na formatação dos conceitos que levaram o Pentágono à decisão do AFRICOM...

Só uma Lisboa vivenciada num golpe como o de 25 de Novembro de 1975 estaria preparada para uma tal “experiência” extra continental no flanco sul da NATO e o neoliberalismo, se antes se obrigou ao choque em Angola (entre 31 de Maio de 1991 e o 4 de Abril de 2002), ganhou o espaço africano com a sua terapia de 4 de Abril de 2002 aos nossos dias, uma terapia que passa pela avassaladora assimilação das elites angolanas ao próprio histórico redundantemente inspirado nesse golpe em Portugal!

4- O “pensamento estratégico de Agostinho Neto” (parafraseando o Comandante Iko Carreira), ao não se limitar à concretização do Programa Mínimo do MPLA, foi um obstáculo à capacidade do “Arco de Governação” enquanto “correia de transmissão” da globalização neoliberal tecida pela aristocracia financeira mundial contra Angola, por que impôs coerentemente a luta contra o “apartheid” como um alongamento da luta armada de libertação nacional em África!

Essa coerência animou-se ainda de lógica com sentido de vida e segurança vital, fielmente interpretadas sobretudo pelas componentes libertárias na África Central e Austral, assim como pela Revolução Cubana no cerne do Não Alinhamento activo de então!

A leitura da sucessão de esforços libertários nas Caraíbas, na América Latina e em África, tenho eu próprio vindo a fazer, por que é a leitura vivenciada com os olhos e as perspectivas do sul a que eu próprio me obrigo, o sul que não para de se mover teluricamente em busca de sua tão legítima aspiração à autodeterminação e liberdade!

Sensibilidades importantes do “Arco de Governação”, devido à sua fidelidade canina à tecelagem da globalização neoliberal (entenda-se os 9 sublevados do golpe do 25 de Novembro de 1975, bem como vários clãs sociopolíticos portugueses como os de Mário Soares ou de Cavaco Silva), foram chocando contra ou tentando subverter a República Popular de Angola enquanto ela existiu (confirmo-o por que fui além do mais Chefe do Sector NATO do Departamento de Estrangeiros da Contra Inteligência da Segurança do Estado de Angola)… para depois se irem adequando, no seguimento do 31 de Maio de 1991 em Bicesse!...

O Presidente José Eduardo dos Santos teve muitas dificuldades a nível interno e externo para se sobrepor ao “pensamento estratégico de António Agostinho Neto”, tornando-se num dirigente “pragmático” face a tão fortes pressões conjunturais internacionais!

A moldagem “cristã-democrática” (em termos ideológicos) da Segurança do Estado de Angola (não esquecer onpesoda influência dos parâmetros ideológicos do “Le Cercle” e suas “redes stay behind”), teve de vencer resistências que eram componentes vitais do rumo protagonizado pelo próprio Presidente Neto e seus fiéis seguidores, com um clímax em 1986 antecipando Cuito Cuanavale, o fim do “apartheid”, as independências do Zimbabwe e da Namíbia, a democracia representativa na base de 1 homem = 1 voto na África do Sul e o 31 de Maio de 1991 em Bicesse, quando em remate final se pôs termo às Forças Armadas Populares de Libertação de Angola, FAPLA!

A trajectória do general António José Maria, que foi por isso tanto tempo o Chefe da Contra Inteligência Militar em Angola, é identificável por dentro dos instrumentos de poder do estado angolano, como um elemento “estratégico” da linha de conduta “cristã-democrática” de que se foi alimentando a moldagem do carácter do exercício de décadas do Presidente José Eduardo dos Santos, com direito a foto nos “Jogos Africanos” da autoria do assumido homem do “Le Cercle”, conspirador da racista FRA (“Frente de Resistência Angolana”, efemeramente criada em Luanda em 1975), assessor de Savimbi e Dlakhama, que dá pelo nome de Jaime Nogueira Pinto!

Em Março de 1986 eu e meus camaradas que instruíram o processo 105/83 contra traficantes de diamantes que em 1983 delapidavam a economia de Angola, fomos detidos, julgados e condenados a prisões maiores (no meu caso de 16 anos), por “golpe de estado sem efusão de sangue”, ou seja, perdendo-se na luta intestina face às sementes de neoliberalismo que então se começaram “pragmaticamente” a deitar no chão de Angola na própria direcção do estado angolano, abrindo-se caminho ao longo e “indigestivo” processo da corrupção resultante das ingerências e manipulações externas desde então!

O Presidente José Eduardo dos Santos não foi signatário da Proclamação das FAPLA a 1 de Agosto de 1974 e o seu “proverbial pragmatismo” ia-se moldando irremediável e paulatinamente ao que a globalização foi tecendo directa ou indirectamente em Angola, em todas as transversalidades dessa implicação, simultânea à formatação do processo histórico português do após 25 de Novembro de 1975 e sua influência sincronicamente cada vez mais palpável em Angola!

O processo da neo-assimilação das elites angolanas, tem tudo a ver com o antecedente histórico secular dasassimilações na escravatura e no colonialismo (reportando-se até a algumas das mesmas famílias de Luanda) e é só possível por via da reinterpretação de correntes ultraconservadoras que, integrando a tecelagem da globalização neoliberal na direcção de Angola, ganharam também capacidade de moldagem em Lisboa, com a utilização do “spinolismo” que é também uma referência ideológica e prática do “Le Cercle”, do “Bilderberg” e do “Clube 1001”, com todas as suas linhas de ingerência, de manipulação e de influência transcontinentais!...

25 de Novembro de 1975?... são precisamente assim coisas de “Portugal e o futuro”!

Martinho Júnior -- Luanda, 25de Novebro de 2019

Imagem:
Segundo o Jornal de Angola de 25 de Novembro de 2019 (rótulo que acompanha a foto): “General Ramalho Eanes (à esquerda) teve grande influência no grupo de militares moderados que evitou uma guerra civil”; não percam o texto do JA que acompanha a foto sobre a “dramática aventura”, aqui: http://jornaldeangola.sapo.ao/mundo/25-de-novembro-a-dramatica-aventura-que-ditou-o-fim-da-revolucao-em-portugal

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