sexta-feira, 1 de novembro de 2019

REINTERPRETAR O MOVIMENTO DE LIBERTAÇÃO EM ÁFRICA – IV



SUBSÍDIOS EM SAUDAÇÃO AO 11 DE NOVEMBRO DE 2019

Uma das maiores deficiências de que sofrem os africanos duma forma geral e os angolanos em particular, é a ausência de reflexão própria sobre os fenómenos antropológicos e históricos afectos ao seu espaço físico, geográfico e ambiental.

Essa falta de vontade e de perspectiva abre espaço ao conhecimento que chega de fora, em prejuízo do conhecimento que tem oportunidade de florescer dentro, ou seja: subvaloriza o campo experimental próprio, quantas vezes para sobrevalorizar as teorias injectadas do exterior!

Isso permite que outros não abram o jogo sobre essas interpretações dialéticas em função de seus interesses, manipulações e ingerências, aplicando a África, por tabela a Angola, as interpretações estruturalistas de feição, de conveniência e de assimilação!


Esta série pretende reabrir dossiers que do passado iluminam o longo caminho da libertação dos povos da América Latina e Caribe, de África e por tabela de Angola, sabendo que é apenas um pequeno contributo para o muito que nesse sentido há que digna e corajosamente fazer!

Abrir os links permite complementar com fundamentos, muitas das (re)interpretações do autor.



13- O movimento de libertação em África correspondia aos mais legítimos anseios de liberdade dos povos sujeitos ao colonialismo e ao seu inalienável direito à autodeterminação e independência, pelo que a luta armada era ética e moralmente justa, nos casos em que as potências coloniais se mostrassem avessas à aplicação desses direitos fundamentais. (http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Bem-estar-Paz-Progresso-e-Desenvolvimento-do-Social/declaracao-sobre-a-concessao-da-independencia-aos-paises-e-povos-coloniais.html).

A luta armada contra o colonialismo português e o “apartheid” (contra a internacional fascista na África Central e Austral), era portanto justa, pois a libertação da opressão correspondia ao direito fundamental à vida, à vida em independência de países e povos que continuavam a ser subtilmente escravizados, colonizados ou subjugados por regimes retrógrados e renitentes como o de Salazar e Caetano, que impediam as vias da paz, do progresso e do respeito entre todas as nações, estados e povos da Terra, assim como do respeito devido à própria Mãe Terra. (https://journals.openedition.org/cea/2505?lang=en).

Desde o berço, desde Catete e por conseguinte muito próximo de Luanda, que a visão messiânica da libertação animou a vida de António Agostinho Neto, contemporâneo do religioso Simão Toco… (http://jornalcultura.sapo.ao/historia/katete-terra-de-liberdade).

Quando assumiu em Léopoldville a Presidência do Comité Director do MPLA, António Agostinho Neto começou a aplicar ao caso angolano (e mais tarde ao caso sul-africano), as medidas de lógica com sentido de vida, que conduziam a autênticos resgates de vida, na construção da segurança vital de toda a imensa região da África Austral e Central. (http://jornalcultura.sapo.ao/eco-de-angola/agostinho-neto-e-a-libertacao-de-angola-das-sombras-a-luzhttps://www.club-k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=25633&catid=17&Itemid=1067&lang=pt).

Arrancar do longo sono colonial e para a vida o povo angolano e os povos da África Central e Austral, determinava nas condições e conjunturas do colonialismo português conjugadas com as conjunturas do “apartheid” e outras tendências coloniais e neocoloniais, uma luta armada sem tréguas e a procurar sempre, resolutamente, a intensidade e o vigor que a conduzissem à vitória. (http://jornaldeangola.sapo.ao/entrevista/portugal_deixou_a_pide_colaborar_com_apartheid).

Essa indómita vontade e a esperança em relação ao futuro, ao forjar uma mística, ao procurar unidade e coesão na acção, por vezes chegava a esquecer outras correntes que duma forma ou de outra (inclusive em função da inteligência da internacional fascista, ávida de infiltrar o movimento de libertação em África – http://forum.autohoje.com/showthread.php?t=41940&page=3&p=1817452#post1817452), se instalaram no MPLA, esperando pacientemente a hora de sua “eclosão do ovo”!

António Agostinho Neto no exterior procurou sempre, por conseguinte, a unidade a coesão da frente contra o colonialismo e o “apartheid”, procurou sempre e um pouco por todo o mundo e numa pertinaz via diplomática, ampliar os apoios ao movimento de libertação em África, de forma a isolar os regimes retrógrados de bárbara vocação e com isso dar primazia às acções internas em prol da libertação, numa geoestratégia apontada à capital do país, Luanda, onde aliás o MPLA mobilizava clandestinamente numa escala nacionalista moderna, sem réplica e sem precedentes. (https://journals.openedition.org/ras/543https://club-k.net/index.php?option=com_content&view=article&id=5297:memoria-ha-41-anos-um-aviao-da-dta-era-desviado-para-o-congo-brazaville&catid=23&Itemid=123&lang=pt).

Lembra Iko Carreira (“O Pensamento Estratégico de Agostinho Neto”, página 57  - http://livrosultramarguerracolonial.blogspot.com/2013/08/angola-o-pensamento-estrategico-de.html) que “Neto nunca pôs em causa o princípio da luta armada dos povos das colónias portuguesas, como a única alternativa para a conquista da independência e do poder.

Quando Neto assumiu a Presidência, já o MPLA estava engajado na luta armada, que ele não fez senão mais do que reorganizar e activar”.

A 5 de Dezembro de 1960, antes mesmo de António Agostinho Neto assumir a Presidência do Comité Director, já a decisão sobre a luta armada era irrevogável (http://casacomum.org/cc/arquivos?set=e_3997/n_100http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=04334.004.003).

Atingir a região próxima de Luanda onde era possível a instalação de santuários da guerrilha e da clandestinidade (1ª Região Político Militar – http://m.mpla.ao/imprensa/noticias/bengo-exaltacao-do-papel-da-entao-1%252525c2%252525aa-regiao-politico-militar-do-mpla) e a partir dela aumentar a intensidade da luta na capital até à consumação da independência, passou a ser fundamental; todavia esse plano foi sendo obstruído por factores humanos e físico-geográficos desde que nasceu (http://jornalcultura.sapo.ao/historia/o-comandante-a-guerrilha-e-a-formacao-do-exercito/fotos).

A 1ª Região Político Militar (https://www.facebook.com/permalink.php?id=609870702499297&story_fbid=1188720054614356) que se estendia em áreas de produção de café (o 1º produto de exportação em função dos interesses colonialistas portugueses – http://jornaldeangola.sapo.ao/reportagem/passado_colonial_na_voz_dos_mais_velhos), desde que o colonialismo se atiçou contra o movimento de libertação em África (MPLA no que a Angola diz respeito), que passou a ser um alvo de 1ª grandeza, com o objectivo de a neutralizar por via de todos os meios ao alcance dos instrumentos de poder do estado fascista português…

O colonialismo semeou nela ventos de ocupação territorial, de “contra subversão” e de “acção psicológica” intensiva, para depois procurar colher tempestades, (como o 27 de Maio de 1977), três anos depois do 25 de Abril de 1974 e já com o “arco de governação” (inspirado no “spinolismo” próprio de “Portugal e o futuro”), instalado a partir do golpe oportunista do 25 de Novembro de 1975 em Portugal, um golpe indexado aos interesses da NATO e da submissa oligarquia portuguesa… o 27 de Maio de 1977, ocorreu a apenas ano e meio depois desse golpe!... (https://www.facebook.com/groups/MPLA.Angola/permalink/424533887577374/).

A 2ª Região Político Militar, tendo em conta as obstruções de cariz neocolonial e etno-nacionalistas, para esse efeito, passou a ser o laboratório das primeiras guerrilhas do MPLA.

Quando os caminhos para a 1ª Região Político Militar e para a capital se tornaram, devido aos obstáculos humanos e físico-geográficos, quase impraticáveis, o MPLA fez tudo por abrir a Frente Leste, dando um novo impulso geoestratégico à luta.


14- O movimento de libertação em África para levar a cabo a sua luta armada, teve de enfrentar uma enorme frente retrógrada, pois o imperialismo queria sujeitar aos seus interesses e conveniências a independência das colónias portuguesas e das imensas regiões circum-adjacentes. (http://paginaglobal.blogspot.com/p/blog-page.html).

Desse modo, através de processos de inteligência e de práticas em consonância, quer o colonialismo português, quer o “apartheid”, sabiam que na África Central e Austral, era sobretudo o MPLA a organização a abater e, em estreita consonância com regimes vassalos agenciados pelo modelo estado-unidense, conjugando esforços até com as redes “stay behind” indexadas à NATO, tudo fizeram para levar a cabo o que consideravam como sua obrigação, sob o deliberado rótulo ideológico do anticomunismo.

De entre os patriotas angolanos que melhor interpretaram os sinais de então, decifrando o inimigo e um dos primeiros artífices da lógica com sentido de vida do próprio movimento de libertação em África, esteve o médico vanguardista Américo Boavida, autor de “Angola, cinco séculos de exploração portuguesa”, merecedor destas palavras de outro seu contemporâneo e também patriota, Carlos Rocha Dilolwa, no prefácio do livro de sua autoria, da edição da União dos Escritores Angolanos (https://narrativaobvia.pt/loja/livros-de-historia-e-cultura/angola-cinco-seculos-exploracao-portuguesa/;  https://books.google.co.ao/books/about/Angola.html?id=HAJmewAACAAJ&redir_esc=y):

“Em 1960, para se furtar às pressões políticas que sobre ele exerciam as autoridades coloniais que queriam transformar um dos poucos doutores pretos numa das peças do reformismo colonial que se esboçava já, o Dr. Américo Boavida, acompanhado de sua esposa, abandona Angola e uma vida materialmente vantajosa, para se refugiar primeiro na Guiné Conacry e depois na então República do Congo-Léopoldville, ingressando imediatamente nas fileiras nacionalistas do MPLA.

Porque as condições de trabalho político eram extremamente difíceis sob o governo de Adoula, o MPLA decidiu promover a criação de uma organização formalmente filantrópica, o Corpo Voluntário Angolano de Assistência aos Refugiados (CVAAR), que teve como primeiro Presidente o Dr Américo Boavida.

O CVAAR apresentava duas vantagens inestimáveis – primeiro, podia, mais facilmente que o MPLA, receber ajuda humanitária de todas as partes do mundo; em segundo lugar, tinha mais fácil acesso às zonas fronteiriças com Angola que os organismos do Movimento, o que aliás permitiu que o MPLA utilizasse muitas vezes os veículos do CVAAR para, no meio dos medicamentos, roupas e alimentos, camuflar algumas armas que iam servir a Primeira Região.

Porém em 1963, o imperialismo americano, que queria a todo o preço impor o seu fantoche Holden Roberto chefiando os recém-formados FNLA e GRAE (governo revolucionário de Angola no exílio), provocou uma grave crise no seio do MPLA, agudizando com o chamado MPLA-Viriato.

O governo de Adoula aproveitou-se da situação para expulsar o MPLA do seu território, seguindo-se, pouco tempo depois, a retirada do reconhecimento do MPLA por parte da OUA, cujos representantes tinham na sua quase totalidade – com excepções honrosas da Guiné-Conacry, do Gana e do Congo-Brazzaville – aderido à estratégia americana.

Foi então que Américo Boavida desfaleceu e se retirou para Marrocos, onde durante dois anos exerceu a função de médico em Rabat, não deixando no entanto de seguir a vida política angolana e de se comportar como nacionalista acctivo, como bem prova a publicação deste livro.

Entretanto em 1964/1965 fez um novo estágio de cirurgia obstrética na cidade de Praga.

Em 1966 Américo Boavida retorna à actividade integral no seio do Movimento, sendo destacado para a Frente Leste, aberta nesse ano, na qualidade de Director do SAM (Serviço de Assistência Médica).

Era o primeiro médico angolano a chegar à Frente Leste.

Instalado sucessivamente nas bases Mandume I e Mandume II, ambas situadas na área de Lumbala-Lukusse (a chamada zona A da 3ª Região que se estendia até aos limites da Lunda, a 4ª Região, Américo Boavida desenvolveu uma intensa e notável actividade de homem, militante e médico”…

É com este tipo de capacidades que o movimento de libertação em África melhor poderia integrar, na sua própria essência, a lógica com sentido de vida e os parâmetros de sua própria segurança vital e funcional!

Constate-se como emergiu esse rumo do movimento de libertação em África, na Guiné-Bissau (http://www.paigc.net/historia.html)... ou em Moçambique… (http://opais.sapo.mz/chipande-partilha-memorias-da-luta-armada-em-livro).

A segurança vital era assim aplicável a cada ser humano mobilizado pela libertação, às comunidades que viviam essa experiência e, pouco a pouco, a toda a sociedade angolana, permitindo transversalidades integrando densos processos interdisciplinares de luta, de conhecimento e de práticas, abrangentes ou específicos, com os olhos postos nos objectivos da autodeterminação e independência, assim como no futuro exercício da soberania de forma a poder-se finalmente lutar contra o subdesenvolvimento!


15- Conhecer o inimigo para além da própria experiência de assumir a contradição da luta armada, com todos os riscos que isso implicava quer no exterior, quer no interior, contra o fascismo, o colonialismo, o “apartheid” e suas sequelas num ambiente propenso ao neocolonialismo, era extremamente sensível para o movimento de libertação em África que foi ganhando substantiva expressão pan-africana conforme o atesta a “Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas”, CONCP, fundada a 18 de Abril de 1961. (https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2013/09/a-concp-a-solidariedade-entre-irm%C3%A3os.htmlhttp://casacomum.org/cc/arquivos?set=e_3997/p_2https://sites.google.com/site/tchiweka/Home/50-anos/cronologia).

No Volume III de “Um amplo movimento” (já antes citado), entre as páginas 101 e 115, é apresentado um “Relatório ao Departamento de Segurança do MPLA”, datado de Março de 1963.

“Esse relatório foi enviado via J. B. Rabat, a 15 de Março de 1963” e “ao original foram acrescentadas novas informações entretanto sugeridas”…

O seu sumário refere-se à organização da “Frente Unida de Angola”, (FUA), à “nova estratégia militar do Exército Português” e à estratégia de guerra da diplomacia salazarista”, mas oferece muitos detalhes que revelam avanços no conhecimento que possibilitavam um maior discernimento sobre o inimigo e como realizar a luta armada a fim de, procurando atingir a 1ª Região Política Militar, se reforçar a luta clandestina em Luanda.

Devo dizer que já naquela altura elementos de conhecimento desse relatório, como a “OAS” (Organização do Exército Secreto – https://en.wikipedia.org/wiki/Yves_Gu%C3%A9rin-S%C3%A9rac), o “Pacto Ibérico” (http://ultramar.terraweb.biz/06livros_MariaJoseTiscar.htmhttps://www.dn.pt/artes/interior/bem-estamos-tramados-respondeu-spinola-ao-saber-do-assassinio-de-amilcar-cabral-8869019.htmlhttp://paginaglobal.blogspot.com/2018/01/portugal-palop-as-manobras-politicas-da.html), a “Entente Africaine” (http://www.irishtimes.com/news/world/europe/a-military-alliance-between-portugal-and-african-states-that-few-knew-about-1.1772940http://jornaldeangola.sapo.ao/entrevista/portugal_deixou_a_pide_colaborar_com_apartheid;  http://luizchinguar.blogspot.com/2018/09/) e Francisco Strauss (https://wikispooks.com/wiki/Franz_Josef_Strau%C3%9F), tendo que ver com a internacional fascista, eram elementos de enlace que constam no papel do “Le Cercle” (https://wikispooks.com/wiki/Le_Cercle), da PIDE/DGS (http://www.dw.com/pt-002/as-manobras-pol%C3%ADticas-da-pide-no-xadrez-africano/a-42113292), da Aginter Press (http://www.searanova.publ.pt/pt/1715/dossier/122/), assim como do “Exercício Alcora” (série – http://paginaglobal.blogspot.com/2017/04/portugal-sombra-de-ambiguidades-ainda.html) a que várias vezes me tenho reportado nos últimos anos, o que dá ideia do nível de pesquisa dessa síntese-analítica, que chega a citar algumas das suas fontes públicas!

A superestrutura ideológica garantida pelos democratas-cristãos ultraconservadores do “Le Cercle”, influenciou por via de suas próprias “redes stay behind” ao serviço da NATO, o fornecimento de armamento francês e alemão ao regime de Salazar e Caetano, para fazer a guerra em defesa do colonialismo e do “apartheid”, contra o movimento de libertação em África e é também a isso que se refere o Relatório!

A tendência para indexar a luta de libertação à “Guerra Fria” provém desse tipo de contenciosos!

Já nessa altura a segurança vital do movimento de libertação em África discernia, apesar do fragor da batalha que a todos mobilizava, sobre o “Le Cercle” e seus actores (https://isgp-studies.com/le-cercle-membership-listhttp://fr.wikipedia.org/wiki/Franz_Josef_Strau%C3%9F), ou sobre a actuação das “redes stay behind” da NATO, em apoio de Portugal fascista e colonialista, assim como em apoio do “apartheid”, sob o alegado pretexto de estarem a combater o alastramento do comunismo!... (http://www.voltairenet.org/article170116.htmlhttp://operation-gladio.net/fr/aginter-presse-les-mercenaires-de-l%C2%ABordre-nouveau%C2%BB-par-fr%C3%A9d%C3%A9ric-laurenthttps://www.revistamilitar.pt/artigo/1352)!

Se compararmos os cuidados que se tinham então, no início da luta armada, contra subtis inimigos integrantes do “Le Cercle”, que tanto tinham a ver com o apoio ao fascismo e colonialismo de Salazar e Caetano, assim como com o apoio ao “apartheid” (https://wikispooks.com/wiki/Charles_Alan_%27Pop%27_Fraser), com a abstinência de hoje face a essa mesma tipologia de riscos com a esfarrapada desculpa de serem novas as conjunturas, pode-se avaliar quão hoje Angola está vulnerável a “Jogos Africanos” ensujeita a todo o tipo de degradações!... (http://ou-quatro-coisas.blogspot.com/2008/11/jogos-africanos.htmlhttp://www.publico.pt/sociedade/noticia/as-vidas-de-altissimo-risco-dos-nogueira-pinto-1460418).

O plano de ocupação colonial do norte de Angola, numa conjugada contenção impedindo a progressão da guerrilha do movimento de libertação, é também motivo de coerente abordagem nesse Relatório:

“A nova táctica concebida pelo exército português consiste em isolar o Norte de Angola por uma zona de Kibuzes, pretendendo realizar assim a defesa da única frente de batalha importante e ao mesmo tempo assegurando a economia de uma zona vital.

Este plano, concebido a princípio nos moldes dos planos americanos no Vietname na luta contra as guerrilhas comunistas, teve o seu êxito contrariado por falta de eficiência e de meios do inimigo, para um território tão vasto..

Com as sanzalas das zonas estratégicas têm sido progressivamente eliminadas, o esforço de enquadramento das populações deve ser dirigido para os centros de reagrupamento e para as zonas dos refugiados do mato.

Isto impõe uma nova táctica por parte das forças nacionalistas porque a infiltração nas roças deve ser difícil.

Fica assim aberto caminho para um reforço das nossas forças nas zonas não ocupadas pelos Kibuzes, que terá por conclusão a conquista de território e a evolução da luta no sentido de guerra em campo aberto, única que parece eficaz contra os kibuzes.

Isso entretanto impõe a solução dos problemas logísticos de comunicações e abastecimentos”…

Os que assumiam lógica com sentido de vida, assumiam também a segurança vital e funcional dentro e fora do espaço nacional e, partindo para o interior, na direcção da 1ª Região Político Militar e Luanda, começavam a avaliar os enormes obstáculos e riscos, humanos e físico-geográficos, que tinham de enfrentar desde as bases no exterior, no Congo!

O inventário sobre o cômputo das forças do inimigo “no terreno” era insuficiente, mas estava-se a fazer paulatinamente; o inventário sobre o ambiente físico-geográfico-hidrográfico, estava em grande parte por fazer, havendo um sem número de improvisos nefastos a ultrapassar!

A tentativa para se alcançar a 1ª Região Política Militar, correspondendo ao como levar a cavo as missões “no interior”, haveria de ser bastante traumática, com largas repercussões nas fileiras da luta armada do movimento de libertação, mas daria azo à experiência da abertura da Frente Leste porque à frente do MPLA se faria tudo para se alcançar a vitória!… (http://jornaldeangola.sapo.ao/politica/aconteceu_ha_40_anos-_cronologia_de_acontecimentos_da_independencia_nacional_2).

Como chegar a Luanda, para assumir autodeterminação, independência e dar início ao exercício justo da soberania foi, para António Agostinho Neto, sempre a questão… e para tal tanto havia ainda que duramente aprender e reaprender, para mais rapidamente vencer! (https://www.buala.org/pt/a-ler/a-vitoria-e-certa-apontamentos-para-a-historia-do-mpla).

16- Como chegar à 1ª Região Político Militar, como chegar a Luanda, dando corpo ao rumo por via dos passos duma luta armada, os passos do Programa Mínimo do MPLA?

Esse foi o maior desafio que se colocava então ao guia “no interior”, desde que assumiu a Presidência do Comité Director do MPLA!... (http://jornalcultura.sapo.ao/eco-de-angola/o-seculo-de-agostinho-neto).

Iko Carreira diria mesmo (“O Pensamento Estratégico de Agostinho Neto”, página 81):

“Podia parecer mais uma obsessão de Agostinho Neto.

Com efeito, Neto referia-se sempre à mártir 1ª Região, ao seu heroico combate às portas da capital e em especial, por ela lutar em nome do MPLA.

No Norte de Luanda, a maior parte dos grupos que lutavam pela independência faziam-no em nome da UPA.

E era à sua sede, em Léopoldville, que esses grupos iam buscar as armas e munições.

Depois de 1964, esses grupos, práticos, espontâneos e verdadeiramente necessitados e cujos carregadores tinham, na sua maioria, deixado as famílias nos maquis, tendo passado a receber pouco ou nada nas residências da UPA, começaram a habituar-se a ir às casas do MPLA, onde encontravam, não só um pouco do que lhes faltava, mas boa compreensão sobre alguns dos seus problemas.

Os dispensários do CVAAR eram peças chave nas decisões do MPLA de abastecer os grupos que faziam o vai e vem de Angola para o Congo Democrático – hoje Zaire.

Mas o maior abastecimento era sempre feito em Léopoldville, hoje Kinshasa.

O MPLA foi assim ganhando muita gente proveniente do norte, de etnia kikongo.

Neto queria a todo o custo reforçar em gente e material a 1ª Região.

Não era bem qualquer parte da 1ª Região.

Eram os Dembos e Nambuangongo, áreas que estavam, aparentemente, sob controlo do MPLA.

E porquê estas duas áreas?

Porque eram áreas kimbundu, que a história recente diz que estavam sob hegemonia kikongo?

Não!

A razão fundamental é que eram áreas muito próximas da capital, Luanda”…

Foi precisamente essa a percepção das autoridades coloniais e isso está demonstrado na planificação geoestratégica fascista e colonial para Angola, decorrente do “para Angola, rapidamente e em força”, de António Oliveira Salazar (https://books.google.co.ao/books?id=ZUBp54PXDZEC&pg=PT7&lpg=PT7&dq=SCCIA,+servi%C3%A7os+centralizados&source=bl&ots=vh67X8toSr&sig=ACfU3U3c-efMEZIGYcAtj9a-qRPbzzaZBg&hl=pt-PT&sa=X&ved=2ahUKEwjg8f288MPlAhW7QUEAHW1bBcsQ6AEwBHoECAkQAQ#v=onepage&q=SCCIA%2C%20servi%C3%A7os%20centralizados&f=false), podendo-se constar em muitas outras fontes, por exemplo na “Resenha histórico-militar das campanhas de África, 1961-1974” do Estado-Maior do Exército, Comissão para o Estudo das Campanhas de África… (http://memoria-africa.ua.pt/Catalog.aspx?q=TI%20resenha%20historico-militar%20das%20campanhas%20de%20africa).

Desde 1961 que se adensou a malha político-administrativa colonial em todo o norte de Angola e sobretudo incidindo nos Dembos e Nambuangongo! (https://www.iberlibro.com/primera-edicion/RESENHA-HIST%C3%93RICO-MILITAR-CAMPANHAS-%C3%81FRICA-1961-1974-Maior/12130373829/bd).

Com esse adensamento se adensou também a presença da malha dos seguintes organismos e entidades:


. SCCIA (“Serviços de Centralização e Coordenação de Informações de Angola”), agregados aos dispositivos político-administrativos; (https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4311435http://www.dgsi.pt/bpjl.nsf/585dea57ef154656802569030064d624/11d8bc666624400d8025803c0050dd7c?OpenDocument);

. Forças Armadas Portuguesas com ocupação do território disseminando unidades de quadrícula (Batalhões, Companhias, Pelotões e Destacamentos menores, das várias armas) e dispondo sempre de capacidades de intervenção adstritas à planificação geoestratégica de intervenção militar (Comandos, Paraquedistas e Fuzileiros); (http://www.acascatadoslivros.com/index.php?page=shop.product_details&product_id=765&flypage=yagendoo_VaMazing_2.tpl&pop=0&option=com_virtuemart&Itemid=16;  http://ultramar.terraweb.biz/06livros_ClaudioMiguelHenriquesPires.htm);

. “Brigada Salazar”, instalada logo em 1961 nos Dembos, Quibaxe (em resultado de recrutamentos locais);

.Tropas Especiais, reforçando a quadrícula de ocupação do território (em resultado de recrutamentos locais, quase sempre numa base étnica;

. OPVDCA (“Organização Provincial de Voluntários da Defesa Civil de Angola), com destacamentos distribuídos pelas fazendas do norte de Angola e tendo como pontos de apoio os kibuze referidos no “Relatório ao Departamento de Segurança do MPLA”, datado de Março de 1963;

. Guarda Rural a partir de pequenos destacamentos instalados em fazendas e pequenas localidades;

. SIM (“Serviço de Informação Militar”), aproveitando as quadróculas do exército colonialista português;


. PSP (“Polícia de Segurança Pública”) nas localidades maiores;

. Redes de contra inteligência, formadas pelos colonos fazendeiros e pequenos comerciantes em toda a área de café “afectada”, todos eles com capacidades adicionais de ocupação do território e de penetração nas áreas da 1ª Região Político Militar do MPLA.

Esse esforço gigantesco cresceu enquanto durou a guerra (de 15 de Março de 1961 ao 25 de Abril de 1974), melhorou a capacidade de recolha de informação e penetração e esmerou-se quando mais refinadamente o colonialismo lançou a contra guerrilha segundo conceitos de guerra contra subversiva, administrada com reforçadas capacidades de acção psicológica!

Sendo um “alvo dilecto” do colonialismo português, a 1ªRegião Política Militar assistiu a um nível de penetração sem precedentes de agentes subversivos à doutrina do rumo do MPLA, subversiva à lógica com sentido de vida e aos parâmetros de segurança vital e funcional, mais que em qualquer outro lugar da internacional fascista em África!

Esse esforço correspondia por inteiro ao facto do norte (Distritos do então Congo e Cuanza Norte) possuir as maiores fazendas de produção de café em Angola, quando o café era o primeiro produto de exportação do território e a primeira fonte de divisas, indispensáveis para o concerto colonial, pois o principal comprador eram os Estados Unidos! (“Angola, cinco séculos de exploração portuguesa”, da autoria de Américo Boavida, páginas 87 e 88).

Assim sendo, muita coisa do contexto interno da 1ª Região Político Militar não foi suficientemente interpretada a seu tempo pela Direcção do MPLA e isso iria também reflectir-se nas conjunturas da fermentação do golpe de 27 de Maio de 1977, do próprio golpe e das campanhas de guerra psicológica que dura há mais de 40 anos contra Angola a partir do exterior, sobretudo de Portugal, explorando o tema em muitas de suas vertentes subjectivas e emocionais e procurando jamais dar espaço ao contraditório!

CONTINUA

Martinho Júnior -- Luanda, 30 de Outubro de 2019

IMAGENS:

01- Retrato de Agostinho Neto da autoria de Henrique Nogueira, ele próprio um militante da luta de libertação nacional – desenho a carvão sobre papel – o autor foi membro activo do MPLA e um dos fundadores da União dos Escritores de Angola e da União dos Artistas Plásticos de Angola – obras do acervo artístico da colecção ENSA, Seguros de Angola;

02- Regiões Militares do MPLA entre 1961 e 1974 – Volume I (de 1949 a 1960), de “Agostinho Neto e a libertação de Angola, 1949 a 1974, arquivos da PIDE/DGS”, página 479, Mapa 4;

03- Dispositivo Operacional de 31 de Dezembro de 1962, na Região Militar de Angola (Exército Português), mostrando a quadrícula de ocupação militar do norte de Angola, sem a bolsa de Nambuangongo-Dembos, alvo dum mapa à parte – 2º volume da “Resenha histórico-militar das campanhas de África (1961-1974), página 108, mapa 8;

04- Dispositivo Operacional de 31 de Dezembro de 1962, na Região Militar de Angola (Exército Português), mostrando a quadrícula da bolsa de Nambuangongo-Dembos, alvo dum mapa à parte – 2º volume da “Resenha histórico-militar das campanhas de África (1961-1974), página 108, mapa 9;

05- Dispositivo Operacional de 6 de Abril de 1974, na Região Militar de Angola (Exército Português), mostrando a quadrícula militar disposta em todo o Norte de Angola – 2º volume da “Resenha histórico-militar das campanhas de África (1961-1974), página 174, mapa 26.

TEXTOS ANTERIORES, DESTA MESMA SÉRIE:



“EM NAMBUANGONGO MEU AMOR”, POEMA VIVENCIAL DE MANUEL ALEGRE, NO CORAÇÃO DUMA 1ª REGIÃO POLÍTICA MILITAR DIACERADA PELA OCUPAÇÃO FASCISTA E COLONIAL, (http://www.manuelalegre.com/301000/1/000297,000014/index.htm):

"Nambuangongo meu amor"

08-03-2010

Em Nambuangongo tu não viste nada
não viste nada nesse dia longo longo
a cabeça cortada
e a flor bombardeada
não tu não viste nada em Nambuangongo.

Falavas de Hiroxima tu que nunca viste
em cada homem um morto que não morre.
Sim nós sabemos Hiroxima é triste
mas ouve em Nambuangongo existe
em cada homem um rio que não corre.

Em Nambuangongo o tempo cabe num minuto
em Nambuangongo a gente lembra a gente esquece
em Nambuangongo olhei a morte e fiquei nu. Tu
não sabes mas eu digo-te: dói muito.
Em Nambuangongo há gente que apodrece.

Em Nambuangongo a gente pensa que não volta
cada carta é um adeus em cada carta se morre
cada carta é um silêncio e uma revolta.
Em Lisboa na mesma isto é a vida corre.
E em Nambuangongo a gente pensa que não volta.

É justo que me fales de Hiroxima.
Porém tu nada sabes deste tempo longo longo
tempo exactamente em cima
do nosso tempo. Ai tempo onde a palavra vida rima
com a palavra morte em Nambuangongo.


Manuel Alegre
Praça da Canção, 1965

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