Martinho Júnior, Luanda
Em
saudação aos 60 anos do MPLA, aos 52 anos da passagem do Che por África e aos
43 anos do 25 de Abril… e assinalando os 50 anos do início do “Exercício
ALCORA”.
1-
O relacionamento de Portugal com África, sobretudo com Angola, pautou-se
sempre, ao longo dos últimos 50 anos, pela ambiguidade, uma prática constante a
que o 25 de Abril de 1974 não pôs fim e por que o 25 de Novembro de 1975 se
tornou determinante para tal não acontecer.
De
facto Portugal, ao se tornar um vassalo britânico num processo consentido com o
rótulo da mais longa aliança em vigor de há mais de 600 anos, tornou-se um
subproduto sócio-político e sócio-cultural da aliança anglo-lusa de 1373,
depois de passar por sucessivos crivos históricos, dos quais realço as invasões
napoleónicas na Península Ibérica (1807/1811) e a Conferência de Berlim
(1884/1885) com o traumatizante episódio do “Mapa
côr-de-rosa” (1890).
A
Revolução Industrial, que potenciou a construção do império britânico no
seguimento da derrota de Napoleão, avassalou Portugal que continuou como país
rural, meio feudal, tecnologicamente atrasado e dependente durante todo o
exercício fascista e colonialista do Estado Novo, algo que se haveria de tornar
decisivo para em Angola e Moçambique o colonialismo português se vir a tornar
vassalo (e subproduto não assumido, ou envergonhadamente assumido)
do “apartheid”, em função duma pujante África do Sul que para manter a
hegemonia era obrigada a irradiar influências capazes de defender o baluarte da
internacional fascista na África Austral, numa “articulação radial”,
conforme à geoestratégia delineada com o Exercício ALCORA.
A
ambiguidade histórica e sócio-política da aliança anglo-lusa traduzida numa
vassalagem de Portugal tornou possível, por via do Exercício ALCORA e por que
na África do Sul a Revolução Industrial se impôs no abrigo do império britânico
sob o génio de Cecil John Rhodes, assumir ainda a ambiguidade em relação aos
contextos da África Austral, algo que não seria só apanágio do Estado Novo e
teve continuidade por via de todos os governos que se sucederam ao 25 de
Novembro de 1975 em Lisboa, pois a entrada na União Europeia e a manutenção de
Portugal na NATO, continuou a debitar obrigações de vassalagem até aos nossos
dias, fazendo aproveitamento das condições conjunturais antropológicas,
históricas, económicas e financeiras que advêm do passado.
No
seu livro “ALCORA – O acordo secreto do colonialismo”, Aniceto Afonso e
Carlos de Matos Gomes, elespróprios historiadores militares e capitães do
Movimento das Forças Armadas, dão um contributo claro e inequívoco para se
perceber essa ambiguidade em relação ao “apartheid”, faltando-lhes apenas
as consultas aos arquivos das SADF e do “apartheid” para tornar ainda
mais substantivas as suas conclusões.
Dizem
eles com toda a propriedade no Capítulo Iº, “Portugal, África do Sul e
Rodésia”, em “Uma aliança a três Governos” (pag. 23):
“Segundo
a definição clássica nas escolas de Relações Internacionais anglo-saxónicas,
uma aliança é um acordo formal entre dois ou mais actores – normalmente Estados
– que colaboram untos em questões de segurança.
Ainda
por definição, uma aliança deve conter alguns acordos sobre a forma de
responder a acontecimentos particulares.
A
natureza das alianças também é normalmente entendida pela dimensão dos Estados
e das suas capacidades económicas e militares; assim, quanto maior e mais forte
for um dos Estados de uma aliança, maiores serão as probabilidades de ele
ocupar uma posição dominante na mesma (Evans & Newnham, The Penguin
Dictionary of International Relations, Londres, Penguin, 1999, pag. 37).
À
luz desta definção o Exercício ALCORA é uma verdadeira aliança embora,
porventura por razões de secretismo mantidas até hoje, nunca tenha sido
considerada como tal, mesmo pelos mais reputados institutos de estudos
estratégicos e pelos trabalhos académicos de algumas das universidades mais
prestigiadas e tradicionalmente ligadas aos assuntos de política na África.
Essa
incapacidade de penetrar neste segredo prolonga-se até aos dias de hoje e vem
desde o momento em que, após o 25 de Abril de 1974, Portugal abandonou a
política ultramarina de manutenção da soberania sobre as suas colónias e deu
por finda a guerra que nelas travava desde 1961”.
2-
Desse extracto e dos seus múltiplos fundamentos há que retirar lições que me
socorrem nas minhas frequentes denúncias em relação às contínuas ambiguidades
dos Governos portugueses após o 25 de Novembro de 1975 em relação a Angola e a
África, ambiguidades que ainda hoje não se puseram cobro, até por que nenhum
Governo português publicou o que quer que fosse sobre o“acordo” secreto do
Exercício ALCORA, ou sobre o seu grau, efectividade, ou caducidade, um
procedimento similar aliás à relativa “imobilidade salazarenta” de
então.
Os
Governos portugueses não “desataram o nó” da aliança secreta do
Exercício ALCORA, mantendo inclusive “por inércia” o carácter da
ambiguidade ideológica e prática do Estado Novo, por que os vínculos antigos
com a África do Sul (que socorrem também as “leituras” da NATO e do
USAFRICOM em tempo neoliberal e sob domínio dos “lobbies” do petróleo
e dos minérios), mantiveram-se correspondendo ao peso e influência económica e
financeira dos vínculos e intervenientes sul-africanos (inclusive interesses do
âmbito das “casas” Rockefeller e Rothschild) desde então, algo que
tem sido aproveitado pela inteligência económica portuguesa e tem também
funcionado de forma aberta ou velada no âmbito sócio-político e ideológico, em
função também dos interesses da comunidade portuguesa residente naquele país,
uma parte dela “retornada” de Angola e Moçambique.
A
consultar de Martinho Júnior:
- A
ambiguidade feita cultura política – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/11/a-ambiguidade-feita-cultura-politica.html
- Assim
se faz a hegemonia – http://paginaglobal.blogspot.pt/2013/07/assim-se-faz-hegemonia.html
- Eleições
na letargia duma colónia periférica – http://paginaglobal.blogspot.com/2013/10/eleicoes-na-letargia-duma-colonia.html
- Assimilação
neocolonial sem precedentes – http://paginaglobal.blogspot.com/2017/03/assimilacao-neocolonial-sem-precedentes.html
- Neocolonialismo
em brandos costumes e dois episódios – http://paginaglobal.blogspot.com/2017/03/neocolonialismo-em-brandos-costumes-e.html
Imagens:
Capa e contracapa do livro “ALCORA – o acordo secreto do colonialismo”; o
General sul-africano Charles a, P. Fraser, promotor dos conceitos do exercício
ALCORA; condecoração do Vice-Almirante Jacobus Everhardus Luouw, Adido Militar
Adjunto da Embaixada da África do Sul em Lisboa em 1982 e sua outra foto-passe.
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