Rui Sá | Jornal de Notícias |
opinião
A propósito da tempestade Elsa e
das cheias que de imediato se verificaram em Águeda, ouvi, na rádio, a
jornalista a dizer, com alguma dose de inocência, que a cidade foi construída
em leito de cheia (no caso do rio Águeda).
E digo com inocência porque temos
de ter consciência que uma parte significativa das cidades se instalaram nas
margens de rios, estando por isso nos respetivos leitos de cheia.
Foi um risco que os nossos
antepassados correram, numa altura em que os inconvenientes das cheias eram
compensados pela fonte de vida que, entre outras, constituía a existência de
água potável, peixe e escoamento de resíduos. Com o seu engenho, o Homem foi
procurando mitigar as consequências dessas cheias, mas sabendo, sempre, que
nunca eliminava esse risco. Pelos que conheço melhor, os habitantes da Ribeira
do Porto e, principalmente, de S. Pedro de Miragaia, não trocariam as suas
casas por outras em que o risco de cheias fosse inexistente (e, pelos vistos,
os especuladores imobiliários também não desistem da sua gula, mesmo perante
esse risco...). Por isso, e com a sabedoria dos tempos, muitas das casas com
entrada pelos "arcos de Miragaia" têm saída de emergência a uma cota
mais elevada, pela Rua Arménia.
Já é profundamente lamentável
que, com o que hoje se sabe, se continuem a construir edifícios em zonas de
risco (sendo certo que, com as alterações climáticas, essas zonas se ampliaram
e os riscos aumentaram). Recordo, quando assumi as funções de vereador do
Ambiente da Câmara Municipal do Porto, que muitas pressões sofri para dar
parecer favorável a empreendimentos imobiliários que nem sequer cumpriam o
afastamento de 10m das margens de ribeiras do cidade! E que, como já aqui
referi, votei sozinho contra a construção de um hotel na margem da ribeira da
Granja, na zona de Grijó (votação antecipada porque o hotel tinha de estar
pronto a tempo do Euro 2004 mas que, passados 17 anos, ainda não foi construído
- mas tem direitos adquiridos como, pelo que leio, um hotel nas dunas da praia
da Memória em Matosinhos!...).
Do mesmo modo, custa-me ficar
sempre com a ideia de que a gestão do caudal das barragens não é feita com o
objetivo de minimizar os riscos ou o impacto das cheias, mas sim de otimizar a
produção de energia elétrica e, consequentemente, a faturação - situação que
ainda torna mais evidente a necessidade de as barragens, como ativo
estratégico, se deverem manter em mãos nacionais e públicas!
Não é, assim, possível transladar
cidades e povoações. Temos é de fazer as obras que minimizem esses riscos
(muitas delas há muito estudadas mas não concretizadas), impedir outras de
risco e gerir os recursos colocando o interesse das pessoas à frente dos lucros
das empresas.
*Engenheiro
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