Miguel Guedes | Jornal
de Notícias | opinião
Engalanado pela ideia do lucro
proveniente da perspectiva do único excedente orçamental em democracia, o
primeiro Orçamento do Estado (OE) pós-geringonça é pouco mais do que um
processo de intenções.
À excepção do reforço da dotação
na saúde (a boa aposta que permite ao Governo enrolar a língua para puxar dos
galões), este OE é um simulacro de melhores dias.
Com um par de piscadelas de olho
à Esquerda e com o conservadorismo que não permite à Direita afiar as garras,
António Costa pretende fazer-nos confundir músculos com tendões. Com margem
para muito mais, esta é uma proposta de Orçamento sem força, mapa de balanço e
contas de quem dobrou a espinha e, estranhamente, não se quer endireitar. Dá
sinal de um país intermitente, refém do passado da troika que vai
obsessivamente a inventário. É a desilusão esperada.
Provavelmente, foi também para
isto que António Costa preferiu navegar à vista sem acordos parlamentares: para
não ter que se comprometer com nenhum deles e não ter de acolher qualquer
proposta das que, nas últimas semanas, lhe foram submetidas pelos partidos de
oposição. No domínio da negociação em especialidade, competirá ao Governo
repensar se, num quadro macroeconómico favorável e com contas públicas serenas
e estáveis, não vai mesmo querer aprofundar a trajectória de devolução de
rendimentos. Aparentemente, com um escasso investimento nos serviços públicos e
na habitação, prefere apostar numa ilusão com promessa de aumento de impostos
sobre a irresponsabilidade consumista, não respondendo às assimetrias e
desigualdades do país em questões - tão relevantes - como a revisão dos
escalões de IRS, a descida do IVA da energia, a resposta aos trabalhadores por
turnos, a contratação de trabalhadores para os serviços públicos ou o aumento
das pensões.
O Governo entende que pode fazer
todo o caminho a sós, refastelado numa proverbial prosápia de retoma. Já o PS,
com altivez de quem não se sujeita a núpcias, parece mais preocupado em
potenciar uma maioria absoluta do que em desenvolver pontes da governação a
quatro anos para a qual António Costa dizia estar preparado. Mas não negociando
(e, em abono da verdade, não simulando que negoceia), nada mais faz do que
oferecer uma pálida imagem à primeira impressão, permitindo margem de
crescimento à Oposição que foi o suporte da estabilidade política que esteve na
base do processo de recuperação económica do país nos últimos quatro anos,
acentuando os desequilíbrios que lhe permitirão - num dia anónimo na
legislatura - agitar as águas num contexto de uma crise política a que chamarão
de sabotagem.
*Músico e jurista
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
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